Vértebras

9 (para não serem 10) ‘postais’ de um país de inimputáveis

Vértebras

por Pedro Almeida Vieira // Junho 6, 2022


Categoria: Opinião

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1 – Fausto Pinto, director da Faculdade de Medicina de Lisboa, anunciou há uma semana a sua candidatura a bastonário da Ordem dos Médicos. Não deverá haver clínico com melhores relações com as farmacêuticas: a sua Associação para a Investigação e Desenvolvimento da Faculdade de Medicina recebeu, desde 2018, mais de 4 milhões de euros em patrocínios e apoios para a realização de estudos. À cabeça surge a Gilead, com mais de 1,5 milhões de euros, uma parte substancial para estudos (nunca vistos) sobre os efeitos do polémico antiviral remdesivir.

Fausto Pinto

2 – Tato Borges, o novo presidente da Associação Nacional dos Médicos de Saúde Pública, já está a rentabilizar o seu novo cargo, depois de ter substituído Ricardo Mexia. Enquanto lamentava que o Governo deixasse cair a obrigatoriedade de uso das máscaras – símbolo da pandemia –, recebia 1.000 euros por uma palestra da Pfizer.

3 – Filipe Froes, pneumologista do SNS e consultor da DGS, nos intervalos das suas colaborações com a indústria farmacêutica, é agora consultor da Sanofi para a vacina contra a gripe da marca Fluzone HD. Esta nova versão da vacina para idosos contra o vírus influenza é uma aposta da farmacêutica francesa para a conseguir compatibilizar com a vacina contra a covid-19. O médico-marketeer já recebeu uma tranche de 2.514 euros.

4 – Luís Varandas, infecciologista pediátrico no Hospital Dona Estefânia (Lisboa) e também professor do Instituto de Higiene e Medicina Tropical, que foi um dos subscritores da denúncia contra o presidente do Colégio de Pediatria da Ordem dos Médicos, Jorge Amil Dias – por delito de opinião –, dá conselhos à Pfizer facturando 2.000 euros por mês. O caso foi denunciado há já quase um ano, mas continua. De permeio, escreveu artigos de opinião em jornais a recomendar vivamente a vacinação de crianças contra a covid-19.

5 – António Morais, presidente da Sociedade Portuguesa de Pneumologia (SPS), é um ‘fazedor de dinheiro’: este ano, a sua associação já recebeu 499.228,4 euros da indústria farmacêutica. Para ele continuar a ser consultor da DGS e do Infarmed, a SPP só poderia receber em média 50.000 euros por ano. A Inspecção-Geral das Actividades em Saúde precisa, contudo, de um “processo de esclarecimento” para acabar com este regabofe, enquanto Infarmed e DGS estão calados que nem ratos.

António Morais (ao centro), preside à Sociedade Portuguesa de Pneumologia, e é consultor da DGS e do Infarmed.

6 – A Pfizer pagou em Maio mais de 90 mil euros a médicos para estarem presentes no habitual encontro sobre vacinas, desta vez na Trofa. Estiveram lá nomes sonantes, de grande “independência” aquando da pandemia, tais como Baltazar Nunes, Luís Varandas, Maria João Brito, Tato Borges, Ricardo Mexia e António Diniz.

7 – Em vez do Estado português, e o seu Ministério da Saúde, promover um estudo independente sobre a insuficiência cardíaca, deixa que seja a Sociedade Portuguesa de Cardiologia a receber 151.927,49 euros da AstraZeneca para o fazer. O Porthos Study iniciou-se em Dezembro do ano passado e consistirá numa baterias de testes a 5.616 voluntários com mais de 50 anos. Os resutados ficam nas mãos da farmacêutica, que os pode usar para convencer o Estado a gastar mais dinheiro em medicação.

AstraZeneca é o financiador de um estudo necessário mas que o Estado não faz. Os dados vitais ficam na posse da farmacêutica.

8 – A Associação Portuguesa de Administradores Hospitalares que, visto está, tem administradores hospitalares como sócios, não tem razões de queixa das farmacêuticas: desde 2018, as diversas empresas já lhes concederam subsídios e apoios no valor de 1.521.815 euros. À cabeça está a incontornável Gilead – a produtora do polémico antiviral remdesivir – que concedeu 320.846 euros durante esse período. Só este ano, o crédito a favor da associação dos administradores pela parte da Gilead vai em mais de 84 mil euros, grande parte dos quais para a segunda edição da Bolsa de Desenvolvimento do Capital Humano em Saúde.

Gilead é um dos principais financiadores da associação que integra os administradores hospitalatres que decidem as compras de fármacos.

9 – A Cofina recebeu 133.455 euros da Sanofi, desde o ano passado, para organizar o Prémio Saúde Sustentável. Ignora-se se o valor é grande ou pequeno em comparação com os montantes recebidos pela Impresa, Público e Global Notícias, entre outros órgãos de comunicação social, porque mais nenhuma outra farmacêutica envia essa informação para o Portal da Transparência e Publicidade do Infarmed. A transparência é um conceito teórico em Portugal.

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