Dois dias depois da fundação do PÁGINA UM, a CNN Portugal predispôs-se a dar cobertura a uma campanha difamatória. Recusou depois um direito de resposta. A Entidade Reguladora para a Comunicação Social deliberaria que o franchise português do canal norte-americano teria mesmo de publicar uma réplica do director da PÁGINA UM. Mas a CNN Portugal fez “ouvidos moucos”. A factura saiu-lhe, agora, pesada e indigesta.
Por “não acatamento” de uma deliberação da Entidade Reguladora para a Comunicação Social (ERC), a TVI – Televisão Independente S.A., dona da CNN Portugal, arrisca uma multa de até 250.000 euros. Mas o “pau” já lhe bateu uma vez: terá de pagar, sem mais demora, 16.500 euros a título de sanção pecuniária compulsória.
Em causa está, de acordo com uma decisão do regulador no passado dia 15 de Junho, o atraso na publicação de um direito de resposta do director do PÁGINA UM como reacção à notícia “difamante” do franchise português do canal norte-americano publicada e emitida em Dezembro de 2021. Através da consulta ao histórico das deliberações da ERC, é a primeira vez que uma multa deste género é aplicada pelo regulador contra um órgão de comunicação social.
Na origem deste diferendo entre o PÁGINA UM e o canal dirigido pelos jornalistas Nuno Santos, Pedro Santos Guerreiro e Frederico Roque de Pinho está uma notícia da CNN Portugal, publicada em 23 de Dezembro do ano passado.
Assinada pelo então jornalista-estagiário Henrique Magalhães Claudino, e intitulada “Covid-19: dados confidenciais de crianças internadas em UCI partilhados em página negacionista“, a notícia acusava o PÁGINA UM, identificando-o indirectamente, de ser “uma página negacionista” e “anti-vacinas”, e que revelara “dados confidenciais de crianças em unidades de cuidados intensivos”.
Na verdade, o artigo jornalístico de investigação do PÁGINA UM abordava, com rigor, informação retirada de uma base de dados confidencial de internamentos hospitalares, mas anonimizada, ou seja, não continha elementos que pudessem identificar qualquer criança ou médico.
A CNN Portugal viria a recusar em Janeiro o direito de resposta do director do PÁGINA UM, tendo uma queixa seguido para a ERC, que veio a deliberar pela obrigatoriedade dessa publicação na íntegra, incluindo eventuais “expressões desproporcionadamente desprimorosas ou que envolvam responsabilidade criminal ou civil”.
No entanto, apesar da deliberação ter sido aprovada em 9 de Março, a ERC demorou mais de duas semanas para notificar formalmente a CNN Portugal, através de carta registada recebida em 31 de Março.
Em termos concretos, o canal televisivo deveria ter publicado o direito de resposta dentro de um prazo de 24 horas, ou seja, até ao dia 1 de Abril. Mas não o fez. E apenas por insistência do PÁGINA UM, a ERC haveria de pressionar a CNN Portugal para provar a data de publicação, o que somente veio a suceder em 4 de Maio passado.
No processo entretanto instaurado pela ERC à conduta da CNN Portugal, o operador televisivo justificou não ter publicado antes o direito de resposta por causa de um suposto “lapso operacional que se lamenta”.
Porém, a ERC mostrou-se indiferente às desculpas do canal, tanto mais que é dirigido por três jornalistas com vasta experiência na liderança de órgãos de comunicação social.
Por exemplo, Nuno Santos foi já director de informação da RTP e da SIC Notícias. E Pedro Nuno Santos ocupou a direcção do Jornal de Negócios e do Expresso.
Assim, a ERC cingiu-se a aplicar uma “sanção pecuniária compulsória” de 500 euros por cada dia de atraso da publicação do direito de resposta do PÁGINA UM (considerando, formalmente, terem sido 33 dias), e a abrir um processo de contra-ordenação por o comportamento da CNN Portugal “consubstanciar uma recusa de acatamento da deliberação da ERC que orden[ou] a transmissão do direito de resposta, no prazo fixado pela decisão”.
De acordo com os Estatutos da ERC, nestas circunstâncias, a coima mínima é de 50.000 euros e a máxima de 250.000 euros. Todo o produto da multa e da eventual coima é exclusivamente para a ERC.
A ERC também remeteu para a Comissão da Carteira Profissional de Jornalista (CCPJ) o processo com vista à abertura de um processo contra o autor da notícia (o jornalista-estagiário Henrique Magalhães Claudino), os directores da CNN Portugal (Nuno Santos, Pedro Santos Guerreiro e Frederico Roque de Pinho) e ainda seis jornalistas que, ao longo do dia 23 de Dezembro, divulgaram repetidamente aquela notícia difamante.
A CCPJ recusou inicialmente “acolher” essa remessa, tendo sido necessário o director do PÁGINA UM apresentar formalmente uma denúncia, o que foi feito em 30 de Maio passado, aguardando-se as diligências previstas na lei.