Segundo um inquérito/estudo feito pela SEDES a 300 emigrantes – será uma amostra representativa? –, 70% queriam regressar a Portugal. Este era o título da notícia que me chamou a atenção em vários jornais. Isto significa que 210 portugueses, entre as três centenas que foram ouvidos, queriam voltar ao país de origem. E se tivessem perguntado a 301, e eu fosse um deles, então seriam 211.
Depois do cabeçalho, fui ler o corpo da notícia para perceber como é que a matemática funcionava para aqueles meus 210 conterrâneos. É que, como perceberão, a maior parte dos emigrantes gostaria de não o ser. Bem sei que há quem vire costas para não mais voltar, mas julgo que, arriscarei pouco, se disser que a maior parte desejaria o sol português com o salário do estrangeiro.
O mistério esfumou-se em poucos segundos de leitura. Querem voltar, sim, mas na reforma ou daqui a um par de anos. Ou seja, a matemática do emigrante ainda é aquela prova dos nove que nos afasta de casa.
Este é um dos fados absolutamente insuportáveis da condição de emigrante português.
Quem se habitua a viver fora de Portugal, compensa as amarguras dessa condição com a melhoria das condições de vida. E acaba por ficar prisioneiro delas. Todos, ou quase, acabamos em mesas redondas de balanços de vida. É agora que voltamos? Há condições? Conseguimos pagar as contas? Os familiares estão a ficar mais velhos? Temos que estar mais presentes? Os amigos ainda se lembram de nós? Dá para aguentar mais três anos?
Para mim é fatal como o destino que, a cada fim de Verão, me candidate a vagas em empresas portuguesas, ou a recrutar em Portugal. É uma espécie do renovar da esperança de que algo tenha mudado desde a última conversa. Entenda-se, desde o último Setembro.
Sempre, ou quase sempre, interrompo as entrevistas para colocar um fim ao processo de selecção. E faço-o sem grandes justificações ou sequer sem mostrar metade da frustração que sinto. A culpa não é, nunca foi, de quem do outro lado da linha fala comigo e apresenta propostas de trabalho relativamente semelhantes às que ouvia em 2006, antes de ter decidido emigrar.
A culpa é de um tecido empresarial que ainda procura o lucro através de baixos salários, de um regime fiscal pesadíssimo – quase sem retorno para quem o paga – e do constante atraso nas políticas salariais que tornam o país atractivo para os tubarões multinacionais, que recebem força de trabalho altamente especializada, a troco de amendoins.
De modo que, a cada Setembro, me interrogo se consigo pagar um apartamento em Lisboa com 25% do salário actual. Não, não consigo.
E no Miratejo? Aí já consigo. Então é melhor ficar quieto.
Quando me dizem que dinheiro não é tudo na vida, eu sou o primeiro a concordar.
Normalmente quem o diz não tem casa para pagar, mas isso, são detalhes. Os baixos salários portugueses não seriam problema se as rendas, os empréstimos, o imobiliário e os restantes custos do quotidiano se adequassem. Se uma casa em Lisboa custasse 50 euros por mês, um salário de 700 euros seria óptimo. O problema é que a despesa cresce como na Europa civilizada, mas a receita, de cada um de nós, cresce ao ritmo do Congo. Alegadamente e sem ofender os nossos camaradas congoleses.
No fundo, a dúvida é se devemos continuar a sofrer longe ou se queremos passar a sofrer mais perto. Normalmente vence a casa aquecida e a facilidade de não andar a fazer contas a meio do mês. Depois, em cima disto, ainda aparecem as vantagens de sistemas políticos mais justos, menos corrupção, sociedades que funcionam de forma simples e pouco burocrática, saúde gratuita, educação universal.
Aposta-se em mais um ano e pensamos, à Sporting: “para o ano é que é!”.
E assim acabamos a engrossar a lista de quase três milhões de emigrantes espalhados pelo Mundo, números oficiais, embora se estimem muitos mais. E a contribuir para a famosa lista das remessas que, dizia Clara Ferreira Alves um dia destes, já não são significativas.
Segundo dados do Observatório da Emigração, em 2020 foram enviados cerca de 3 mil milhões de euros para Portugal pelos emigrantes, quase 2% do PIB do país – ou seja, uma Autoeuropa. Adorava ler o dicionário da Clara Ferreira Alves e perceber o que é significativo.
Quando discuto este tema, até com outros emigrantes, observo as reacções de desprezo a um possível regresso. A vida em sociedades mais evoluídas – perdoem-me o termo, mas a comparação e todas estatísticas europeias o provam – dá-nos outra visão do nosso próprio país.
Eu compreendo as queixas e até o facto de alguns não quererem voltar para o nosso cantinho, mas não é a minha. Não conseguir regressar, deixa-me frustrado, não me faz sentir melhor por estar num país rico ou até num sistema político mais limpo. Nós somos o que somos, para o bem e para o mal. Se a vida dos meus filhos não sofresse com essa mudança, eu preferia encerrar o período de emigração e abdicar das facilidades sociais proporcionadas longe daqui, e até de um conforto que em Portugal nunca tive.
Aquilo que não consigo aceitar é que, por causa de décadas de escolhas erradas do ponto de vista político, de fundos europeus mal gastos ou da gigantesca corrupção que tudo leva, eu tenha que me sujeitar, ao fim de 20 anos de trabalho, a receber um salário miserável e a viver num subúrbio qualquer, porque, entretanto, a cidade onde nasci me ficou vedada.
Depois de 35 anos na União Europeia, com uma dependência enorme dos subsídios, Portugal tem a melhor rede de estradas da Europa e as Parcerias Público-Privadas (PPP) mais absurdas. Mas não tem uma rede de creches públicas em condições, ensino universal e totalmente gratuito, cuidados para cidadãos em fim de vida (despejar velhos em lares ilegais é de Terceiro Mundo) e até o SNS, antiga jóia da Coroa, já teve melhores dias. As casas boas e centrais são para estrangeiros, aos portugueses de classe média resta o subúrbio e um encolher de ombros perante a voracidade da especulação descontrolada.
Chegamos ao ponto de formar engenheiros para lhes pagar 800 euros ou implorar por trabalhadores para o turismo a troco do salário mínimo. Caminhamos para sermos uma República Dominicana europeia onde o investimento público na Educação se converte em mão-de-obra para outros parceiros europeus. É obra. Da estupidez, é certo, mas ainda assim obra.
Tiago Franco é engenheiro de desenvolvimento na EcarX (Suécia)
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