No Verão de 2020, quando as mortes por covid-19 rondavam as três por dia, as televisões mantinham notícias em tom alarmista. A SIC chegou a manipular um gráfico sobre a causa das mortes e nem referiu a fonte de informação. A Entidade Reguladora para a Comunicação Social demorou dois anos a deliberar sobre o assunto.
Para advertir a SIC “para a necessidade de cumprir escrupulosamente com os deveres de rigor informativo”, a Entidade Reguladora para a Comunicação Social (ERC) demorou quase dois anos.
A deliberação, hoje divulgada no site do regulador, mas aprovada em 15 de Junho passado, deu resposta à queixa de um telespectador sobre uma peça transmitida no Jornal da Noite de 26 de Junho de 2020 em que foi apresentado um gráfico com várias causas de morte a nível mundial. A notícia alegava que a covid-19 teria ultrapassado a malária no número de vítimas mortais, mas mostrou um gráfico ao qual tinham sido retiradas causas de morte mais relevantes para sobrevalorização relativa da covid-19.
A SIC sustentou que a sua opção editorial teve em conta “os alertas constantes de várias organizações mundiais para a necessidade de não se abandonar a luta contra” a covid-19, mostrando-se assim “essencial uma prestação gráfica de informação que representasse tal realidade de forma clara e sucinta, uma vez que o abandono de comportamentos preventivos poderia significar um aumento superior a 50% na média anual de mortes provocadas pela malária.” (sic)
Embora a notícia em causa se referisse apenas ao período entre 1 de Janeiro e 20 de Junho do primeiro ano da pandemia, o denunciante argumentou que, de acordo com a Organização Mundial de Saúde (OMS), nem a malária, nem a covid-19 constavam ainda das 10 doenças com maior taxa de mortalidade a nível global. Em sua defesa, a SIC alegou que a peça em questão “nunca teve como principal escopo uma representação exaustiva e abrangente das causas de morte em todo o mundo”.
Saliente-se, contudo, que o canal televisivo assumiu ter ocultado da sua análise algumas causas de morte relevantes, como “envenenamentos, suicídios, tuberculose, doenças cardiovasculares […], acidentes rodoviários ou doenças gastrointestinais”, de modo a “evitar constrangimentos gráficos e de leitura de informação”.
Apesar de terem sido necessários dois anos para que a ERC emitisse uma deliberação, o regulador considera que a SIC cometeu apenas uma falha: não ter identificado “qualquer fonte de informação para os dados que apresent[ou]”. Com efeito, somente a 15 de Junho passado, quando a generalidade dos países tinha já abandonado a maior parte das restrições sanitárias e o SARS-CoV-2 já era tido como uma ameaça menor, veio aquela entidade advertir o canal denunciado para a “necessidade de cumprir escrupulosamente com os deveres de rigor informativo”.
Destaque-se que, em 2020, a covid-19 foi a causa atribuída a quase cerca de 1,9 milhões de mortes, ou seja, um pouco mais de 3% do total a nível mundial. Antes da pandemia, as doenças cardíacas representavam a principal causa de morte a nível mundial (8,8%) à frente dos acidentes vasculares cerebrais (6,2%) e das doenças respiratórias das vias inferiores (3,2%) da doença pulmonar obstructiva crónica (também 3,2%).
A covid-19 aumentou, entretanto, o número de vítimas sobretudo nos primeiros meses de 2021. Segundo os registos oficiais, em cerca de dois anos e meio morreram por causa atribuída ao SARS-COV-2 cerca de 6,4 milhões de pessoas a nível mundial, ou seja, aproximadamente 4% de todas as mortes durante este período.
Em Portugal, o impacte foi mais elevado (8,3%), resultante de 24.346 óbitos por covid-19 num total de quase 295 mil mortes por todas as causas desde o início da pandemia. No entanto, continuam sem ser revelados os dados em bruto do Sistema de Informação dos Certificados de Óbitos (SICO) que podem ou não confirmar estes valores.
Texto editado por Pedro Almeida Vieira