São dias complicados, estes que vivemos, para os mercados liberais, empreendedores de unicórnios e self-made men em geral.
Vieram recentemente a lume as confissões de um lobista da UBER, explicando o tráfico de influências com os Governos locais, de forma a contornar as leis do trabalho e, até, na instigação e aproveitamento da violência gerada (nomeadamente com os taxistas) para denegrir a concorrência.
A investigação passou por vários países, e chegou a Portugal, onde a estratégia assumida passava por dizer aos condutores que se deixassem agredir para, depois, se manchar o nome da ANTRAL e dos seus dirigentes.
Ficou também demonstrado que a UBER pagava elevadas quantias às cúpulas governamentais de forma a poderem aproveitar os buracos na lei e escaparem ao Código do Trabalho nos mais diversos países.
Dizem os entendidos que, novamente, outra start up de sucesso é, afinal, apenas mais um esquema de exploração de trabalhadores, corrupção na camada dirigente e lucros em barda para os accionistas, “cagando” sempre que possível nas leis dos locais do trabalho.
A frase repetida por Cotrim de Figueiredo vai ruindo com os castelos de cartas associados aos brilhantes exemplos do empreendedorismo. O liberalismo funciona e é necessário, mas não se percebe onde. Quer dizer, para quem não seja accionista. Digo eu, que tinha verdadeiras e fundadas esperanças na UBER, e esperava que a concorrência (dentro da lei) melhorasse o serviço de táxis, que era e é, por vezes, miserável.
Ainda recolhíamos os cacos desta martelada gananciosa no liberalismo mais puro (seja lá isso o que for) e, no minuto seguinte, sabíamos que o juiz Carlos Alexandre recebia a resposta ao e-mail que enviara em 2011 para um banco suíço. Fui ler novamente: ONZE anos!
Que tipo de servidores e protocolos de comunicação usarão os suíços? No meu tempo de estudante de telecomunicações, lá no início do século, já nada mexia com menos de 56kbit. Não sei se, entretanto, a Suíça voltou a enviar mensagens por sinais de fumo e há 11 anos que andam com o clima nublado… Pode ser isso. De facto, pode ter sido um problema técnico.
O juiz Carlos Alexandre, rapaz conhecido por fazer perguntas chatas, queria saber se havia por ali dinheirinho do Rendeiro e dos outros amigos do BPP. Isto a propósito daquela investigação que começou quando a MEO ainda se chamava TMN e o Sporting ainda não tinha querido ganhar quatro títulos de campeão numa segunda-feira de manhã.
Os suíços, conhecidos pela sua neutralidade e esconderijo natural de dinheiro roubado, demoraram 11 anos a responder a um pedido de um tribunal de União Europeia. Neste caso, o tribunal do nosso Carlos. Ao que parece estiverem a contar as notas, à mão, e lá se aperceberam que tinham 12 milhões dele, bem guardadinhos, numa daquelas gavetas que se abrem com duas chaves, como nos filmes do Clooney. Portanto, sim, havia dinheiro e estava lá. A resposta demorou mais do que o coveiro do Rendeiro a chegar.
A atitude suíça é lamentável (a palavra apropriada seria algo obscena, mas evitemos isso aqui no jornal). E, depois de décadas a servir de paraíso a ladrões, uma pessoa até se pergunta para que serve este pequeno país entrincheirado no coração da União Europeia, mas fora de todas as suas regras. Ou melhor, até nos passa pela cabeça aquele pensamento de “porque não invadiu Putin antes Zurique e deixou Kiev em paz?”. Alegadamente, claro.
O dinheiro entretanto descoberto pertence(ia) ao falecido Rendeiro, que o guardou para poder envelhecer na Quinta do Lago (sem incêndios, obviamente), enquanto alguém ia pagando as dívidas do BPP.
A ideia nunca foi devolver os 7% prometidos nas aplicações do BPP (ainda me lembro desse cartaz), mas sim o de garantir a fuga e o sossego na velhice.
As dívidas do BPP, esta é a parte gira, ascendem a cerca de 600 milhões. A parte do Estado andará nos 50 milhões e o resto é devido aos Zés deste país que foram trabalhar para longe das sardinhas, e imaginavam, nos seus tórridos pensamentos matinais, que um dia teriam uma reforma.
Portanto, o dinheiro destapado 11 anos depois serve, quando muito, para a cova de um dente das dívidas. Acho que é altura de os gestores do BPP pedirem um crédito de 600 milhões (menos os 12 milhões que ficarão, veremos, para o Estado)… Dizem-me que as taxas de juro estão óptimas.
Enfim, confesso: estas notícias deixam-me irritado. Por vezes, deixo-me dominar pelo sangue que corre em todos nós, latinos da margem certa do Tejo.
Na minha cabeça amontoaram-se textos cheios de vocábulos de Bocage, absolutamente proibidos num jornal de respeito como o PÁGINA UM. Depois olhei para a minha montanha e reparei que o sol tinha aparecido. Notem que esperei 30 dias para ver o sol, neste pedaço de Mundo onde as nuvens reinam. Respirei e relativizei a coisa.
O Rendeiro está morto, a História não foge. Os mercados fizeram asneira, mas, certamente, amanhã farão outra vez.
O sol apareceu e, estou confiante, a Revolução pode esperar um bocadinho.
O liberalismo não vai mudar assim tanto em 24 horas, não é?
N.D. Este texto foi escrito ontem. O autor informou, entretanto, que hoje o céu está novamente encoberto. E o liberalismo está na mesma…
Tiago Franco é engenheiro de desenvolvimento na EcarX (Suécia)
N.D. Os textos de opinião expressam apenas as posições dos seus autores, e podem até estar, em alguns casos, nos antípodas das análises, pensamentos e avaliações do director do PÁGINA UM.