Pandemia

Vacinar idosos e não vacinar jovens: a (mesma) opção lógica com base numa análise comparativa

person in white pants and white shirt holding clear glass tube

por Pedro Almeida Vieira // Janeiro 1, 2022


Categoria: Exame

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Imaginemos, por absurdo, que os governos mundiais decidiam implementar uma política de redução da taxa de afogamentos para níveis próximos de zero. Nessa linha, impunham que toda e qualquer pessoa, em qualquer circunstância, teria de usar braçadeiras e bóias. No limite, mesmo que não estivesse próxima de algum espaço aquático, não fosse, por exemplo, uma conduta de água rebentar acidentalmente e causar uma inundação. Mesmo um Michael Phelps seria obrigado a usar bóia e braçadeiras; todos os nadadores, mesmo em provas olímpicas. Quem não aceitasse, seria discriminado.

girl swims on swimming pool

No final, a avaliação desta política revelaria, por certo, uma diminuição considerável das mortes por afogamento das pessoas que não sabiam nadar. Porém, para o extenso grupo de pessoas que sabia nadar, a aplicação destas medidas nenhum benefício traria; e talvez mesmo causasse transtornos e prejuízos. Acidentes, até. Não será, por certo, fácil conduzir um carro com braçadeiras e bóia.

Imaginemos também, por absurdo, que os governos mundiais decidiam implementar uma política de redução da incidência de melanomas para níveis próximos de zero. E decretavam então que todos as pessoas, desde os mais esbranquiçados celtas até aos negros do Senegal, tivessem obrigatoriamente de usar protector solar factor 50, tanto no Verão como no Inverno, tanto nas chuvosas terras de Albion como na arizonense Yuma, conhecida por ser a mais soalheira cidade do Mundo. Quem não aceitasse, seria discriminado.

No final, a avaliação desta política revelaria, por certo, uma diminuição considerável dos cancros de pele, mas introduziria um desperdício de recursos económicos incomportável e desnecessário. Sem contar, tendo em conta o uso massivo e intenso desses produtos, com os efeitos adversos, desde a simples irritação e acne até outros problemas dermatológicos mais graves.

Agora, por fim, imaginemos que os governos mundiais decidiam implementar uma política de redução, para níveis próximos do zero, da taxa de mortalidade de uma certa infecção viral, que se manifesta(va), em termos de agressividade, de formas muito distintas. Ou seja, a maior ou menor susceptibilidade depende da idade, do sexo, das comorbilidades associadas e até das condições vivenciadas nas diferentes comunidades.

Ora, dever-se-ia, nesse caso, depois de se fabricar um fármaco em tempo recorde, inocular toda e qualquer pessoa? Forçar todas pessoas a tomarem uma vacina, acenando ser voluntária, mas recorrendo depois a mecanismos pouco ortodoxos de coacção e discriminação?

A resposta a estas perguntas deveria ser dada enquanto ainda se reflectisse sobre os exemplos das bóias e do protector solar.

O risco e a incerteza

As vacinas contra a covid-19 são, tecnicamente, medicamentos profilácticos que protegem cada pessoa inoculada de desenvolver doença grave ou de morrer. Não concedem imunidade de grupo. São como a bóia para quem não sabe nadar; o protector solar para quem é caucasiano. Talvez sejam um pouco mais: reduzem a transmissibilidade se o vacinado ficar infectado – embora num período muito curto –, mas trazem consigo uma desvantagem: a incerteza sobre os efeitos a longo prazo.

Em Saúde Pública – que é uma vasta área que depende de muitas especialidades, e talvez, na verdade, até mais de Ciências Sociais do que de Medicina (no sentido de prática clínica) –, importam sobretudo dois aspectos fundamentais: a prudência e os custos-benefícios-incerteza, estando estes todos associados de forma íntima. E importa também, no meio de tudo isto, uma adequada gestão de recursos financeiros. O dinheiro, parecendo, não é elástico.

Manda sempre a prudência – aplicada tantos aos cuidados de saúde como à gestão do quotidiano – que se pondere se uma solução no presente não se transforma num problema futuro. Note-se que a prudência tem em conta tanto o risco como a incerteza – que, muitas vezes, de forma equívoca, são considerados sinónimos. Não são. Muito pelo contrário.

man standing on rock in the middle of clip

Um risco constitui uma probabilidade conhecida em relação ao futuro. A incerteza mede o grau de ignorância sobre o futuro. O risco é uma probabilidade; tem sempre um número a si associado. Se não tem, é uma falácia. Quanto à incerteza, não se consegue quantificar, e muitas vezes nem se sabe muito bem o que seja ou possa vir a ser. É um buraco negro, mesmo se desconfiarmos daquilo que tenha dentro.

Por exemplo, podemos hoje conhecer, com base no passado, qual o risco de ataque cardíaco de uma pessoa de determinada idade que andou a comer fast food durante anos. Por uma simples razão: existe um histórico; sabe-se que, no passado, X pessoas de um grupo de Y com maus hábitos alimentares tiveram essa consequência.

No caso das vacinas contra a covid-19 – ainda mais por a maioria usar uma tecnologia nunca aplicada em larga escala em humano – , esse histórico é pequeno, demasiado curto. Tem pouco mais de um ano. Ou seja, no curto prazo até podemos estimar, com razoabilidade, uma razão custo-benefício muito favorável ao benefício, mas o longo prazo é uma incógnita absoluta.

A história das outras vacinas não conta. Em Ciência, como na teologia, o hábito não faz o monge. Não houve tempo suficiente de observações empíricas. Ponto. O longo prazo é, assim, incerto. Pode ser nada; pode ser tudo. É como se aceitássemos um benefício (não ter doença grave ou evitar a morte numa certa probabilidade) por troca da compra de um bilhete para se jogar roleta russa no futuro, não se sabendo sequer se haverá revólver, se existe gatilho ou se afinal, dramaticamente, o carregador está cheio de balas. Há quem aposte, se o benefício em causa for relevante; outros não, se o ganho potencial poder ser muito menor do que a perda hipotética. A Psicologia e a Economia têm tratados sobre o assunto.

Além de tudo isto, devemos enquadrar o conceito de longo prazo. Em Economia, o longo prazo são cinco anos. Em Saúde, ou em Demografia, aos 85 anos de idade, o longo prazo já nem quase faz sentido. Ultrapassado o limiar da esperança de vida, cinco anos pode ser muito. Para um adolescente de 15 anos, o longo prazo mede-se por década, podem ser 20, 30 ou até 70 anos. “Que se tenha noção”, como diria o outro.

Perante isto, mas reconhecendo uma emergência sanitária decorrente desta pandemia (ou já endemia), que fazer se se tem um fármaco disponível, como as actuais vacinas, e impactes muitos distintos da covid-19 nos diferentes grupos populacionais? E que fazer quando a incerteza de longo prazo não aconselharia uma vacinação massiva?

Ora, dever-se-ia olhar para os seus benefícios, analisar o custo-benefício, ponderar com prudência sobre as incertezas. Tudo em função do custo e do benefício, das opções individuais, mais ainda após se constatar que a imunidade de grupo se tornou uma quimera. Enfim, raciocinar e debater.

Algo que jamais sucedeu quando se decidiu implementar os programas vacinais contra a covid-19. A politização da ciência e a ciência política dominaram e, hélas, tiraram aquilo que mais nobre tinha a Ciência: o permanente debate e questionamento.

gray monkey under sunny sky

A gravidade da covid-19 sempre foi apresentada – pelas autoridades de saúde, seus peritos, e pela imprensa mainstream – como se fosse similar para qualquer pessoa. Como se o risco fosse quase semelhante. Não é, nem nunca foi. Nesta, e em qualquer outra doença.

A iliteracia científica permitiu, em parte, esta situação. Achou-se que, se qualquer pessoa podia ser infectada pelo SARS-CoV-2, então qualquer pessoa pode morrer de covid-19. E pode: só que entre o pode e o não vai morrer surge um fosso enorme quando olhamos individualmente as pessoas ou os grupos etários.

Na verdade, felizmente, a covid-19 não apresenta um padrão extraordinário. A sua taxa de letalidade mostra uma perfeita diferenciação em função da idade, do sexo e das comorbilidades (que entram em linha com a idade e o sexo). Entre países haverá, por certo, idiossincrasias, talvez por razões genéticas, também porventura por motivos meteorológicos. E há também razões sociais: basta olhar para as taxas de mortalidade diferentes nos Estados Unidos entre brancos, hispânicos e negros. Ou entre os Estados mais ricos do Brasil e os mais pobres.

Porém, em cada país ou região, há padrões facilmente identificáveis. A covid-19, em termos globais, de impacte, não é surpreendente, nem registou uma evolução que cause espanto. Aliás, como todos os outros vírus, o SARS-CoV-2 adaptar-se-á aos seres humanos; não os extinguirá nem matará uma franja significativa da população. Esquecemo-nos que vivemos na melhor época da Humanidade para enfrentarmos uma pandemia. Graças à Ciência.

Portanto, nesse aspecto, se colocarmos a letalidade da covid-19 por idade ao lado do quociente de mortalidade no prazo de um ano também por idade, veremos curvas praticamente paralelas. A covid-19 tem-se mostrado, neste aspecto, muito previsível. Quase não mata população jovem; mata que se farta pessoas muito, muito idosas. Mata sobretudo pessoas que ultrapassaram a expectativa de vida. Há um sem-número de outras doenças e afecções com padrões similares, garanto.

Em Portugal, no caso de um idoso de mais de 80 anos, sabe-se hoje que a taxa de letalidade atribuída à covid-19 ronda os 15% (em cada 100 casos positivos, morrem 15). Convém referir que, antes da pandemia, a probabilidade de morte nessas idades era praticamente semelhante. Uma pessoa de 90 anos tem um risco de morte de 20% no prazo de um ano.

Voltando à covid-19. No grupo etário dos 70 aos 79 anos, a taxa de letalidade já anda pelos 5,6%. E baixa ainda mais à medida que se caminha para os jovens e crianças. Na faixa dos 30 aos 39 anos é somente de 0,027%. Nos 20 aos 29 anos é de 0,07%. E mais se reduz nos menores de 20 anos. Neste grupo não é um risco que se veja. A pneumonia, sendo rara nestas idades, chega a ser mais perigosa.

A probabilidade de morte (risco) por covid-19 de um idoso com mais de 80 anos é, assim, mais de 4.000 vezes superior ao de um menor de 10 anos. E chega a ser superior a 9.500 vezes se confrontada com o grupo dos 10-19 anos. São dados nacionais, oficiais, indesmentíveis. Já escrevi sobre isto.

Significa então que o risco é zero nos mais jovens? Não. Como nunca houve com nenhuma outra doença anterior à pandemia.

A vida abre a possibilidade de se ficar morto – eis a célebre verdade do senhor de La Palice, cujos soldados cantaram a sua morte dizendo que ele ainda respirava antes mesmo de ficar morto. Mas a probabilidade de tal suceder é incomensuravelmente diferente em função da idade ou de outras características. Actualmente, a probabilidade do Michael Phelps morrer afogado não é zero, mas é tão improvável que seria estúpido obrigá-lo a munir-se de uma bóia na piscina. Mas se calhar, quando ele tiver uns 100 anos, porventura já será uma ideia a ponderar, embora talvez não seja eticamente muito correcto forçá-lo a tal.

Uma análise comparativa

Vou agora assumir uma premissa temerária para justificar a razão do título deste texto, porque necessito da argumentação das autoridades de saúde, dos muitos peritos e da imprensa mainstream. Fiz então um exercício académico, mas útil, assumindo ser a vacina eficaz, e a única causa para se registar agora uma variação muito favorável na mortalidade por covid-19 entre o ano de 2020 e o ano de 2021. E assumo também que esse efeito é global e se estende, por igual, a todos os grupos etários.

Não vou sequer, portanto, sugerir que haja agora uma menor virulência do SARS-CoV-2, nem que há factores meteorológicos explicativos nem que a população potencialmente de maior vulnerabilidade, sobretudo idosos, foi em parte fatalmente “eliminada ao longo” de dois anos de pandemia, marcada também por um excesso na mortalidade por todas as causas. E nem sequer irei discutir se foram alterados os critérios para se “decretar” a covid-19 como causa de morte.

Para esse exercício, não me bastou assim analisar e comparar valores absolutos. Morrer uma pessoa num grupo de 10 é pior do que morrerem 10 num grupo de um milhão. Por isso, além de desagregar os óbitos por covid-19, por grupo etário e sexo (porque o impacte desta doença é muito distinto entre homens e mulheres), procedi a uma padronização. Essa operação permite criar uma taxa de mortalidade, tendo como unidade o número de óbitos por 100.000 habitantes em cada um dos grupos. Isto possibilita assim comparações diacrónicas, entre grupos etários e entre sexos.

Peguei assim nas estimativas da população, por grupo etário e sexo, feitas pelo Instituto Nacional de Estatística para os anos de 2019 e 2020, e apliquei-as, respectivamente aos anos de 2020 e 2021, para determinar, com base no número de óbitos por covid-19, as taxas de mortalidade desta doença. Em cada um dos anos e em cada grupo etário e sexo. Fiz isso para três períodos distintos: 13-26 de Dezembro (duas semanas), Dezembro (26 primeiros dias) e Novembro (30 dias).

Taxa de mortalidade por covid-19 por grupo etário e sexo em Dezembro (até dia 26) de 2020 e 2021 (unidade: óbitos por 100.000 habitantes do grupo etário) – Fontes: INE e DGS.

Ora, este “trabalho” – que demora não demasiado tempo – permite logo fazer luz sobre uma evidente, mas “escamoteada”, verdade: a vacina pode até ser eficaz e justificar-se em idades mais avançadas, mas um programa vacinal massivo nas populações mais jovens constitui um desperdício de recursos. E também introduz uma incerteza desnecessária.

Os resultados que obtive para os três períodos são proporcionalmente similares, por isso decidi somente apresentar e escalpelizar o mês de Dezembro (até ao dia 26).

Desde logo se constata, muito facilmente, uma acentuadíssima descida da taxa de mortalidade por covid-19 entre 2020 e 2021, mas somente nos grupos dos maiores de 65 anos.

No caso dos homens de mais de 80 anos, em Dezembro de 2020 registaram-se 265 óbitos em cada 100.000 habitantes (nesse grupo etário) – ou seja, 0,265% –, enquanto em 2021, no período homólogo, se contabilizaram apenas 50. É uma redução relativa superior a 80%, o que é muito – e é muito bom. São 215 óbitos a menos por cada 100.000 pessoas.

No grupo das mulheres desta faixa etária, a diferença também se mostra muito relevante, embora inferior: de quase 178 no ano de 2020 passou-se para 28 óbitos por 100.000 habitantes em 2021, ou seja, uma redução de 150 vidas por 100.000 habitantes.

No grupo dos 70 aos 79 anos, tanto no caso dos homens como nos das mulheres, a redução foi inferior, embora ainda significativa, também porque a letalidade é muito menor. Entre 2020 e 2021, para o período analisado do mês de Dezembro, os óbitos nos homens desceram de 63 para apenas 17 por 100.000 habitantes; nas mulheres de 26 para 8.

Nas faixas etárias subsequentes, a diferença começa a ser cada vez menos expressiva. Nos homens entre os 60 e 69 anos, a variação entre 2020 e 2021 foi quase de 13 mortes por 100.000 habitantes, sendo de apenas 1,7 no grupo dos 50 aos 59 anos. No caso das mulheres, este rácio ainda é mais baixo: entre os 60 e os 69 anos a diferença entre os dois anos foi apenas de 4,2 por 100.000 pessoas, e desceu para 1,7 entre os 50 e 59 anos.

Abaixo dos 40 anos, a diferença entre 2020 (ainda sem vacina) e 2021 (com vacina) é estatisticamente nula, ou seja, nem sequer chega à unidade por 100.000 habitantes. No grupo dos 20 aos 29 anos, bem como nos menores de 10 anos, tanto nos homens como nas mulheres, a diferença é mesmo zero: quer em 2020 quer em 2021, durante o mês de Dezembro (até ao dia 26) não morreu ninguém por covid-19.

Diferença de número de óbitos (por 100.000 habitantes), em Dezembro (até dia 26), entre os anos de 2020 (sem vacinas) e 2021 (com vacinas). Fontes: INE e DGS.

Se considerarmos os valores absolutos em Dezembro de 2020 e 2021, o risco de morte por covid-19 antes dos 40 anos é ínfima, para não dizer praticamente improvável, sobretudo quando comparado com o risco em idades mais velhas.

Por exemplo, no mês de Dezembro de 2021 (até ao dia 26) morreram por esta doença 70 homens com mais de 80 anos, sendo que este é um grupo constituído por cerca de 243 mil pessoas. No caso das mulheres – que são mais resistentes –, é certo que morreram em maior número absoluto neste período (99), mas também são muitas mais (cerca de 436 mil pessoas), portanto o risco relativo até foi bastante inferior ao dos homens da mesma idade.

No total, nos 26 primeiros dias de Dezembro de 2021 morreram, no conjunto, 169 idosos com mais de 80 anos, numa população de mais de 681 mil pessoas. Significa isto que, em quase um mês, se registou uma taxa de mortalidade de 0,025%. No mesmo período de 2020, a taxa foi de 0,202%. Ou seja, sem dúvida, a situação no período “com vacina” foi claramente melhor do que no período “sem vacina”.

Vamos então assumir que isto sucedeu apenas por causa da vacina, e sigamos na análise.

Se, para o mesmo período, confrontarmos então estes números dos mais idosos com, por exemplo, os adultos entre os 30 e 39 anos, já olharemos para o impacte das vacinas com outros olhos. Neste grupo de jovens adultos apenas se registaram três óbitos por covid-19 em Dezembro de 2020 (até dia 26) e no mês de Dezembro de 2021 apenas um óbito. Isto tudo num grupo constituído por cerca de 1,2 milhões de pessoas, o que dá assim uma taxa de mortalidade atribuída a covid-19 de 0,00024% em Dezembro de 2020, e de 0,00008% no mesmo período de 2021.

Foi por causa da vacinação que se passou de 0,00024% para 0.00008%? Se sim: bravo!

Não valerá muito a pena “massacrar” com os valores para os grupos etários ainda mais jovens, porque apresentar as taxas de mortalidade quer em 2020 quer em 2021 necessitaria de muitas casas decimais antes de surgir um outro algarismo que não o zero para as quantificar. Em alguns grupos etários até é zero para ambos os anos.

man standing in the middle of woods

Enfim, julgo que este exercício servirá sobretudo para uma conclusão.

Se se defende que a vacinação contra a covid-19 é o principal motivo para a descida acentuada da mortalidade dos mais idosos – e, pessoalmente, julgo que contribui, mas não é o factor único –, então dever-se-ia concluir, seguindo a mesma linha de raciocínio, não ser sequer razoável, do ponto de vista da Saúde Pública (e mesmo de protecção individual), um processo massivo de vacinação da população mais jovem.

De facto, sendo certo que há sempre vidas que se podem salvar da covid-19 – mas nos menores de 40 anos poucas serão, porque poucas estiveram efectivamente em risco mesmo antes das vacinas –, também não é menos verdade que os custos de toda a ordem para potencialmente se salvar tão poucas vidas (de jovens) não compensa. E essa ausência de benefício nada tem a ver com a desconsideração pelas vida perdidas para a covid-19. Não, não e não. Tem a ver com as vidas suplementares que se podem salvar se os investimentos financeiros para a Saúde forem reorientados para onde possam alcançar melhores resultados. Mais vidas mantidas.

Sejamos claros: vacinar ou não vacinar não é um acto “inócuo”. Estou, desta vez, a falar em Economia. E em Saúde. Vacinar massivamente tem custos enormes. Brutais. Por exemplo, se os montantes dispendidos nos programas de vacinação contra a covid-19 em menores de 40 anos, em situação saudável, fossem destinadas para outras áreas da saúde em défice, garanto que se salvariam mais vidas, dar-se-iam mais anos de vida a muita gente, e de uma forma mais sustentável.

Não se está a ser demagógico, mas sim realista. Os menores de 40 anos são um grupo populacional de 4,25 milhões de pessoas, mais de 40% da população portuguesa. Quase a sua totalidade sobreviverá à covid-19 sem vacina – e aquelas que estão em risco, por comorbilidades prévias, podem e devem ser vacinadas. A vacina, para este vasto grupo, apenas constituiu uma despesa pública inútil, e nunca um investimento de protecção da vida e da promoção da Saúde Pública. Os custos de internamento por covid-19 dos menores de 40 anos são uma gota de água, porque os doentes que são internados são extremamente minoritários. Convinha, em todo o caso, o Ministério da Saúde mostrar-nos a “factura”, jogar o “jogo da transparência democrática”.

Imaginem assim que se desviava, suponhamos, o dinheiro de seis milhões de vacinas – ou seja, neste grupo etário, não se inoculavam três milhões de pessoas – para outros sectores de Saúde, desde a pediatria até à geriatria. Não estou a contabilizar a poupança em termos logísticos. O processo de vacinação, incluindo pagamentos a empresas que forneceram pessoal de enfermagem, custou muitos milhões de euros.

Deste modo, teríamos assim à “disposição”, assumindo um preço de 20 euros por dose, pelo menos 120 milhões de euros. Isto sem falar em doses de reforço. Que “milagres” se poderiam concretizar com 120 milhões de euros no sector da Saúde?

Talvez dar médicos de família a muita gente que ainda não tem. Talvez reforçar os exames e cirurgias que deixaram de se realizar durante a pandemia. Talvez humanizar mais os lares de idosos. Talvez abandonar as políticas discriminatórias e de aberrante autoritarismo que envergonham a Democracia. Talvez decidir que, afinal, o Michael Phelps não precisa de bóia para entrar na piscina. Talvez começar a pensar com racionalidade. Talvez viver sem pânico.

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