Tenho um lema de vida que raramente me desilude – e que, aliás, se mostra relativamente simples, tanto que pode ser levado à prática por qualquer cidadão menos dado a “bandeiras da vida”: ler o Henrique Raposo no Expresso e fazer o contrário.
Tal como as gaivotas em terra anunciam tempestade no mar, as crónicas do Raposo anunciam um jovem arquitecto Saraiva em potência.
Não falha, por uma vez que seja, esta teoria. Ao fim de quatro frases escritas pelo Henrique Raposo, penso como será o seu contrário, e de imediato dou com o senso comum. É maravilhoso.
Desta vez, juntando-se ao coro do momento, o Henrique questionou como seria possível que os artistas portugueses continuassem a actuar na
Desta vez, juntando-se ao coro do momento, o Henrique questionou como seria possível que os artistas portugueses continuassem a actuar na “Festa do Putin”, nome por ele atribuído à Festa do Avante.
“Festa do Putin”, nome por ele atribuído à Festa do Avante.
Há aqui dois pontos interessantes para análise.
Primeiro, o Avante deixou de ser, desde 2020 pelo menos, um evento que marca a reentré política em Setembro, para passar a ser tópico de discussão entre Maio e o Outono. Ou porque em 2020 e 2021 era um sítio óptimo para apanhar covid-19, ou, em 2022, porque passou a ser a Festa do Putin.
O segundo ponto de análise é que, certo como o destino, quem por norma tenta boicotar o Avante com acusações de apoio a ditaduras, faz, ele próprio, a política de cancelamento e quer promover a anti-democrática censura.
Eu acho isto bastante interessante. O conceito de democracia feito à medida das nossas necessidades.
Mas atenção especial ao ligeiro toque a hipocrisia nas narrativas escolhidas.
Durante anos, longos anos, a União Europeia fez todo o tipo de negócios com a oligarquia russa. A Alemanha, por exemplo, motor europeu, escolheu ser parceira no sector energético enquanto lhes vendiam armas. Quem não se lembra do nosso Sócrates a fazer jogging na Praça Vermelha? Ou do nosso Paulinho das Feiras (Portas) a vender Vistos Gold para cidadãos russos? Ou até, do nosso Cotrim de Figueiredo, presidente do Turismo de Portugal nos idos de 2014, a anunciar a aposta no mercado russo e na atracção de rublos, enquanto o Donbass era invadido por separatistas apoiados por Putin?
Mas… o PCP é que apoia Putin.
Adivinhem lá, quem é que foi contra os Vistos Gold em 2012 – quando PSD/CDS os criaram – e voltou a pedir o seu fim em 2022? Acertaram! Foi o tal PCP, aquele que dizem que apoia Putin, mas não queria dar borlas a cidadãos russos, dois anos antes da invasão do leste ucraniano. Isto há coincidências…
O centrão político português, e alguma direita, andaram com o regime de Putin ao colo. Tal como todos os países da União Europeia. Ou tinham interesse em receber gás e petróleo, ou queriam investimento russo nas suas cidades ou, em última análise, procuravam charters de russos no Verão junto às suas praias.
Durante esse período o regime de Putin calou os chechenos, roubou a Ossétia e Abecássia à Geórgia, invadiu a Crimeia e o Donbass. Ninguém quis saber, business as usual.
Acordaram todos em 2022, a tempo do Avante. Podia ser pior.
Ontem vi Vitorino Salomé a ser interrogado na SIC Notícias pelo “crime” de ir actuar na Festa. A jornalista tentou fazer a mesma pergunta de 10 maneiras diferentes. Vitorino não abanou e disse-lhe: “O Avante sempre esteve aberto a todas as correntes. Eu penso pela minha cabeça, eu sou o meu próprio comité central”.
Mas a moda está lançada. Passou por Dino Santiago, seguem-se as declarações dos Mão Morta e as ameaças à cantora brasileira Bia Ferreira. Tudo em nome da verdadeira democracia e da liberdade de expressão, como se compreenderá.
Depois de embarcar no coro anti-Avante – a tendência da semana –, Henrique Raposo presenteia-nos, portanto, com mais uma brilhante crónica, agora sobre a varíola dos macacos. Diz o vate que, para nos protegermos, devemos afirmar que é uma doença de homossexuais, ou, “paneleirices lá deles” como queria escrever, mas o editor do Expresso não deve ter deixado.
Não falha o Henrique. Nunca. Raposo para um lado, bom senso para o outro.
Tiago Franco é engenheiro de desenvolvimento na EcarX (Suécia)
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