O trabalho está a dar-me gastura. Não sei bem o que significa esta palavra, mas a minha avó, sempre que a usava, franzia os olhos e massajava a barriga para ilustrar. Sei sim que é mais ou menos a sensação que tenho quando penso na minha equipa da “apanha da azeitona”.
Estimo que 75% é formada por pessoas que gerem cenas e organizam coisas; os outros 25% são aqueles que fazem, de facto, essas coisas. Somos quatro. Eu tenho gastura, portanto. Deixo as contas para os Antunes desta vida.
Penso muito naquela imagem das obras, com nove gajos em redor do buraco a olhar e dar indicações e um outro com a picareta nas mãos a bulir. Mas, enfim, menos queixume, porque sou eu que me meto nestes comboios.
A parte que realmente quero trazer para aqui é que isto: do ponto de vista de gestão, tudo isto é uma péssima utilização de recursos. Gasta-se dinheiro a mais e produz-se a menos. Contudo, como é investimento privado (e chinês, já agora) ninguém está interessado em poupanças. Por mim, tudo bem, que não sou de grandes complicações. Desde que a Pelosi deixe de chatear e a China não tenha que investir em canhões de longo alcance, em princípio, os outros 75% da minha equipa podem continuar a esfregar a micose nos PowerPoint.
Agora, com o Sérgio Figueiredo, já não é bem assim.
Hiiiiii… cá ganda volta foste dar migaaaaa!!
Exacto. Eu não gosto de ir directo ao assunto, e umas flores no ramalhete nunca ficaram mal.
O Sérgio Figueiredo é o novo ofendido da Praça Pública, e, por isso mesmo, defendeu-se com um longo texto no Jornal de Negócios, anunciando que desistia do contrato de consultoria arranjado com o Medina para o Ministério das Finanças.
E porque pia mais fino o enredo do Sérgio, quando comparado com o desperdício dos meus amigos chineses? Por causa dos mercados, fiéis amigos, para o bem e para o mal. O Sérgio não estava inserido neles, seria pago com dinheiro público e, portanto, está sujeito ao escrutínio dos pobres.
A prosa de defesa, feita pelo próprio, é retirada de uma minuta disponível em todas as Secretarias de Estado e arquivada nos servidores do Governo dentro da pasta “se fores apanhado, usa esta”.
Começa com “não aguento mais as calúnias, acusações e difamações”; continua com “blá, blá, blá“; pelo meio há sempre um “injustiças e poderes instalados”; e termina-se com “por isso abdico” e “na defesa do meu bom nome”. Assina-se. E está feito.
O Ministério das Finanças anunciou a contratação de Sérgio Figueiredo para a função de consultor na área da avaliação das políticas públicas, com um salário de 140 mil euros por dois anos de contrato. Cerca de 5.800 euros por mês, mais do que o salário do próprio ministro.
Como o Governo já tinha criado um centro de competências para as políticas públicas (chamado PlanApp), o pagode ficou ligeiramente desconfiado de Medina contratar um consultor, durante dois anos, e dar-lhe um salário de piloto, para fazer essencialmente o que um centro inteiro já fazia.
Claro que, a partir daqui, o Ministério das Finanças apressou-se a justificar a diferença de trabalho que Sérgio, jornalista de carreira sem experiência em políticas públicas, faria, quando comparado com os demais ocupantes desses lugares no PlanApp. Aparentemente, ou melhor, alegadamente, não faria nada porque não percebia da poda.
E foi aí que a pobretada que sabe ler se indignou e pensou: “tu queres ver que isto é o Medina a pagar favores pelo palanque que teve na TVI?”
O barulho ficou ensurdecedor e o desgraçado do Sérgio lá teve que abdicar do cargo, mostrando ao mundo aquela ponta de dignidade só ao alcance dos ilustres que são apanhados entre maroscas colossais.
Isto vai um pouco na linha do turista espacial, que nos pedia orgulho por ter feito uma excursão de luxo enquanto carpia por 40 milhões de euros de ajuda ao erário público, e que depois, também ofendido, lá acabou por desistir de nos sugar mais uns cobres.
Sebastian Maniscalco, um comediante que aprecio, dizia um dia sobre a nova moda em Hollywood com os centros de reabilitação para homens viciados em sexo: “não existem viciados nesses sítios, só maridos que foram apanhados”.
De cada vez que um Sérgio ficar ofendido e largar a teta do erário público, nós, sociedade civil, cumprimos o nosso papel.
Mas aquilo que me continua a aborrecer, e fazer pensar, enquanto agarro na minha picareta, são os milhares de Sérgios que vão passando entre os pingos da chuva.
Tiago Franco é engenheiro de desenvolvimento na EcarX (Suécia)
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