VISTO DE FORA

Suécia: os frios ventos da mudança

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por Tiago Franco // Setembro 15, 2022


Categoria: Opinião

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No momento em que escrevia ainda se contavam os votos das eleições que ocorreram no passado domingo, para o Parlamento sueco. Os dois blocos que podem formar governo estavam separados por 0.7%. Em concreto, por um lado, 49% para a “geringonça” formada por socialistas, comunistas, verdes e centristas; e, por outro, 49.7% para a aliança de direita formada pelos moderados (o mais parecido com o PSD sueco) liberais, democratas-cristãos e democratas suecos (o Chega local).

Até ver apenas três partidos ganharam votos relativamente às últimas eleições: socialistas, verdes e nacionalistas, sendo que estes últimos, com uma forte campanha contra os emigrantes, passaram a ser a segunda força política no Parlamento sueco.

aurora borealis over body of water during nighttime

Toda a discussão em torno dos emigrantes é interessante, mas deixá-la-ei para outro texto, depois de ver a constituição do Governo. Aquilo que, de facto, me intriga nesta retórica da emigração são os números.  Na Suécia, como em Portugal, o saldo de emigrantes que contribuem para o país com impostos é esmagador, quando comparado com os que beneficiam das ajudas.

Ainda assim, lá como cá, a narrativa de que “vivem à nossa conta” vai rendendo dividendos. Seria até interessante que deixassem a Suécia apenas recheada de louros. Gostava de ter dedos para contar as falências no dia em que os dois milhões de emigrantes e descendentes arrumassem a trouxa.

Há ainda assim uma saturação da população com o actual estado de coisas. Isso parece-me óbvio. Julgo que não será pelo comportamento do Governo durante a pandemia, onde foi, provavelmente, o melhor e o que mais respeitou as liberdades individuais em toda a Europa.

Mas as repetidas crises de refugiados parecem ter deixado marca. A Suécia ainda não aluga terreno no Ruanda para enviar para lá os desesperados que fogem das guerras (como faz por exemplo a vizinha Dinamarca), mas as portas vão-se, lentamente, fechando.

Resultados das eleições legislativas às 12:00 horas de hoje. Fonte: Aftonbladet.

Um em cada cinco eleitores votou no partido que anunciou no Twitter que a próxima paragem da comunidade afegã seria Cabul. E apenas com bilhete de ida.

Os liberais anunciaram que queriam as ruas livres de islâmicos e até os moderados (PSD), entraram no ataque racista na tentativa de captarem alguns votos à extrema-direita.

Como a cópia nunca é melhor que o original, acabaram por contribuir para a subida dos nacionalistas. Aliás, em todo este processo há vários pontos de contacto com Portugal. Ulf Kristersson, líder dos moderados comprometeu-se em 2019, aquando de uma visita a uma sobrevivente do Holocausto, a nunca colaborar com os nacionalistas.

Agora, sendo imperativa a sua presença para que a direita seja governo, apressa-se a discutir pastas e alianças com Jimmy Åkesson, o André Ventura lá do burgo. Parece uma repetição dos Açores com as contradições de Rui Rio, de então, a serem agora refletidas na governação sueca.

Os socialistas foram o partido mais votado com os comunistas a aparecerem com a quarta força. Democratas-cristãos e liberais aparecem, respectivamente, em sexto e sétimo.

Não me sinto particularmente confortável que 20% da população vote num partido que persegue etnias, raças ou credos, mas fico ainda mais perplexo com a incoerência do povo. Há pouco mais de dois meses, metade da população disse que queria entrar na NATO por receio da Rússia de Putin. Agora votam em massa num partido simpatizante com a política do nosso Vladimir, um dos vários que, de Budapeste a Varsóvia, passando por Paris e Roma, ali encontraram um parceiro.

À direita há a promessa de baixar impostos e, claro, reduzir o Estado Social. Esse mesmo que faz da Suécia o primeiríssimo Mundo onde ninguém morre à porta de um hospital ou adormece na rua. O sítio onde a progressividade dos impostos não se destina a parcerias público-privadas (PPPs), a bancos ou a estradas sem fim, mas sim a educação universal e ajuda à população.

Na Suécia recebemos o que pagamos em impostos. Tudo. Da creche à universidade, da Segurança Social ao desemprego. Até quando, é o que nos falta descobrir.

Tiago Franco é engenheiro de desenvolvimento na EcarX (Suécia)


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