Hoje, o PÁGINA UM revelou que alguns milhares de pessoas que deram entrada nas urgências hospitalares com problemas cardíacos acabaram rotulados como doentes-covid, sendo que, nos casos de desfechos fatais, foram considerados oficialmente como vítimas da pandemia.
Esta denúncia, quantificada, foi completamente ignorada pela imprensa mainstream, tal como os outros casos que o PÁGINA UM tem vindo, paulatinamente, a desvendar, assentes em dados oficiais nunca divulgados pelas autoridades de Saúde. Não é por acaso que tal sucede.
Toda a gestão da crise pandémica em Portugal e no Mundo se tem baseado na promoção do medo e no controlo da informação, com a qual a comunicação social mainstream – dependente cada vez mais dos poderes políticos para sobreviver financeiramente – tem pactuado. Mais papista do que o Papa, os jornalistas mainstream fomentam esse pânico ad nauseam.
A recente morte de uma criança de seis anos no Hospital de Santa Maria é reveladora deste contributo nojento – já não há outra expressão justa – da comunicação social tradicional.
Note-se: a criança faleceu no domingo, dia 16, num quadro de crise cardíaca fulminante, e segundo as informações do Centro Hospitalar Universitário de Lisboa Norte chegara no dia anterior às urgências “com um quadro de paragem cardiorrespiratória”. Foi-lhe feito um teste à covid-19, que deu positivo, e sabe-se ainda que tinha tomado uma dose da vacina da Pfizer.
Entretanto, e apesar de contrariar as suas normas até há pouco seguidas, a Direcção-Geral da Saúde (DGS) acabou por não incluir esse óbito nas estatísticas da covid-19. Porém, isso já pouco interessa para a comunicação social mainstream. Nenhuma refere que a DGS não incluiu essa morte nas estatísticas; ao invés, dá a ideia de que tal sucedeu.
Com efeito, para a generalidade da imprensa, os títulos remetem para uma criança que morreu “com covid-19” ou “infectada com covid-19”, como se pode observar nas notícias da Rádio Renascença, Diário de Notícias, Jornal I, Sábado ou CNN Portugal. Alguns órgãos de comunicação social não titulam dessa forma, mas enviesam a informação, orientando os leitores para entenderem a morte como tendo sido causada pela covid-19, e não pela vacina.
Que devia, nestas circunstâncias, fazer um verdadeiro jornalista, um que não queira ser pé de microfone ou de servir uma narrativa oficial?
Assumir, primeiro, que ninguém sabe ainda qual a causa. Na verdade, nas actuais circunstâncias, um teste positivo nada diz, nem a toma de uma dose de vacina nada diz. Porém, há muito trabalho que um verdadeiro jornalista pode e deve fazer.
Deve, primeiro, saber que o papel da comunicação social, na sua função mais nobre, é sobretudo questionar, investigar, obrigar que as autoridades de Saúde sejam mais transparentes, que justifiquem acções e clarifiquem aspectos fundamentais da gestão da pandemia.
Isso não está a ser feito, intencionalmente, e por responsabilidade das direcções editoriais e de jornalistas mansos.
A função da comunicação social nunca pode ser de promoção do medo nem de orientar a população. Deveria fazer corar de vergonha uma sociedade de um país democrático saber que 92,2% dos jornalistas confessaram que, durante uma crise sanitária, tiveram “uma preocupação permanente em orientar comportamentos”, assumindo que fizeram isso “através do próprio agendamento noticioso”, conforme revelou um estudo da Universidade do Minho.
Não, meus senhores. Não, minhas senhoras. Não, meus camaradas jornalistas. Aquilo que se tem andado a fazer, aquilo que vocês têm andado a fazer, não é jornalismo.
Vocês, para fazerem verdadeiro jornalismo, têm de fazer mais e melhor. Têm de questionar. Têm de exigir transparência. Têm de denunciar. Têm de, com mais questões, com mais transparência, com mais denúncias, pugnar por uma sociedade mais democrática. De contrário, ganham o vosso salário, mas não cumprem a vossa função.
Eu não desejo ensinar ninguém, apenas mostrar como trabalho no actual ambiente de falta de transparência e dificuldades de acesso à informação. E isto como outsider num ambiente onde questionar a narrativa oficial facilmente é um passaporte para o ostracismo e um bilhete para perseguição e assassinato de carácter, mesmo entre os pares.
Vamos ao exemplo da malograda criança de seis anos.
Para saber se uma morte deste género é coisa rara, eu conseguia apurar facilmente, até há poucas semanas, quantas crianças morriam de ataque cardíaco por ano, através da Plataforma da Mortalidade. Conhecer isso permitiria enquadrar este recente infeliz evento no seu devido contexto.
Porém, a doutora Graça Freitas tratou, entretanto, de eliminar este site dos olhos dos incómodos jornalistas e cidadãos. O site eclipsou-se na última semana. Alguém, além do PÁGINA UM, denunciou isto? Ou denunciou o “apagão” da informação diária sobre a pandemia, dos suicídios no Sistema de Informação dos Certificados de Óbitos (SICO) ou dos relatórios da Task Force de Ciências Comportamentais? Não me consta.
Mas, além de denunciar estas situações de falta de transparência de uma funcionária pública – é isso que a doutora Graça Freitas é, e deve ser tratada como tal –, que está ao serviço de um Governo, um verdadeiro jornalista deve saber lutar e contornar o obscurantismo. Deveriam saber os jornalistas, por exemplo, pesquisar na labiríntica base de dados do Instituto Nacional de Estatística, para aí descobrirem alternativas a alguma informação escondida pela DGS.
Se se dessem ao trabalho – ou soubessem pesquisar –, talvez assim ficassem a conhecer que as doenças isquémicas do coração – aparentemente a causa de morte da criança no Hospital de Santa Maria – é algo muito raro, para não dizer de probabilidade remota. Tanto assim que desde 2015 até 2019 não há qualquer óbito registado em menores de nove anos. Algum jornalista mainstream fez isto? Não me consta.
Mas um verdadeiro jornalista deveria fazer mais. Tem de fazer mais. Devia pressionar o Infarmed – que parece mais preocupado em patrocinar cursos de Pós-Graduação em Comunicação e Marketing na Indústria Farmacêutica do que em revelar informação sensível sobre fármacos – para disponibilizar o acesso às bases de dados de farmacovigilância. Até agora, os jornalistas mainstream têm-se satisfeito com relatórios simplistas feitos à medida de adolescentes do secundário.
Que eu saiba, o PÁGINA UM foi o único órgão de comunicação social que solicitou acesso para dois casos em concreto: vacinas contra a covid-19 e para o remdesivir, fármaco da Gilead. Aliás, se houvesse mais jornalistas, por certo o presidente do Infarmed, Rui Santos Ivo, não acharia que poderia ignorar olimpicamente essas solicitações. Diga-se, de passagem, que já seguiram duas queixas para a Comissão de Acesso aos Documentos Administrativos. Algum outro jornalista mainstream fez isto? Não me consta.
Enfim, por vezes, questiono-me como muitos jornalistas conseguem dormir de consciência tranquila. Eu tenho dormido. E acordo, no dia seguinte, pronto para questionar mais. Para informar melhor.