SAÚDE MENTAL

Pandemia tornou enfermeiros mais hipocondríacos

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por Maria Afonso Peixoto // Janeiro 25, 2022


Categoria: Exame

Temas: Saúde

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A resiliência é uma das melhores características dos enfermeiros, mas o medo das doenças também os atinge. Um estudo minucioso num hospital iraniano avaliou a sua saúde mental durante a pandemia, e apurou que oito em cada 10 enfermeiros desenvolveram algum grau de hipocondria. Em Portugal, a bastonária da Ordem dos Enfermeiros confirma que a saúde mental destes profissionais está mais fragilizada.


Como soldados numa frente de guerra, as enfermeiras e enfermeiros estiveram na linha da frente nos hospitais durante a pandemia. Uns mostraram-se resistentes heróis, mas outros também soçobraram e ficaram até hipocondríacos. Um estudo realizado no hospital iraniano de Hazrat Ali Asghar, e publicado na revista BMC Nursing em Novembro passado, avaliou o impacte da avalanche de desafios no pessoal de enfermagem: elevadas cargas horárias, constantes mudanças de protocolos, fadiga e, em muitos casos, um isolamento forçado do seu núcleo familiar, devido ao receio de os infectar.

Em situações normais, já se sabia que estes profissionais de saúde estavam mais susceptíveis a sofrer stress, problemas mentais e até hipocondria, mas confirmou-se agora que essa propensão piorou na gestão da covid-19.

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O estudo baseou-se num inquérito a 312 enfermeiros de um hospital de referência no tratamento desta doença, dividido em três partes. A primeira centrava-se nas características pessoais dos enfermeiros, a segunda aferia o seu nível de resiliência e, por fim, a terceira tentava apurar o grau de hipocondria. Para esta última fase foram criados cinco grupos: saudável (sem qualquer hipocondria), hipocondria ambígua (borderline), ligeira, moderada e severa.

Para surpresa dos investigadores, os valores da hipocondria atingiram níveis elevadíssimos: oito em cada 10 enfermeiros (81,4%) estavam com receio de se infectar, sendo que em mais de metade dos casos esse medo era moderado. De acordo com outras avaliações similares antes da pandemia, citadas pelos investigadores do estudo, os níveis de hipocondria andavam, em geral, entre os 18% e os 45%.

Por outro lado, e associado à hipocondria, o nível médio de resiliência já se revelou moderado. A capacidade de ser resiliente pode definir-se pelo grau de adaptabilidade e flexibilidade perante situações adversas e de crise.

Neste aspecto, cerca de metade dos enfermeiros mostrou níveis razoáveis de resiliência. A confiança nos instintos individuais, o nível de instrução, a adaptação à mudança, o sexo, a intensidade de trabalho e até a espiritualidade foram considerados pelos investigadores os factores determinantes para uma maior ou menor resiliência.

Os enfermeiros mais espirituais detinham, por outro lado, duas a seis vezes menor probabilidade de sofrer de doenças mentais. Já as enfermeiras apresentaram uma maior propensão para a hipocondria. Os investigadores referem que esse facto pode dever-se às dificuldades acrescidas das mulheres em conjugar as responsabilidades do lar e do cuidado dos filhos com o trabalho.

A pressão e a intensidade também se mostraram relevantes. Os enfermeiros com mais de 20 turnos por mês – que perfaziam 45% do total – e com mais de três pacientes ao seu cuidado, registaram uma menor resiliência e maiores sinais de hipocondria. Mais trabalho e menos tempo com a família foram causas apontadas pelos investigadores para a deterioração do estado mental e emocional.

Ana Rita Cavaco, bastonária da Ordem dos Enfermeiros.

Outro elemento digno de nota foi o nível de educação. Os enfermeiros com mestrado (cerca de 11%) apresentaram níveis mais baixos de hipocondria do que os licenciados. Com frequência, os cargos mais elevados – como de chefes ou supervisores – são ocupados pelos mais instruídos, e assim o facto de esses enfermeiros terem menor contacto directo com doentes pode ter contribuído para um menor stress. Além disso, de acordo com os investigadores, os seus salários mais elevados terão feito sentirem-se mais seguros, aumentando a sua resiliência.

Por fim, a idade e a experiência também pareceram ser preponderantes. Os enfermeiros mais velhos, e com carreiras mais longas, revelaram maior capacidade de lidar com trabalhos mais complexos. Em todo o caso, em termos globais, o impacte da pandemia atingiu a maioria das equipas de enfermagem, uma vez que os jovens, mais propensos à hipocondria, eram o grupo maioritário neste hospital. Com efeito, a maioria tinha menos de trinta anos.

Em declarações ao PÁGINA UM, a bastonária da Ordem dos Enfermeiros, Ana Rita Cavaco, diz que o tema da hipocondria entre a classe nunca “veio à baila” durante a pandemia, mas admite que a saúde mental destes profissionais, sendo já habitualmente frágil, se agravou durante a crise sanitária.

Segundo Ana Rita Cavaco, antes da pandemia, “um em cada cinco enfermeiros estavam a trabalhar em esgotamento (burnout) e dois terços com grande stress“, situação que se agudizou em 2020. “Os nossos enfermeiros foram os mais expostos, estiveram muito próximos dos doentes”, salienta a bastonária, relevando também as condições económicas e de condições de trabalho que levaram mais de dois mil enfermeiros portugueses a emigrarem nos últimos dois anos.

Texto editado por Pedro Almeida Vieira

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