High plain drifter (1973) – em português, Os pistoleiros do diabo – e Pale Rider (1985) – em português, O justiceiro solitário –, dois filmes realizados por Clint Eastwood, têm, em comum com Shane (1953), de Georges Stevens, o grande campo de sentido em torno do qual as histórias giram: a chegada a um povoado quase isolado, geograficamente, e em crise social, de um herói enigmático e solitário – e a acção desse recém-chegado pela reposição da ordem, assente em valores transcendentes e míticos, relacionados com o para lá do horizonte que as montanhas circundantes traçam.
A sequência da chegada do cavaleiro solitário, em Pale Rider (1985), depois do ataque da trupe de sicários do banqueiro, grande proprietário dos terrenos auríferos, contra o acampamento dos garimpeiros vivendo na precaridade, é a que mais lembra, ou evoca (levando mesmo a pensar numa citação), o filme de George Stevens, Shane (1953).
Não é inicial, mas, sucedendo-se à cavalgada em grande parte filmada em picado, dos homens de mão de LaHood, compósito bando de “semi-mão-de-obra mineira”, “semi-malfeitores armados”, fica mais marcada toda a sua imponência de cavaleiro solitário, descendo pelas faldas, com destaque para a montanha que surge como o gigantesco limite de horizonte, ocultando todo o para lá da sua impositiva presença. Esta descida de uma altura que parece tocar o céu, opõe-se à anterior cavalgada dos malditos, que saem de uma floresta, vistos em plano geral, do alto, num ângulo a aproximar-se do picado, como se saíssem de uma caverna infernal.
E isso é tanto mais evidente quanto a posição da câmara que acompanha o cavaleiro em traveling lateral ou de recuo, com pequenas variações focais, ora o apanha na posição angular horizontal, em planos médios e de conjunto ou, por vezes, em ligeiro contra picado: o ponto de vista da câmara situa-se, aparentemente, num nível inferior da encosta de onde o seu “olho”, a objectiva, em grande angular aberta para o limite do infinito, a montanha, capta o conjunto do cavaleiro, cavalo e porção da terra e da vegetação próxima do seu ponto de percurso e, por vezes, como que em pano de fundo, os pontos mais altos da falda estruturando um horizonte fechado, fazendo, por vezes, um pequeno recuo para acompanhar, de frente, o avanço do cavaleiro, outras, o plano médio é em ligeiro picado, com a câmara imóvel enquadrando o cavaleiro na sua movimentação para um destino, mirando-o por detrás, enquanto ele se encaminha para onde as palavras da adolescente clamando por auxílio, em salmo, parecem convocá-lo.
O efeito dominante é, assim, o da pressuposição de um para lá dos picos, de um além de onde o cavaleiro desce, vislumbrados por efeito de uma forte iluminação, em que cavaleiro e cavalo já cobrem uma boa parte do horizonte e as faldas parecem um pano fundo próximo em que se enquadra, para acorrer à “chamada”. Fica bem patente como, a propósito do “cinema de Hollywood, e no western em particular, se pode dizer que o cenário da montanha funciona como um substituto da religião, um modo de introduzir uma dimensão espiritual secular” (Buscomb, 1998: 118) que pode articula-se, ou comunicar, com as regiões celestes.
A montagem pode ser entendida como simples construção de uma continuidade: primeiro aconteceu uma coisa, o ataque aos prospectores pobres, garimpeiros, na terminologia da actividade de prospecção artesanal, que se opunha à mais elaborada e de dimensão industrializante que os LaHood praticavam; depois, a oração da jovem Megan[1], quando enterra o cão que os assaltantes abateram, na sua bestial crueldade. A temporalidade, durante a prece, aparenta ser só marcada pela captação do passo do andamento do cavaleiro, em galope lento, e o salmo que Megan recita em montagem alternada: plano do cavaleiro/plano de Megan ajoelhada, alternando-se várias vezes, em repetição de imagens; o que tanto apela à sugestão de alternância de duas cenas ocorridas ao mesmo tempo, em lugares distantes; como de paralelismo, criando um plano transcendente, no qual, ao pedido de ajuda de Megan, se dá a aproximação de alguém que se sugere ser seu aliado ou adjuvante. Assim, a cavalgada do solitário responde à outra, colectiva, do bando, em paralelo, pela similaridade de movimentos para um destino, e pelas contrastivas diferenças em antíteses. Por outro lado, liga-se, num paralelismo modal e aspectualmente profético, à prece da ofendida, embora possa ter com esta uma simultaneidade temporal. O encontro apresenta-se como consequência, pelo menos na dimensão da justiça transcendente, em relação ao grupo de pistoleiros e como prolepse, em atendimento da prece, no que diz respeito ao encontro a realizar-se com a jovem em busca de proteção.
Comparando esta aproximação com a que Stevens apresenta no seu filme, já acima referido, diz-nos Fran Benavente:
“Megan (Sydney Peny) a adolescente protagonista do filme, que ocupa a posição equivalente a Joe Starrett de Shane, caminha por um bosque brumoso que apenas deixa passar alguns raios e luz. Leva o cadáver do seu cãozinho nos braços. […] Do percurso em senda algo misteriosa, passamos para as mãos da rapariga, que acaba de enterrar o animal. […] O imaginário da tumba manifesta-se.A rapariga coloca um tronco de árvore como se fosse uma cruz, e inicia uma oração que assinala a falta, o vazio, que reclama uma presença. «Nas lendas orientais a cruz é a ponte ou a escada pela qual os homens sobem até deus (…); situa-se no ‘centro do mundo’ é a encruzilhada entre o céu, a terra, e o inferno» escreve Mircea, Eliade (Tratado de história de las religiones. Madrid: Ediciones Cristandade, 2000, p. 429)./ Fala-se de milagre, Em seguida, o anelo, em forma de oração, desloca-se pela montagem, como um eco que ressoa nas paragens montanhosas. A oração sobre a tumba invoca uma imagem que aparece de forma evanescente, por encadeamento, como resposta à palavra formulada. A imagem do herói, ainda precária, ainda não se materializou completamente. Tal não acontecerá até que a oração termine. O «predicador» surge da paisagem; […] fantasma conjurado do próprio lugar do sepulcro, de onde jazem os mortos” (2017: 300).
Os encontros processam-se numa ordem que dá primazia ao plano da factualidade mais banal, ou seja, primeiro, como qualquer viajante que vem de longe, o recém chegado dirige-se à cidade onde se depara com o garimpeiro Hull, e alguns membros do bando de LaHood e, só mais tarde, ao visitar o acampamento, a convite de Hull, encontrará Megan cuja oração, como vimos acima, parece tê-lo chamado.
De facto, a vinda do cavaleiro enigmático, parece ser convocada pelas preces da jovem habitante da aldeia de prospectores humildes, numa montagem que não só sublinha a simultaneidade de aparição do ginete com a enunciação da prece, mostrando, ora Megan, ora o cavaleiro, como torna essa junção simbolicamente significativa, pois da parte mais longínqua do horizonte, em imagens que alternam com as duas séries anteriores, surgem as imagens luminosas do céu, cerrado de nuvens, antecedendo a chegada do cavaleiro[2].
Depois do ataque ao acampamento quando Hull se dirige à cidade mineira para obter as coisas que faziam falta no acampamento, inclusivamente em resultado do assalto, quatro membros do bando que invadira a aldeia mineira, atacaram-no com cabos de machado em exposição na loja do retalhista. Para surpresa de todos, intervenientes e espectadores, é salvo pela intervenção do cavaleiro que usa um quinto cabo, disposto na entrada do armazém, para travar os atacantes. Como reconhecimento Hull convida o desconhecido para jantar em sua casa.
Quando se aproximam, a sua namorada, Sarah Wheeler, com quem coabita, numa relação a que poderíamos chamar pré-marital, escuta Megan, a sua filha, que lia, em voz alta, o livro bíblico do “Apocalipse”, também chamado “Livro da Revelação”. No momento em que ela pronuncia a visão do que continha o quarto selo — “And I looked, and behold a pale horse: and his name that sat on him was Death, and Hell followed with him” (Book of Revelation, chapter 6, verse 8; King James Version – KJV)[3] — o cavaleiro misterioso, que nunca terá nome, aparece, sobre o seu cavalo, no enquadramento da janela perto da qual ela lê.
“[…] Uma força, um certo desejo, atrai Sarah do exterior; olha pela janela esperando um advento. A rapariga acaba a sua leitura no momento em que a sua mãe se chega à janela, atraída por aquele que está a chegar. […] No umbral [que forma a janela] aparece a figura do forasteiro como resposta à frase bíblica, recém pronunciada, . Dessa forma se aquilata o universo mortuório que acompanha o herói, o qual é designado directamente como «a morte»” (Benavente, 2017: 301).
Quando o desconhecido muda de roupa, no quarto de Hull, este verifica que ele tem nas costas a marca de vários tiros, rodeando a região vitalmente vulnerável do pulmão e do coração. Aquele homem tinha, de facto, os indícios de poder “ter sido morto”, mas não dá explicações sobre isso ao anfitrião. Quem não o toma por aparição, mais ou menos numinosa, é Sarah. Antes o olha com uma admiração, misto de fascinada e temerosa, e, a entendê-lo dentro dos modelos bíblicos, podíamos ver o seu encontro, já antecedido por todo o simbolismo que envolveu a sua imagem e a sua chegada, como uma derivação do “Cântico do cânticos”[4], expressão, neste caso, do seu desejo carnal.
Mesmo quando o vê um pouco depois, encontrando-se ele já lavado e envergando nova roupa, da qual fazia parte um colarinho de padre, ou pregador, ela aceita-o e venera-o como representante de uma igreja (Preacher, epíteto que passa a ter o valor de seu nome próprio), mas mantém sempre um olhar eroticamente interessado sobre ele. Facto muito parecido com o que ocorre com a sua filha, ainda que, nesta, tudo tenha uma tonalidade mais mística, ou talvez, ingénua ou infantil.
Na sua tentativa de estudar a Bíblia do ponto de vista do crítico literário, Northrop Frye, ao procura apresentar o modo como os seus “elementos ergueram um enquadramento imaginativo - um universo mitológico, como eu lhe chamo – dentro do qual a literatura Ocidental operou até ao século XVIII e continua, em laga escala, a operar ainda” (Freye, 1983: XI), abre-nos um campo teórico de indagações que, como acabámos de ver nos parágrafos anteriores, tem um forte halo de intensificação semântica no cinema e, em particular, no western, até finais do século XX. Tal como manteve na literatura ocidental, pelo menos até meados do século passado. Facto que nos é dado a ver em obras como as de Faulkner, de Dostoievsky ou de Martin du Gard (para dar exemplos alargados a toda a literatura Ocidental), mesmo quando a descrença generalizada numa ordem regida por uma transcendência divina se manifestava em representações que dramatizam essa perda mais ou menos, ou não a dramatizam de todo. Algumas obras de Steinbeck, como The Grapes of Wrath (As Vinhas da Ira cf. Apocalipse 14: 19-20) e In Dubious Battle, (Luta Incerta), cujos próprios títulos evocam esse enquadramento mito-ideológico, desde o texto antigo até ao elementos simbólicos e narrativos que são retomados em Paradise Lost de Milton no século XVIII[5], remetem-nos para uma presença forte desse universo mitológico na cultura americana, na qual o western se integra, ainda que a posição dos autores seja de suspeição ou de dúvida relativamente aos tópicos que constituem artigos de fé.
Um dos cronótopos mais fecundos que Bakhtine usa é o do idílio (Do grego eidýllion, «quadrinho», pelo latim idyllĭu-, «poema pastoril; idílio»), dentro do qual, por problematização da “perda”, se desenvolve, por exemplo, o romance de aprendizagem, em estreita relação com a narrativa pastoril, ou o romance regionalista. Não o é apenas, no entanto, pelo que permite circunscrever e determinar de tempo e espaço enquanto coordenadas do lugar, coordenadas intimamente ligadas às vivências assumidas como valores antropológicos e que a literatura incorpora ( “a adesão orgânica, a dedicação de uma existência a um lugar – a terra de origem – com os seus recantos, as suas montanhas, os seu vales, pradarias, ribeiras e florestas natais, a casa paterna” – Bakhtine, 1978,:367), que o conceito de idílio é produtivo. É, também, pelo seu jogo com outros cronótopos referidos por Bakhtine (o cronótopo da estrada, o do encontro) ou, por vezes, pensados a partir dos seus (como o do exílio, que podemos conjecturar, em relação de oposição, com o do idílio, projectando, sobre este, o do encontro e o da estrada) que nos encaminhamos, muitas vezes, para a construção teórica de algumas figuras caracterizadoras dos sub-géneros temáticos da literatura. (Jorge, 2010: 136)
Se recorrermos às propostas teóricas de Bakhtine, podemos dizer que a Bíblia impõe à cultura americana , com forte relevo no cinema e especial intensidade no western, a matriz de um cronótopo já de si complexo. De facto “a correlação essencial dos intercâmbios espácio-temporais” de que ele fala (Bakhtine, 78: 237) mantém uma permanente tensão entre as duas instâncias fundamentais: a espacialidade dos settelements, lugares de assentamentos coloniais, pequenos povoados em torno dos quais se desenvolvia uma comunidade, quase sempre conduzida por uma ideologia cristã, que era a sua base ética e de ordem social; e a temporalidade da deslocação, da viagem, da travessia. Os índices do tempo, revelam-se em espaços, e os espaços, são medidos e percebidos segundo o tempo.
A estrada dos pioneiros, por exemplo, tem como modelo, quase simbólico, a “pista de Oregon” com as suas caravanas, e como representação da motivação dos exploradores, a “corrida ao ouro” na Califórnia. Ambos os filmes de Eastwood estão relacionados com estas variantes do cronótopo da estrada, assim como com cronótopo do idílio, entendendo-o como aquele “em que se processa a adesão orgânica, a ligação de uma existência e dos seus acontecimentos a um lugar” e relaciona-se com o “recanto em que viveram pais e antepassados e viverão filhos e netos”. É claro que a sua junção nos dá a grande composição cronotópica do Western.
Torna-se necessário esclarecer, sobre o cronótopo do idílio que este “micromundo, se sustem a ele mesmo” e, tal como noutros universos que podem ser considerados, estes espaços, no western, “não estão ligados a outros lugares” (cf. Bakhtine, 1978: 367). Pelo menos na aparência, ou numa certa restrição de dimensão do desejável, do modelo exemplar…e é na transgressão dessa regra que os westerns do modelo de Shane, têm o valor dinâmico, e a intensidade dramática. Porque eles consubstanciam, pelo modo como valorizam um dos elementos aparentemente ausente do idílio: a estrada, como trilho, ou rota.
Reintegrando-o como nova instância, a do horizonte mítico dentro do idílio. Todos estes traços permitem delimitar, tendo em conta a importância composicional da variante, um subgénero, manifestação histórica e nacional do idílio, que é o povoado retirado do tempo histórico e que evoca, como espaço mítico, um universo exterior, de onde vêm os impulsos da mudança, e os agentes repositores da ordem. Podíamos chamar-lhe cronótopo do settelement ou dos assentamentos coloniais, opondo-o, por emparelhamento, ao que que enfatiza a pista, para a descoberta, ou a rota ou mesmo a corrida, para a ocupação ou a apropriação.[6]
Como notam alguns estudiosos da narrativa cinematográfica popular, em grande parte, aquilo a que se chamou a cinematografia, ou a filmografia da Série B, uma das tensões que surge no confronto de valores, é a que assenta na divisão entre a “cartilha” pela qual se pautam os agricultores, ou garimpeiros pobres, enfim, todos aqueles que vivem do seu trabalho, e residem nos meios rurais, e os textos de lei que servem de referência aos habitantes da cidade: embora o registo codificado comum seja a Bíblia, as fundamentações evocadas divergem. Uma outra partilha de pauta de valores assenta na que existe entre os que sobrevivem em campo aberto (o tão evocado open range, dos criadores de gado, mas também dos vaqueiros e dos fora-da-lei), nos qual se confundem os grupos que vivem laborando num relativo nomadismo.
O tipo de herói que temos aqui, prioritariamente, em consideração, a partir dos filmes de Eastwood, mas também o de Stevens, identifica-se com o grupo nómada, pelo seu modo de vida itinerante e independência relativamente a qualquer comunidade, mas assume a defesa dos valores humanos básicos (direito à vida, à liberdade, à dignidade), antes de mais, em grande parte os da LEI, a Lei vigente, emanada da sociedade civil no seu sentido mais amplo e, no limite, pratica um respeito pela transcendência religiosa, sobretudo relativamente aos princípios explícitos no discurso que dela emana (através do texto bíblico — Gospels ou Old Testament —, ou de outros discursos claramente decorrentes deste: a palavra dos padres, pregadores, entidades santificadas pelos colectivos a que pertencem). Daí o facto de estes heróis se identificarem, muitas vezes, com as entidades míticas da cavalaria celeste, presentes nos romances de cavalaria.
A marca identificadora do espaço fechado, universo com limite no horizonte, é a cadeia de montanhas, em muito equivalente e parecida com a que fecha os horizontes da região onde se movem as personagens do filme de Stevens, Shane. No seu esforço aparentemente objectivante, de extrair toda a força alegórica da realidade sensível, numa procura de referencialidade em que a “realidade se propõe de modo sempre diferente, cada vez que se apresenta à consciência dos sujeitos”, este tipo de narrativa faz variar os pontos de vista a partir dos quais “o referente” da paisagem surge, com o seu cerco de montanhas como “um «universo imaginário» uma versão singular do mundo” no fundo uma “«visão do mundo»” pela qual o “referente” ficcional, captado pela objectiva se afirma como um universo fechado como uma realidade social e física “com todos os seus horizontes possíveis, todas as perspectivas que possamos ter acerca dela, e, a partir dela, sobre o mundo” (cf. Collot, 1989: 175-176).
O filme de Stevens estrutura e fundamenta o seu horizonte histórico-cultural, sugerindo o além de onde Shane emerge e, no final, desaparece, como região mítica de quase sacralidade, aquilo que Mircia Eliade designaria por “as regiões superiores, inacessíveis ao homem, as zonas siderais,” que “adquirem os prestígios do transcendente” aonde “só chegam alguns privilegiados” e para onde “se elevam as almas dos mortos” (Eliade, 1978: 129)[7]. É preciso notar que nos dois westerns de Eastwood que aqui comentamos o justiceiro misterioso vem dessas altitudes remotas e regressa a esses espaços de ascensão, apresentando sempre certos sinais ou marcas que o ligam directamente ao mundo dos mortos, surgindo entre nós como aparições ou mesmo fantasmas.
Esse além invisível, para lá das montanhas, surge, no cinema, através do cenário ostentado pelas panorâmicas e pelos planos de conjunto com grande ou extremamente grande afastamento focal. Isso deve-se, por certo, ao facto de o género, no cinema, rejeitar, por motivos ainda hoje justificados (a dominância da matéria específica icónica, em detrimento da verbal, que tende a ser substituída por aquela – por exemplo), o discurso ético-avaliativo e argumentativo que tão bem cabe no romance, mesmo que ele tenha como matéria lendária o justiceiro do Oeste, homem mais de acção do que de palavras, de suprema rapidez a disparar. Demonstra bem essa possibilidade o parágrafos final da obra de Schaefer: “He was the man who rode into our valley out of the heart of the great glowing West and when his work was done rode back whence he had came and he was Shane” (150-151)[8]. O que o cinema traduz, na expressão de Stevens, por um longo plano de Shane, a cavalo afastando-se em direcção às montanhas, similar a e inverso plano inicial, em que se aproxima, vindo das regiões montanhosas. Assim fazem, também, os cavaleiros solitários dos dois filmes de Eastwood.
Como diz Collot, num outro texto:
“O horizonte é um limite de abertura, não uma vedação. Dá à paisagem os seus contornos e a sua aparência, mas, igualmente articula-a com o algures indeterminado; pelo que, recuando indeterminadamente, ele abre-a para o ilimitado. Se, por um lado, desenha uma fronteira, por outro lado fá-la permeável: o horizonte dá ao lugar a sua identidade, mas ele coloca-o em relação com todos os outros, e, virtualmente, com o mundo inteiro, que é o “horizonte de horizontes” (Husserl)”.
Um dos efeitos que se produzem, pelo uso poético deliberado da referência “fiel ao movimento pelo qual o mundo, a todo o momento, se pode revelar outro, para espanto dos nosso olhos” (Collot,1989: 174) é o da epifania, que significa aparição ou manifestação de algo, normalmente relacionado com o contexto do mistério ou do desconhecido e imenso ou, eventualmente, da plena transcendência, mas que, ao mesmo tempo, absorve pela força da sua presença. Por isso pode ser, igualmente, uma sensação profunda de realização, no sentido de compreender a essência das coisas[9]. Este procedimento, que foi muito caro e Joyce, elaborando a ostentação súbita e intempestiva de um objecto ou facto, apresenta-os como reveladores do que que transcende a percepção imediata dessa objectualidade, ou evoca traços emotivos e afectivos a ela ligados.
Por esse procedimento, qualquer dessas aparições era sentida como ocorrência que abre, em modos de “evidência”, um processo de inteligibilidade, a “experiência vivida” da verdade, (cf. Lyotard, 1967: 39) na sua dimensão de aletheia. Tudo se passa como que numa revelação do que está por detrás dos elementos perceptíveis, presentes como factos concretos, ou seja, no horizonte visionário que lhes diz respeito. Parece-nos evidente que este efeito de aparição (com o seu correspondente contraponto, a desaparição) resulta com muito maior facilidade no cinema do que no romance, por exemplo, embora, depois da afirmação estética e poética do cinema, muitos tenham sido os ficcionistas, como Dos Passos ou Faulkner, por exemplo, que procuraram produzir o efeito através da palavra, a partir do próprio Joyce.[10]
Como já dizíamos, a propósito do filme de Stevens, há um efeito mítico de um herói carregado dos símbolos da sua própria plenitude, emergindo da Sierra Nevada (cenário postulado, atendendo a que o universo diegético é a Califórnia, como em Shane eram as Montanhas Rochosas) e voltando a desaparecer nela, o que nos permite pensar a obra de Eastwood, tal como a do cineasta anterior, como um cruzar de todos os valores mito-poéticos da matéria relativa ao pioneirismo, e à fundação dos povoados, e os aspectos formais dos sub-géneros épico-narrativos (cf Jorge, 2005), como veremos melhor adiante.
Um aspecto que se revela em ambas as obras, de Stevens e de Eastwood, é a estruturação de uma mensagem poética em que o Oeste se valida, como mito, pela evocação de um passado a que o herói pertence – e que, por essa pertença, só se afirma plenamente como retorno potencial, ou mesmo putativamente, fantasmático. Essa característica é ténue, no filme de Stevens – ainda marcado pelo efeito de memória evocativa com os seus contornos retóricos de discurso verbal produzido pelo romance de Schaefer –, mas que emerge com toda a força nos de Eastwoood. Aspecto que se torna muito mais evidente quando destacamos High Plains Drifter (O pistoleiro do diabo) de 1973. Se acrescentarmos a este cotejo comparativo, o que resulta do confronto entre os sistemas de enunciação da narrativa, que apoia, pelo tipo de sujeito que a suporta essa dimensão mítica, a objectiva mecânica, e dos que resultam de enunciados verbais, torna-se-nos evidente que, esse mesmo dispositivo enunciativo, no filme, como já o notara o próprio Saunders, e já por nós sublinhado no referido texto sobre Shane, sofre alterações que facilitam, ou quase apelam, para as sugestões do sobrenatural e do fantasmático, pela sobrecarga de presença sensível que as suas representações, mais ou menos fantasiosas, propiciam[11].
Podemos reafirmar, com ele, que a entidade responsabilizada pelos valores éticos e epistémicos do filme é menos conotada como um Sujeito da verdade, notando que “a primeira pessoa narrativa da personagem do livro, se torna Joey” personagem dramatizada na mise-en-scène cinematográfica, o que, “no filme, dá aso a uma perspectiva mais objectiva, mas, apesar disso, vemos os eventos através dos seus olhos e os ângulos da câmara asseguram que, como ele, olhemos para cima, para Shane, em muitos momentos” (2001:14), o que nos faz vacilar relativamente à fonte mais segura do discurso positivo e esclarecedor.
Contudo, há uma mudança de quase 180º, na fundamentação e valorização ética e mito-religiosa, nos filmes de Eastwood de que vimos falando, dos heróis recém-chegados, de modo algo misterioso, sendo o seu comportamento, também, razoavelmente enigmático. Enquanto o herói de Stevens (nesse aspecto alterando mesmo, nos adereços e complementos talismânicos, o romance homónimo) é uma espécie de virtuoso cavaleiro que chega de um horizonte circundante e não domesticado, com um aparato de signos e talismãs que evocam o pioneirismo como uma missão de cavaleiro andante, vestido com um traje que lembra os cavaleiros sem mácula, dos romances de Chrétien de Troyes[12] não faltando ao seu cavalo a gigantesca malha branca que sugere, nele, as míticas qualidades de um unicórnio, perseguindo um destino com inquebrantável perseverança; os heróis que Eastwood compõe ostentam os valores da justiça virtuosa, mas segundo um aparato ético mais próximo daquilo que as igrejas bíblicas tendem a apontar como marcas do diabo.
Conviria, talvez, ver, neste, o recuperar de uma faceta do satanismo, de dimensão astral, no seu tom luciferino, em substituição do angelismo branco de que Shane está carregado. Shane pede bebidas sem álcool, no bar, ao passo que o Pregador, por exemplo, apesentando-se como tal, aceita bebidas alcoólicas “a partir das 9 da manhã”. Igualmente, o herói de High Plains Drifter (O Pistoleiro do Diabo), não deve nada ao angelismo seráfico, é brutal, bebe e é agressivo. Neste, a relação com o além é mais difusa, mas a sua presença vital, carnal e activa, manifesta-se sem negar as relações com o mundo dos mortos. No entanto, o registo é mais realista.
A sua deriva arrasta-o, das terras altas, possivelmente de longe, dado que o título é o viajante das planícies ou terras elevadas, mas na planície estagnada junto ao lago de águas mortas, o seu centro de atracção é o cemitério, e a sua atenção fixa-se numa campa sem nome. No entanto, com ele vem a morte e a vingança, exercendo-se numa cidade junto ao lago, chamada Lago, e que tem, a circundá-la, complementarmente ao lago, uma cadeia de montanhas, de onde o vagabundo, o cavaleiro, errante, vem: dessas montanhas que, como diria Pierre Jourde, são “a forma telúrica por excelência; a terra elevada, o material terrestre colocado em relevo, em três dimensões, de tal forma que exaltam a sua espessura e a sua consistência”, impondo ao olhar “uma presença, concreta, compacta, que barra o horizonte e encerra o espaço” (1991: 58).
Mas a característica do trilho de chegada do cavaleiro que vem das terras altas, não é, tão intensamente como em Pale Rider, a descida das regiões ignotas, embora elas também sejam ponto de origem, menos enfatizado do que neste último, é certo, mas presentes. É, sobretudo, o ponto de passagem, o cemitério já nos arrabaldes da cidade, junto ao lago.
Na passagem por este lugar dos mortos, o cavaleiro avança lentamente, como que perscrutando as campas. A continuação da narrativa, nomeadamente as imagens de recordações ou pesadelos, podem ligar-se a estas imagens iniciais, bem como a sequência final, da partida do cavaleiro: ao passar no cemitério, o marshal anão, prepara-se para identificar uma campa sem nome, quando o cavaleiro misterioso se cruza com ele e, perante a perplexidade que este manifesta na expressão, o visitante, antes de pôr o cavalo em andamento mais rápido, diz-lhe que ele bem sabe qual o nome que deve estar na lápide: Jim Duncan.
O trilho da demanda de Shane, recém-chegado a uma região de pequenos agricultores que colonizavam Wyoming, é, sem dúvida, o modelo dos dois filmes de Eastwood, nos seus traços gerais. Os colonos lutam contra os grandes criadores de gado, e o objectivo de Shane, ao envolver-se no conflito, é a tentativa de obter ordem e justiça, numa axiologia que, implicitamente, se assume como sendo de origem celeste. Este percurso é, praticamente idêntico ao do Pregador de Pale Rider.
Após abater o bando de malfeitores, o cavaleiro desaparece no horizonte de onde emergiu – figurando assim uma harmonia entre o cosmos e a lei que parece reproduzir a conjunção entre a transcendência e a imanência que, numa perspectiva lukacsiana, por exemplo, seria o traço fundamental do herói épico (s/d[196…]66-67)[13]. A activação desse valor supremo, que parece pairar numa transcendência que só o herói sabe traduzir para a acção imanente, realiza-se pelo seu braço, tal como nos romances de cavalaria medievais, sempre do lado certo do litígio, transformando a sua acção e o resultado desta na esfera da harmonia cósmica como feito resultante da demanda.
No caso do High Plain Drifter, a intriga difere ligeiramente, sobretudo na pormenorização da fábula: o herói chega para redimir, pelo castigo, a quase totalidade dos habitantes da cidade, e pela humilhação, os outros que, pelo seu silencia ou pela anuência, foram, cúmplices de um crime e de uma vivência de culposa ignomínia. É claro que a identificação, por fortes sugestões, nos sonhos maus do cavaleiro recém-chegado, com o marshal anos antes assassinado, torna a figura deste justiceiro muito próxima da pura fantasmagoria.
E a sua justiça raia quase o rigor do fio da navalha: deixa matar os instigadores do assassinato do antigo agente da lei, pelos próprios assassinos deste, que, entretanto regressam da prisão para onde os tinham mandado forjando um delito que as autoridades estatais puniram; mata os assassinos com os mesmos processos com que eles tinham assassinado o marshal deixa uma censura e um aviso aos restantes cidadãos, que se cumpliciaram pelo silêncio. Para já não falar da sua enigmática intenção ao ordenar aos habitantes de Lago que pintem todos os edifícios da sua cidade de vermelho, tendo ele próprio pintado no marco com a designação da cidade, LAGO, colocado no caminho de acesso, um outro nome que cobre o original, HELL, com a mesma tinta vermelha.
De facto, “quando tem uma conotação negativa, o vermelho cristão está quase sempre associado aos crimes de sangue e às chamas do Inferno” além de que “os teólogos” o associaram a “vários vícios” entre os quais se contam quatro dos pecados capitais, a saber, a “ira”, a “soberba”, a “luxúria” e a “gula” e, “mais banalmente” mas em decorrência do sistema erudito, “o vermelhos é associado a tudo o que lembra a violência, a devassidão, a traição e o crime” (Pastoreau, 2019a: 123). Ora é bom relembrar, a este respeito, que o grande código que está presente no western, mais do que em qualquer sistema artístico ou tendência narrativo-fabulatória, é a Bíblia: o”Velho Testamento” e os “Evangelhos”.
Registemos, neste ponto, a quase enfatização do alegórico em High Plain Drifter, em detrimento do real – que. noutros aspectos, até parece cultivar –, no que diz respeito à recriação da cidade enquanto espaço edificado. Ela é tratada claramente como lugar de uma cenografia, ou mesmo como um plateau de filmagens. O recém-chegado usa-a para projectar os seus humores, sem qualquer consideração por qualquer dos habitantes, tratando-os como actores ou mesmo títeres.
A cena do treino de tiro é bem exemplificativa disso, quando os figurantes humanos são emparelhados com os bonecos de palha. Por outro lado, exceptuando os culposos habitantes, com estabelecimento comercial ou funcionários da empresa de exploração mineiras, alguns residentes já idosos, a cidade é particularmente desértica, e parece não ter existência nos arredores. Não há crianças, não há mineiros, nem cultivadores de terrenos.
Fran Benavente, numa apresentação que transcrevemos como recapitulação resumida da nossa análise, declara o seguinte:
“Assim, pois, do passado surge uma violência transbordante, que deve ser exorcizada no presente, reduplicada e, em consequência desactivada. E, neste caso, essa reduplicação patenteia-se deste uma evidente encenação, desde a construção de um cenário. Monta-se todos um dispositivo para reeditar o momento do passado. Pinta-se o povoado de vermelho, e o inferno convocado, no momento da sua morte, pelo representante da lei que fora assassinado, torna-se presente. Sobretudo na noite, quando as chamas inundam tudo, e o inferno já se apresenta palpável. […] Assim se produz a reduplicação da cena original, a violência reescreve a violência. O final do filme estabelece o sentido da narrativa. Uma vez cumprida a vingança, uma vez saldada a dívida original, o forasteiro pode ir-se. O fantasma já pode ser nomeado. O nome que não tínhamos, ainda, conhecido, vem encher a imagem, e, agora, sim, está inscrito na lápide. O espectro pode descansar em paz e a comunidade pode voltar a reconstruir-se. A figura reingressa no reino fantasmal, pode voltar a desvanecer-se no horizonte, na mesma paisagem fluida que abre o filme” (2017: 295-297).
O cenário citadino mais semelhante ao deste filme, que conhecemos, em westerns, é o de Warlock (1959) – em português, O homem das pistolas de ouro –, de Edward Dmytrick, mas o pequeno lugarejo cercado de colinas, tem actividade, há minas, pessoas que figuram como possíveis trabalhadores das minas, vaqueiros, que são, aliás, o grupo que causa problema, os comerciantes activos, um hotel a funcionar, com hóspedes visíveis e tudo isso. Coisa que não acontece no filme de Eastwood: quase todas as pessoas presentes num quotidiano em que não se observa qualquer labuta, são as que já existiam no tempo do marshal que foi morto, e que parecem estar ali apenas para penitência. A cidade de Lago parece apenas uma excrescência ao lado do cemitério, uma dependência deste que domina a planície, ou uma sua extensão.
O complemento que o forasteiro lhe dá, mandando os habitantes pintá-la de vermelho, torna-a ainda mais evidentemente alegórica, tomando-a como um pórtico ou uma antecâmara do Inferno (HELL, é o nome que ele escreverá sobre LAGO, na tabuleta que marca os limites dos arredores da cidade). Paul Simpson, numa breve apreciação do filme aponta para algumas linhas temática e de estruturação narrativa que são de considerar aqui: “um gótico sobrenatural que se tece em torno dos temas de High Noon, 1952, (O comboio Apitou Três Vezes)” de Fred Zinnemann, tomando-o como referência” (2006: 74).
O que, de facto, nos faz reforçar a ideia que, desde Shane, pelo menos, o horizonte mítico incorpora várias fontes que estão na origem dos valores que foram sempre evocados como bases da construção da “América” (com o significado de USA): a fundamentação bíblica, a sagração dos pioneiros enquanto mitos, e a acumulação de arquétipos de figuração dos pioneiros, como civilizadores, construtores, sobretudo, de um estado de direito inspirado pelo “Antigo Testamento” e pelos “Evangelhos”. Para a iconográfica mitificante do pioneiro, ou peregrino[14] civilizador, muito contribuiu, como fonte, o western cinematográfico, razão pela qual as obras mais recentes tendem a citar amplamente os “clássicos” do género, sobretudo quando andam em torno das origens míticas e dos horizontes que se criaram em torno destas. Quer sejam elementos de difusão da doutrina quer seja os espaços de culto, de oração ou de cerimonial fúnebre.
Carlos Jorge Figueiredo Jorge é professor emérito da Universidade de Évora
N.D. Versão alargada de uma comunicação aceite em 28 de Janeiro de 2020 para o congresso internacional Mediterranean Studies Association, prevista para Maio desse ano, mas adiada para data a confirmar.
[1] O Pregador parece ter chegado em resultado da prece de Megan na qual ela cita o Salmo 23 da Bíblia (apresentamos o salmo completo, em português – que não é dito integralmente – e no qual Megan intercala manifestações dos seus próprios sentimentos: Salmos 23: “1 O SENHOR é o meu pastor, nada me faltará. 2 Deitar-me faz em verdes pastos, guia-me mansamente a águas tranquilas. 3 Refrigera a minha alma; guia-me pelas veredas da justiça, por amor do seu nome. 4 Ainda que eu andasse pelo vale da sombra da morte, não temeria mal algum, porque tu estás comigo; a tua vara e o teu cajado me consolam. 5 Preparas uma mesa perante mim na presença dos meus inimigos, unges a minha cabeça com óleo, o meu cálice transborda. 6 Certamente que a bondade e a misericórdia me seguirão todos os dias da minha vida; e habitarei na casa do Senhor por longos dias”).
[2] Podíamos evocar aqui, em complemento da tentativa de configuração da figura do cavaleiro solitário, enquanto alegoria, a canção clássica do estilo country escrita em 1948, nos EUA pelo compositor Stan Jones, (Ghost) Riders in the Sky: A Cowboy Legend, normalmente designada apenas por Riders in the Sky: Letras: An old cowboy went riding out one dark and windy day/Upon a ridge he rested as he went along his way/When all at once a mighty herd of red eyed cows he saw/A-plowing through the ragged sky and up the cloudy draw/Their brands were still on fire and their hooves were made of steel/Their horns were black and shiny and their hot breath he could feel/A bolt of fear went through him as they thundered through the sky/For he saw the riders coming hard and he heard their mournful cry/Yippie yi ooh/Yippie yi yay/Ghost riders in the sky/Their faces gaunt, their eyes were blurred, their shirts all soaked with sweat/He’s riding hard to catch that herd, but he ain’t caught ‘em yet/’Cause they’ve got to ride forever on/ that range up in the sky/On horses snorting fire/As they ride on hear their cry/As the riders loped on by him he heard one call his name/If you want to save your soul from hell a-riding on our range/Then cowboy change your ways today or with us you will ride/Trying to catch the devil’s herd, across these endless skies/Yippie yi ooh/Yippie yi yay/Ghost riders in the sky/Ghost riders in the sky.
Fonte: Writer/s: Stan JonesPublisher: Kobalt Music Publishing Ltd., Lyrics licensed and provided by LyricFind . Tradução: Instant Grammar Checker.
Cavaleiros Fantasmas correndo no céu
Um velho vaqueiro foi montar/em um dia escuro e ventoso/No céu, porém, a noite ficou/rubra num clarão/E viu passar num fogaréu um rebanho/com olhos vermelhos no céu/Um arar através do céu áspero/levanta a tração da nuvem/Suas marcas ainda estavam em fogo/e seus cascos eram feitos de aço/Seus chifres eram pretos e brilhantes/e sua respiração quente que poderia se sentir/Um relâmpago de medo atravessou/ enquanto trovejou através do céu/Ele viu os cavaleiros que vinham duramente/e ouviu seus gritos de tristeza/Yippie yi oh/Yippie yi yay/Cavaleiros Fantasmas correndo no céu/Suas caras desoladas, seus olhos borrados/suas camisas embebidas todas com suor/Eles cavalgam forte para pegar aquela manada/mas ainda não conseguem alcançar/Porque começaram a montar para sempre/nesse nível acima no céu/Nos cavalos que bufam fogo/eles montam ouvindo seus lamentos/Enquanto os cavaleiros galoparam sobre ele/ouviu-se um chamada pelo seu nome/Se você quiser conservar sua alma/do inferno de uma equitação conosco/Então hoje mude suas maneiras de ser vaqueiro/ou connosco você montará/Tentando coletar o rebanho do diabo através destes céus infinitos/Yippie yi oh/Yippie yi yay/Cavaleiros Fantasmas correndo no céu/Cavaleiros Fantasmas correndo no céu/Cavaleiros Fantasmas correndo no céu” (vd. aqui).
[3] “And when he had opened the fourth seal, I heard the voice of the fourth beast say, Come and see. And I looked, and behold a pale horse: and his name that sat on him was Death, and Hell followed with him. And power was given unto them over the fourth part of the earth, to kill with sword, and with hunger, and with death, and with the beasts of the earth.” Revelation 6:1-17 KJV (King James Version).
Numa versão portuguesa podemos ler o parágrafo versicular da abertura do quarto selo: “E, quando abriu o quarto selo, ouvi <a> voz da quarta criatura, que dizia: Vem, e vê. E olhei, e eis um cavalo verde*, e o quem se senta em cima dele tem por nome morte; e o Hades seguia atrás; e foi-lhes dada autoridade sobre a quarta parte da terra, para matarem com espada, e com fome, e com morte, e por intermédio as feras selvagens da terra” (Bíblia, vol II: 569; Tradução de Frederico Lourenço).
*A cor do cavalo é designada de várias formas: no “Apocalipse” 6:7,8, da tradução Almeida Corrigida, aparece o termo amarelo; Pale em inglês, amarelo, em português (as legendas portuguesas do filme apresentam-no como esverdeado…o que corresponderá, eventualmente à designação verdâtre, a partir de alguma versão francesa, correspondendo, em geral, a várias versões francesas que se refiram ao “Apocalipse”; sendo outra possibilidade da designação alternativa, portuguesa – ou francesa – dada nas legendas do filme, o termo glauco). Numa nota feita para o versículo 6.7, Frederico Lourenço acrescenta: “não sendo, é certo, a cor habitual dos cavalos, a palavra «verde» (klôrós) poderá talvez significar aqui «pálido» (p.569). Pode-se pensar na coloração atribuída aos cadáveres dado que o animal é cavalgado pela morte. Esclarecedoramente, escreve Michel Pastoureau: “Aquoso, viscoso, não saturado” é um “verde negativo” que “é também por vezes um esverdeado. A cor não é, então, viva nem pura, antes acinzentada, mortiça, esbranquiçada. Na imagens como na realidade, essa tonalidade esverdeada – que o latim medieval exprime pelo adjectivo subvirdis – é sempre inquietante, se não mortífera. É a cor do bolor, da doença, da putrefacção e sobretudo das carnes decompostas. É também por isso a cor do cadáveres e, por uma relação analógica, tão habitual na Idade Média, a cor das almas do outro mundo, que deixam o país dos mortos para virem à terra atormentar os vivos e o seu direito à vida eterna” (2019: 122-123).
[4] “Voz de meu irmãozinho! Eis que ele chega, saltando nas montanhas/ pulando nos montes,/saltando sobre as colinas/Semelhante é meu irmãozinho à gazela/ou à corça de veados nas montanhas de Baithel,/Eis que ele está de pé atrás do nosso muro/por detrás do nosso muro,/Espreitando pelas janelas,/Espreitando pelas persianas” (tradução de Frederico Lourenço, Bíblia, vol IV, Tomo 1 2018: 63).
[6] Rio Vermelho (em inglês: Red River), 1948 western, dirigido por Howard Hawks e Arthur Rosson, podia ser um bom exemplo dessa amálgama, de actividades nómadas mais ou menos respeitadoras dos valores humanos básicos, religiosos e legais.
[7] Esta visão pode ser completada pelo que Eliade nos diz, na mesma obra: “[…] a montanha figura entre as imagens que exprimem a ligação entre o Céu e a Terra; considera-se, portanto, que a montanha se encontra no Centro do Mundo. Com efeito, numerosas culturas falam nos dessas montanhas – míticas ou reais –situadas no Centro do Mundo, visto que a montanha sagrada é um […] Axis mundi que liga a Terra ao Céu, ela toca de algum modo o Céu e marca o ponto mais alto do mundo […]” (1978: 51).
[8] “Ele foi o homem que cavalgou até ao nosso vale, vindo do coração do imenso Oeste cintilante, e quando acabou o seu trabalho regressou ao lugar de onde tinha vindo e ele era Shane”.
[9] No fundo trata-se da revelação das coisas despidas dos aparentes equívocos, com defendia Joyce no seu romance esboçado, Stephen Hero, como é explicado por Bernard Richards no texto que se segue: “Stephen explains in Stephen Hero that the apprehension of beauty involves the recognition of integrity, wholeness, symmetry and radiance. Here he comes close to the aesthetics of Gerard Manley Hopkins and his philosophy of haeccitas (‘thisness’). Joyce demonstrates the way in which the contemplated object is revealed: Its soul, its whatness, leaps to us from the vestment of its appearance. The soul of the commonest object, the structure of which is so adjusted, seems to us radiant. The object achieves its epiphany. (Stephen Hero, Chapter XXV – Tradução nossa, CJFJ: “Stephen explica, em Stephen Hero que a apreensão da beleza envolve o reconhecimento da integridade, plenitude, simetria e esplendor. Aqui ele aproxima-se da estética de Gerard Manley Hopkins e da sua filosofia de haeccitas (‘thisness’ – [‘istismo’]). Joyce demonstra a maneira pela qual o objeto contemplado é revelado: a sua alma, seu “quêismo”, salta-nos de sob a cobertura da sua aparência. A alma do objeto mais comum, cuja estrutura é ajustada deste modo, parece-nos radiosa [sublinhado nosso]. O objeto atinge a sua epifania. (cf. Stephen Hero, capítulo XXV).
Cf tb. Bernard Richards, in `The English Review’.
O conceito aparece menos explicitado em The Portrait of the Artist as Young Man, 1916.
[10] O final do conto, “The Dead” do livro Dubliners, p. e. com a quase fantasmagórica percepção da presença de um morto na sua evocação. O início do romance Sanctuary 1931, que, muitas vezes, quase parece o texto de de uma planificação cinematográfica, é o seguinte: “From beyond the screen of bushes which surrounded the spring, Popeye watched the man drinking. A faint path led from the road to the spring. Popeye watched the man a tall, thin man, hatless, in worn gray flannel trousers and carrying a tweed coat over his arm – emerge from the path and kneel to drink from the spring.” — 1965 p. 5, Penguin/Modern Classics, Midllesex,
“Por trás do biombo formado pelas moitas que cercavam a nascente, Popeye observava o homem que bebia. Mal definida trilha levava da estrada à fonte. Popeye vira o homem – sujeito alto, magro, sem chapéu, metido em surradas calças de flanela cinza e tendo no braço o paletó de tweed –, emergir da trilha e ajoelhar-se para beber”. — Santuário / William Faulkner; tradução de Lígia Junqueira Caiuby. São Paulo: Abril Cultural, 1982.
[11] É claro que se joga aqui, com uma conceptualização que sugere que a fantasia (Phantasie*) com reforço fantasmático pode apelar para a aparição assombrada, ou simplesmente assombração (Phantom*), que, segundo a teoria freudiana (em textos como “Le créateur littéraire et la Fantasie” — in Freud, 1985: 29-46) são efeitos com que jogam persistentemente os ficcionista mas que se destacam, em toda a dimensão da sua ambiguidade, nos filmes de Eastwood, mesmo quando não fazem desse tema uma matéria central da suas história como é ocaso dos dois filmes em que aqui enfatizamos. Mas igualmente noutros, como The Outlaw Josey Wales (O Rebelde do Kansas), 1976, o tema do regresso do mundos mortos ou o da inexplicável evanescência (Josey Walls “morre” segundo os registos que os rangers tomam, para fazer constar no estatuto civil do perseguido fora-da-lei), estão presentes, ainda que num registo mais realista.
*Cf., p. e., para mais amplo esclarecimento, Mardem Leandro Silva, (2014: 41-42) in: “[…]fantasia se refere à imaginação, cenário imaginário e 42 representação, tal como Freud a faz valer. E para ser exato, o termo alemão que Freud utiliza é Phantasie, que em português é traduzido e dicionarizado como fantasia. Em francês, o Phantasie é traduzido como fantasme e, como fantasme, possui os mesmos sentidos que fantasia em português. O termo fantasma em alemão não se traduz por Phantasie, mas sim por Phantom, e a significação também é bem distinta, se refere a espectro e a algo que assombra. Em francês, fantasma se traduz por fantôme e segue a mesma linha de significação. Em Freud (1919/1996l), o termo Phantom aparece no texto Das Unheimlich, em português, O Estranho. Nesse texto, o campo semântico do familiar (heimlich) permite inferir que se trata de “[…] um lugar livre da influência de fantasmas.” (p. 243). Ora, se o heimlich não seria habitado por fantasmas, o unheimlich poderia ser pensado como o lugar da própria influência do fantasma? Freud não se ocupa dessa articulação, para ele, o conceito de fantasia era suficientemente eficaz para lidar com a problemática tanto clínica quanto teórica.”.
[12] Poeta/ficcionista francês, do séc. XII, autor (possivelmente a partir de versões orais das tradições, por vezes designadas “matérias”, bretãs e celtas) das mais conhecidas narrativas do Cavaleiros da Távola Redonda. É provável que nos Estados Unidos essas narrativas fossem mais divulgadas pela versão que aparece em Le Morte d’Arthur ou Le Morte Darthur, escrito, no século XV, pelo inglês Thomas Malory.
[13] Na edição indicada é recomendável, para um melhor esclarecimento da matéria, a leitura das páginas de 61 a 76.
[14] Usamos o termo no seu sentido mais amplo, obviamente: o que atravessa terras desconhecidas ou a elas se dirige.