Correio Trivial

Terrorismo à portuguesa

black and white abstract painting

por Vítor Ilharco // Dezembro 20, 2022


Categoria: Opinião

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Não há crime mais criticado, em todo o Mundo, do que o de terrorismo.

Por ser ultra-violento e cobarde.

De modo geral, quem coloca uma bomba – por exemplo – não faz ideia de quem poderão ser as vítimas.

Quem mata, sem se preocupar com danos colaterais, tem que ser considerado como duplamente criminoso.

photo of person holding teal smoke grenade

O terrorismo é a arma dos amorais. Dos que pretendem conseguir os seus objectivos sem olhar a meios.

Daí que os Estados, e bem, se tenham preparado contra este flagelo com Leis fortemente punitivas e dissuasoras da prática deste crime.

O problema é que “alguns” Estados optaram por aproveitar esta oportunidade para aprovarem uma Lei que lhes permite contornar alguns dos mais sagrados Direitos conseguidos durante anos de luta.

Uma Lei sobre “terrorismos” devia estar escrita de modo a não permitir interpretações dúbias, sempre em desfavor dos inimigos políticos de quem esteja no Poder.

Nem dar a oportunidade a magistrados sem preparação, que, por incompetência ou maldade, a possam usar como arma de destruição de arguidos que, sem ela, dificilmente poderiam ser pronunciados.

Vem isto a propósito de dois casos recentes.

white printer paper

O primeiro tem, como figura principal, um jovem muito doente, complexado, com uma necessidade enorme de começar a ser respeitado pelos seus colegas de estudo, que terá feito ameaças de matar uma série de alunos da sua Faculdade.

E terá confessado isso a alguém dos Estados Unidos que, por sua vez, alertou o FBI, que avisou a Polícia Judiciária.

Os inspectores portugueses prenderam-no e, durante semanas, as principais figuras da nossa Polícia pintaram, para a comunicação social, o quadro da prisão de um novo Bin Laden que tinha, como objectivo, fazer um massacre na Universidade.

Não mencionaram que o jovem é um doente, que sofre de Síndrome da Asperger.

Não convinha dar qualquer hipótese a um perigoso “terrorista”, que ficou preso, até ao julgamento, onde foi condenado a dois anos e meio de prisão com necessidade de tratamento psiquiátrico.

Mais um recluso a elevar o número de doentes mentais presos em cadeias por falta de hospitais psiquiátricos.

Este caso fez lembrar uma outra decisão de prisão, por terrorismo.

Lembro o conhecido “ataque” à Academia do Sporting, em Alcochete, levado a cabo por quatro dezenas de adeptos idiotas, zangados com a má qualidade do jogo que a equipa de futebol vinha praticando.

Quarenta parvos invadiram a Academia, e um deles agrediu com um cinto um atleta, fazendo-lhe um golpe na cabeça.

Outro, atirou uma tocha incendiária para dentro da Academia.

Foram, os quarenta, presos preventivamente por terrorismo.

A única explicação para este absurdo é que, quando acusados de terroristas, as leis mudam para os arguidos.

Podem ficar sujeitos a prisão preventiva e podem ver as suas casas revistadas a qualquer hora  

Um maná para quem considere importante a prisão de alguém sem poder contar com uma Lei que a permita.

Os quarenta jovens ficaram presos por mais de um ano.

Muitos deles perderam um ano de estudo.

Outros, os seus empregos.

people walking on the street during daytime

No final, como não podia deixar de ser, os “terroristas” foram absolvidos.

Os incompetentes que fizeram a investigação, a acusação e a pronúncia, continuaram nos seus postos. Excepto os que foram promovidos.        

Para quem analisa estes casos como “um falhanço da Justiça”, quero deixar um alerta: esta Lei tem de passar a ser fortemente criticada e punida.

A sua actual interpretação permite que, com base em suspeitas de terrorismo, seja lá por aquilo que for, qualquer cidadão seja apanhado de surpresa numa busca a sua casa, pelas três ou quatro da manhã, levado para uma cela onde pode ficar impedido de contactar quem quer que seja, enquanto uma comunicação social, colaborante, vai destruindo a sua imagem para a opinião pública.

Passados uns anos, quando houver a certeza de que está destruído politicamente, até pode ser libertado.

in flight dove

Mas nunca mais será considerado um cidadão credível porque, sabe-se, “não há fumo sem fogo” e para ter estado preso… algo fez.

Na verdade, a interpretação que alguns investigadores e magistrados dão às Leis, e o apoio que recebem de alguma comunicação social a legitimar essa leitura, funciona como a legalização de métodos usados na ditadura.

E, isso sim, é que é um verdadeiro terrorismo.

Vítor Ilharco é secretário-geral da APAR – Associação Portuguesa de Apoio ao Recluso


N.D. Os textos de opinião expressam apenas as posições dos seus autores, e podem até estar, em alguns casos, nos antípodas das análises, pensamentos e avaliações do director do PÁGINA UM.

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