ANÁLISE PÁGINA UM

Afinal, passa-se alguma coisa extraordinária com as acções da Tesla? E com Elon Musk?

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por Elisabete Tavares // Dezembro 29, 2022


Categoria: Exame

Temas: Economia

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Hoje, a sessão em Wall Street fechou com as acções da Tesla a subirem 8%, mas têm sido as desvalorizações ao longo do ano de 2022 que têm marcado a “vida” da mediática empresa do sector automóvel de Elon Musk, que apresenta uma queda de mais de 60% desde Janeiro. Os media mainstream têm freneticamente noticiado, em êxtase, o suposto colapso da Tesla, e culpam a postura de Elon Musk e a sua compra e gestão do Twitter. Mas será uma grande surpresa esta descida das acções da Tesla, após uma vertiginosa subida de mais de 1.000% em menos de dois anos? O PÁGINA UM apresenta uma análise.


The smart money is selling; the dumb money is buying“. A frase aplica-se hoje como ontem aos mercados de capitais. Quem percebe de mercados financeiros, vende na altura certa; quem não percebe, compra na altura em que não deve.

Foi Luís Gomes, economista e co-fundador da Criptoloja, que recordou ao PÁGINA UM aquela frase, a propósito da queda recente das acções da Tesla.

Elon Musk

Quando falamos da Tesla, falamos do maior fabricante automóvel do mundo em valor em bolsa, com uma capitalização (actual) de quase 350 mil milhões de dólares. O segundo lugar é ocupado pela nipónica Toyota, a uma grande distância do líder: tem pouco mais de metade da capitalização bolsista. Empresas como a Volkswagen, onde está integrada a Autoeuropa, tem uma capitalização bolsista de 20% da Tesla.

A Tesla chegou a valorizar cerca de 1.300% em menos de dois anos: em Janeiro de 2020 estava nos 28 dólares e atingiu um pico nos 414 em Novembro de 2021. O seu valor em bolsa chegou a ultrapassar um bilião de dólares, ou seja, 1.000.000.000.000 dólares.

Já no final de 2020, quando a acção chegou então aos 240 dólares, houve grandes investidores que apostaram na sua queda (short sellers), mas erraram e viram a vida a andar para trás. Num só mês, no final daquele ano, a Tesla valorizou 44%.

Foi o caso de Michael Burry, que ficou conhecido por ter antecipado a crise financeira de 2008 e de ter lucrado com ela. Mas, este ano, este tipo de investidores acertou em cheio.

Capitalização bolsista em 29 de Dezembro de 2020 das 10 principais empresas do sector automóvel, em mil milhões de dólares. Fonte: companiesmarketcap.com

Agora, em 2022, as acções da companhia estão a registar uma descida de 68%, mas isso também compara com uma descida de 45% de rivais como a Ford Motor e a Volkswagen.

Era natural que, após uma valorização tão forte, as acções da Tesla recuassem? Sim. Mas há outros factores que têm contribuído para esta descida, incluindo indicadores suportados na análise técnica, e, em particular, a expectativa sobre a evolução das vendas de veículos eléctricos e da economia em 2023, entre outros.

Mas então, e a compra do Twitter por Elon Musk está a provocar a queda da Tesla em bolsa, como transparece nas notícias de alguma imprensa mainstream?

O investimento de Elon Musk no Twitter – uma empresa que vinha a perder receitas e não estará nas melhores condições financeiras – contribui, certamente, para um sentimento de incerteza, mas não é um factor crucial para a evolução da cotação da Tesla, ao contrário da redução de produção na sua fábrica em Xangai, na China, como noticiou  recentemente a Reuters.

Variação (%) da cotação de empresas do sector automóvel em 2022 (até dia 22 de Dezembro). Fonte: Yahoo Finance.

É verdade que alguns analistas no mercado temem que Musk esteja distraído com a gestão do Twitter, que tem mais de 400 milhões de utilizadores, mas a precisar de mais receitas. Por outro lado, com a compra do Twitter por 44 mil milhões de dólares, operação que concluiu em Outubro, Musk vendeu, em 2022, quase 40 mil milhões de dólares em ações da Tesla. E o mercado não fica indiferente.

“A Tesla tem muito ruído à sua volta. Mas, se olharmos para a Meta (Facebook) ou para a Amazon, estão também em valores mínimos de ciclo. Não é só a Tesla”, diz Filipe Garcia, economista da IMF-Informação de Mercados Financeiros. Acresce que, “na Tesla, há a notícia de que a pausa na produção na China vai continuar. Ou seja, há factores intrínsecos e outros que são de mercado”.

Note-se, por exemplo, que as acções da Meta desvalorizaram 65% desde o início deste ano. As da Amazon caem 50%.

E, em termos de análise técnica, Luís Gomes apontou que, desde Maio deste ano, a Tesla iniciou uma tendência descendente, com a ocorrência de máximos e mínimos decrescentes. Além disso, rompeu todos os denominador suportes Fibonacci, em particular o de 61,8%. Ou seja, desde o máximo de Novembro de 2021, em que se encontrava em torno de 414 dólares norte-americanos, já corrigiu mais de 70%, faltando agora o último suporte Fibonacci, o de 78,6%. E estamos perto.

Variação (%) da cotação de empresas do sector automóvel desde 31 de Dezembro de 2019 e 22 de Dezembro de 2022. Fonte: Yahoo Finance

Ontem, a Tesla já subira 3,31%, fechando nos 112,72 dólares na abertura. Hoje fechou nos 121,82 dólares, recuperando assim 11,7% em apenas duas sessões. Mas, em mercados bolsistas, estas variações têm pouco significado. A acção pode ainda não ter tocado “no fundo” desta descida, e, caso rompa o já mencionado nível 78,6% Fibonacci, que estará situado em redor dos 90 dólares, poderá deixar de “ter fundo”.

Mesmo assim, perante a constante desvalorização ao longo de 2022, nos últimos três anos as acções da Tesla somam um ganho de “apenas” 300%”. Ou seja, quadruplicaram!

Saliente-se que nas últimas semanas, à medida que muitos investidores institucionais fecham posições nas suas carteiras com a chegada do final do ano, alguns movimentos nos mercados tornam-se mais expressivos. Estes movimentos são usuais em Dezembro.

Filipe Garcia lembrou que “empresas como a Tesla são muito grandes” e “têm um peso muito grande em índices ETF, por exemplo”. Ora, nesta altura do ano, basta que grandes investidores estejam a “desfazer” o seu investimento num desses índices para abanar a cotação de ações como as da Tesla.

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A menor liquidez nestes dias que se aproximam do final de ano, devido ao facto de haver menos investidores no mercado, também contribuem para grandes oscilações das cotações.

O facto é que, apesar da descida que as acções da Tesla registam em 2022, a maioria dos analistas continua a recomendar a sua compra. O preço médio estimado atribuído às acções da Tesla no final de 2023 situa-se nos 248 dólares por acção.

George Gianarikas, analista que acompanha há muitos anos as ações da Tesla, é dos que está positivo em relação à evolução da companhia. Analista na Canaccord Genuity, Gianarikas disse, em entrevista à Yahoo Finance, que “actualmente, o mercado não parece estar muito positivo em relação às Tesla, e é compreensível”.

E explica: “Ouvimos Elon Musk numa conversa no Twitter Spaces e soa decididamente negativo no curto prazo. Há muita incerteza sobre as vendas (de viaturas novas) no quarto trimestre. Há muita incerteza sobre as vendas em 2023. Há muito incerteza sobre a trajectória da margem da empresa”.

Variação da cotação diária (em dólares) da Tesla entre finais de 2019 e 22 de Dezembro de 2022. Fonte: Yahoo.

Nessa entrevista, Gianarikas está, porém, optimista quanto ao futuro da empresa de Elon Musk, porque a Tesla “tem um balanço incrivelmente forte para resistir às adversidades de uma recessão” e, por outro lado, “estão destinados a aumentar a sua liderança em veículos eléctricos”, um segmento que pensa “estar prestes a penetrar realmente no mercado automóvel global”.

Por sua vez, Elon Musk também tem justificado a queda da cotação da Tesla, que é generalizada a outros títulos, às decisões da Reserva Federal norte-americana (FED), devido ao aumento das taxas de juro, que tornaram o mercado de acções menos atraentes para os investidores.

Quanto à imprensa mainstream, parece previsível que os ataques a Musk vão continuar. Até porque o multimilionário, ao comprar o Twitter, acabou com aquele que era o receio dos seguidores da religião ‘woke’ e dos que têm apoiado a censura e a desinformação em torno da pandemia nas redes sociais.

Os media tradicionais têm passado a ideia ao público de que Musk permitiu que surgisse desinformação no Twitter e até discurso de ódio, o que é falso. Pelo contrário: desinformação era o que existia antes de Musk assumir a liderança da rede social Twitter, como comprovam os documentos internos que Musk tem tornado públicos, nos chamados Twitter Files.

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Com a divulgação dos Twitter Files, Musk tirou todos os esqueletos do armário da empresa que agora lidera, mostrando o nível de censura elevado que existia naquela plataforma e que se estende a todas as outras redes sociais e grandes tecnológicas. Ou seja, ganhou muitos inimigos entre os defensores da censura e desinformação.

E agora que Musk apontou novas baterias à imprensa mainstream, classificando-a de “obsoleta”, abriram-se feridas insanáveis. O novo dono do Twitter assumiu já que deseja criar uma alternativa aos media tradicionais, que acusa de parcialidade e de se limitarem a propagar propaganda. E entretanto disse mesmo que está aberto à ideia de comprar a plataforma de conteúdos Substack, muito usada por escritores e jornalistas independentes, para rivalizar com os media mainstream. Por isso, a guerra entre Musk e os media mainstream parece estar para durar.


N.D. Luís Gomes é sócio minoritário (5%) da Página Um Lda., a empresa gestora do PÁGINA UM.

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