Recensão Eleitoral

Quem ganhou e quem perdeu?

two black cats looking outside a glass window

por Tiago Franco // Janeiro 31, 2022


Categoria: Opinião

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Este é o primeiro de uma série de três textos sobre a noite eleitoral.

O grande derrotado da noite foi, sem qualquer dúvida, Rui Rio. Não só viu o PS chegar a uma impensável maioria absoluta, depois de dois anos de crise pandémica e saturação da população, como ainda foi penalizado com a perda de deputados e fuga de votos para os partidos à sua direita, o Chega e a Iniciativa Liberal.

Rio disse na declaração de derrota que a esquerda se uniu em torno do PS mas, à direita, não se verificou igual movimento em torno do PSD. Deduz-se, pois, que a culpa estará nos receptores da mensagem, vocês, portanto, e não em quem a transmite. Em português e alemão assumiu que chegara a sua hora e que, por ele, a facção de “Rangelistas” podia ir começando a afiar as facas. Depois de quatro eleições perdidas e uma presença parlamentar nos próximos anos de puro corpo presente, resta pouco para fazer ao PSD de Rui Rio. A conta do jantar nos Açores com André Ventura demorou, mas chegou.

Francisco Rodrigues dos Santos e o CDS figuram entre os outros derrotados à direita. Pela primeira vez em democracia o partido conservador desaparece do Parlamento. Era um fim expectável e, apesar das sucessivas tentativas de Chicão, entre o combate aos opositores internos e a renovação dos quadros do partido, estimava-se que a debandada dos mais radicais para o Chega, ou dos mais progressistas para a Iniciativa Liberal, traria o fim anunciado. Veremos quem é o próximo aluno do Colégio Militar que quer pegar num partido que participará em debates acompanhado pelo RIR, MRPP, Aliança e Ergue-te.

four men sitting at desk talking

João Cotrim Figueiredo e André Ventura foram os vencedores da noite à direita. Ambos criaram um grupo parlamentar – no caso do Chega com 12 deputados –, uma subida absolutamente estratosférica. Quase 400.000 pessoas em vários distritos acharam boa ideia votar num partido de índole racista e xenófoba, cujas principais discussões que trouxe para a campanha foram a castração química, prisão perpétua e os ciganos do RSI. Temas fundamentais e estruturantes na República Portuguesa, como se perceberá.

A Iniciativa Liberal conseguiu juntar quase 270.000 pessoas que concordam com a baixa de impostos aos mais ricos, saúde privada paga pelo Estado e escolas financiadas por todos, mas com acesso limitado a alguns. Beneficiaram largamente do deserto de ideias de Rui Rio, e da incapacidade deste se distanciar mais do Chega, para captar descontentes mais progressistas no PSD. A sensação com que fico é que, mesmo sem conseguir explicar os unicórnios do liberalismo, João Cotrim Figueiredo convenceu os desiludidos do PSD, mas com escolaridade suficiente para não aderirem ao Chega, que a IL era a única porta que lhes restava.

À esquerda a noite foi agridoce. Costa arriscou tudo no braço de ferro com o PCP e o Bloco, na discussão do Orçamento de Estado. Forçou eleições e convenceu a população que o chumbo do Orçamento era da responsabilidade dos parceiros de geringonça. Isto apesar de ter votado durante a legislatura, quase sempre, ao lado de PSD e contra PCP e BE.

black statue of a man

A população acreditou e deu os votos que Costa precisava para não precisar de discutir com mais ninguém. O PS, a solo, em ano de enxurradas de dinheiro europeu, poderá decidir onde o quer aplicar e por quem o vai distribuir. Já há filas de boys a fazerem meia-volta do centro de emprego e empresas de construção à espera de novo ajuste direto.

António Costa, como já tinha escrito em crónicas anteriores neste jornal, saiu dos debates pouco amassado, e conseguiu sempre manter-se à tona da narrativa oficial das sondagens, tema a que voltarei no terceiro texto.

Explicou, ao vivo, como fez a cama a António José Seguro, a Pedro Passos Coelho e a Rui Rio, sem aparentemente se sujar, gritar ou cansar. Está claramente mais bem preparado para o cargo do que Rui Rio, mas a forma como vence deveria ser estudada em teoria política.

Bloco de Esquerda tem a maior queda da noite com a perda de 14 deputados. Uma hecatombe. Se António Costa soube culpar o BE pela queda do Governo, Catarina Martins nunca conseguiu desmascarar a estratégia do PS. Ao invés, insistiu naquele discurso ensaiado e sem alma, por vezes surreal, que levou a que eleitores do BE fossem na cantiga de Costa, do voto útil, para evitarem um governo de aliança entre a direita ou ao centro.

O PCP perdeu metade do seu grupo parlamentar, mas, pior do que isso, deixa de contar com deputados importantes como António Filipe ou João Oliveira. A campanha do PCP foi um misto de enganos e a ausência de Jerónimo foi a única coisa boa. Tal como o BE, não conseguiram distanciar-se da bola de ferro que Costa lhes colocou nos pés. Olhar para o destino do CDS deve agora ser uma prioridade. Sem renovação, arriscam-se ao mesmo destino.

O PAN também foi castigado, embora não se perceba bem se foi à esquerda ou direita. Inês Sousa Real não soube passar ideias que interessem verdadeiramente à maioria das pessoas e, como se não bastasse, mostrou-se confortável com alianças com qualquer Governo. A factura da falta de ideologia chegou na noite de ontem.

Já Rui Tavares recupera um lugar que devia ser seu há três anos. É uma lufada de ar fresco à esquerda, e uma esperança para uma esquerda que pode aprender algo com as esquerdas europeias que importam.
Entre os perdedores da noite estão também as empresas de sondagens, e aquele inenarrável empate técnico que durou sete dias. Voltarei a este tema no terceiro texto desta análise.

Regresso amanhã com a segunda parte do rescaldo eleitoral, onde tentarei perceber o dia seguinte de cada partido.

Engenheiro de desenvolvimento na EcarX (Suécia)


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