Recensão Eleitoral

O dia seguinte de cada partido

two black cats looking outside a glass window

por Tiago Franco // Fevereiro 1, 2022


Categoria: Opinião

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Dia 31 de Janeiro, depois do pequeno-almoço com sementes de chia, João Cotrim Figueiredo percorreu a lista de comentários na sua última publicação do Linkedin. Para quem não sabe, o Linkedin costumava ser uma plataforma onde empresas e trabalhadores se encontravam para, entre outras coisas, partilhar curricula vitae e concorrer a propostas de emprego. Hoje em dia é uma mistura de Facebook, Tinder, Instagram e frases motivacionais do Gustavo Santos.

Entre os parabéns antecipados (a publicação foi feita no sábado de reflexão) pelo grupo parlamentar que se adivinhava, escorriam elogios e palavras de esperança de vários CEOs, CFOs, diretores, empresários e toda aquela nata que vê no recibo de cada mês a tabuada dos 10 do salário mínimo.

Curiosamente não havia grande entusiasmo entre prestadores de serviços, operadores de fábricas ou caixas de supermercado. Dir-me-ão que um operador fabril não usa o Linkedin, porque não depende tanto do networking. Pode ser isso de facto. O meu primeiro pensamento foi para o facto de a taxa única não ajudar muito nos baixos salários, mas posso estar enganado.

A minha curiosidade agora é a de saber como se sentem os liberais neste momento? Por um lado, formaram um grupo parlamentar com oito deputados, um extraordinário resultado para quem andou a vender ilusões, mas, estão dependentes da vontade de diálogo do governo para conseguirem começar a desviar fundos públicos para o sector privado ou “liberdade”, como eles lhe chamaram.

Costa disse que seria dialogante apesar da maioria, mas também ele tem clientelas à espera e, por isso, Cotrim até pode passar os próximos quatro anos apenas a sentir o aroma da bazuca, mas sem lhe tocar. Ainda assim, se tivesse que apostar, diria que a IL ainda vai crescer mais.

A geração mais formada parece ver na IL uma esperança real de desenvolvimento e, essa tendência, a do aumento das qualificações da população, não deverá diminuir na próxima década. Eu diria que o produto da IL continuará a ser apetecível e bem comercializado. O problema maior é mesmo quando se experimenta e se percebe que, afinal, o anunciado Volvo eléctrico, verde, seguro e confortável, era só um Citröen Mehari com dois cavalos e portas de plástico.

Não sei se André Ventura começou o day after na missa, agora que a CNN não estava por perto, mas imagino o que lhe passará pela cabeça. “O que é que vou fazer com esta malta no parlamento?”, deve ser o refrão mais repetido naquela voz de quem castiga a “Paixão” de Carlos Tê e Rui Veloso. Não sei se os eleitores do Chega tiveram a oportunidade de ver quem são os deputados que formam a nova bancada parlamentar. Diria que as ideias públicas dos 12 não chegam a metade das nove páginas do programa, portanto é coisa para se ler depressa.

Temos por lá um senhor, com 72 anos, sempre bom para quem quer abanar e renovar o sistema, que pertenceu ao MDLP, movimento de extrema-direita responsável por atentados bombistas depois da Revolução de 25 de Abril de 1974. Um ancião que, entre outras coisas e no seu devido tempo, defendia, tal como o avô deputado no regime salazarista, que Portugal devia manter o império em África.

Outros, mais novos, trazem para a Assembleia da República temas como “a invasão de Lisboa pelo mundo rural, no dia em que o Governo proibir a tourada”. Há também quem defenda o fim do corte de carne para consumo, como a que é feita por judeus e muçulmanos. Declara-se o “fim do racismo em Portugal” como um dado historicamente adquirido e comprovado.

Outro elemento deste dream team tem três dívidas públicas na lista de execuções do Estado português, imagino eu que por alguns Mercedes ou algo do género. Um deles é acusado de xenofobia por uma dirigente do Chega de origem brasileira, e outro tem uma petição pública feita por militantes do partido para que seja afastado das listas. Dizem, e cito, “o mesmo demonstra uma impreparação total e uma falta de literacia e intelecto para se candidatar ao cargo de Deputado da Assembleia da República”. Com amigos assim, este deputado não irá longe.

Quanto a vocês não sei, mas a sensação que me dá é que o Big Brother está a dias de se transferir da Venda do Pinheiro para a bancada parlamentar do Chega. Ou o Ventura fala pelos 12 e mostra a inutilidade dos restantes, num partido que se percebe ser unipessoal, ou distribui a palavra e contribui para o boom da indústria de memes.

Se tivesse que apostar diria que, ao contrário da IL, o Chega está próximo do seu pico de crescimento.
Cecília Meireles falou ontem na CNN durante 12 minutos para explicar, em duas frases o que aconteceu ao CDS. O partido que se quis afirmar como a direita mais pura e conservadora, desistiu de falar para os portugueses e preocupou-se essencialmente com a discussão dos golpes palacianos. Pior, esgotou um tema tão abrangente como o mundo rural apenas em caçadores e touradas.

Cecília, de quem eu tinha ficado com uma boa impressão na comissão de investigação ao BES, disse no fundo o que todos já sabíamos: Chicão é um velho beato num corpo de 30 anos, com pensamentos típicos de quem está no Moçambique de 1963, achando-se um cristão decente porque deixa os empregados da sanzala comerem à mesa com o patrão.

Depois desta brilhante exposição, com a qual concordo, e que, em parte, já tinha escrito em crónicas anteriores neste jornal, Cecília Meireles disse que continuava a apoiar Nuno Melo.

Fiquei baralhado com o futuro deste CDS. Parecem querem sair de 1963 sem correrem o risco de verem 1974. Entre Chicão e Nuno Melo a diferença essencial está no racismo dito em voz alta. Que enorme travessia do deserto se adivinha para o CDS.

Que caminho sobra agora para o PSD? Um partido do sistema, com boys para colocar, clientelas dependentes e abutres à espera da TAP, em ano de bazuca, e com 71 almas no parlamento sem saberem muito bem o que fazer.

Se, quando foi necessário, Rui Rio não conseguiu fazer oposição, e se tornou no melhor amigo que Costa podia ter, como encarar agora estes quatro anos, sabendo que o dono da bola provavelmente não os deixará jogar?

António Costa pode ficar no cargo o tempo suficiente para se tornar o primeiro-ministro português com o maior número de anos em funções. O PSD sofre do mal de qualquer grande partido que passa muito tempo longe dos centros de decisão. As críticas internas multiplicam-se e as facções também.

Rui Rio conseguiu sempre derrotar os adversários internos, que não lhe deram grande descanso, diga-se, mas nunca conseguiu convencer o país de que estava preparado para o liderar. Tentou ao centro, e falhou. Tentou em terrenos da IL, e baralhou-se. Tentou normalizar o Chega, e selou o seu destino. O senhor que se segue, se fosse eu a escolher, seria Paulo Rangel. Na minha opinião representaria um corte definitivo com a extrema-direita e uma ameaça real à IL.

Dizem-nos que PCP e BE pagaram a factura do apoio à geringonça. Sinceramente, não acho que termine aí a dor da esquerda. Julgo que a rasteira do Orçamento, deixada por Costa, foi a imagem que ficou na memória mais recente. Chegamos, pois, ao cúmulo de o PS se preparar para aprovar um Orçamento de Estado, lembre-se, chumbado por quase todos os partidos em Dezembro passado, mas que ficou nas costas de comunistas e bloquistas.

O que se segue para ambos, agora com grupos parlamentares bem menores, caso queiram evitar o destino do CDS? São cenários diferentes na minha opinião. Em comum, o óbvio, devem voltar às políticas marcadamente de esquerda. À defesa dos trabalhadores, à luta nas ruas, ao combate frontal que fora do parlamento poderão fazer já que, lá dentro, o hemiciclo estará apenas com espectadores num jogo onde apenas o PS joga.

Colocar a estratégia para os próximos quatro anos na capacidade de diálogo de António Costa parece-me um risco desnecessário. Catarina Martins talvez tenha condições para continuar. Posso não gostar do estilo, mas reconheço a combatividade. Já Jerónimo não tem mesmo por onde seguir. Só por teimosia e absoluto conservadorismo é que Jerónimo de Sousa não sai já da liderança, abrindo caminho para João Ferreira. Ou até João Oliveira.

Se alguém me deixasse entrar no comité central para cinco minutos de prosa, pediria a Jerónimo para se despedir da Assembleia da República, receber a saudação e o respeito que todos lhe prestarão, mas, depois, deixar a renovação do PCP efectivamente acontecer. A hora já passou há muito, resta saber se num partido pouco maleável, alguém está disposto a dar um murro na mesa.

Rui Tavares é um parlamentar de quem espero algo bom, e, imagino, que possa beneficiar de um crescimento nas próximas eleições, em virtude da sua maior visibilidade a partir de agora. O Livre foi um projecto adiado por causa do caso Joacine Katar Moreira, mas, mesmo tendo que voltar à casa de partida, parece-me um projecto com alguma solidez para se manter na Assembleia da República.

Já o PAN, a não ser que António Costa lhes dê a mão como fez nos debates, não vejo como podem ganhar alguma relevância e inverter este ciclo de perda. Não há ideologia nem uma líder carismática ou de discurso cativante. A componente da Ecologia pode ser ocupada pelo Livre, e a maior parte das suas linhas programáticas são coincidentes com outros partidos, nomeadamente o PS. Só com as leis para os animais o discurso tender-se-á a esvaziar ainda mais.

A direita diz-nos que depois desta maioria do PS chegará a troika. A Moody’s, segundo notícias de hoje, parece contente e já faz contas à nossa dívida pública. Quando uma agência de rating começa a falar do nosso país, ainda que seja para elogiar, devemos logo esperar o pior.

O PS tem agora campo livre para cumprir o seu programa: aumento do salário mínimo, desdobramento dos escalões do IRS, creches públicas, a TAP, crescimento económico acima da média europeia, estabilidade na carreira de docente, semanas de trabalho de quatro dias, aumento do rendimento médio em 20%, redução da dívida para 110% do PIB e alteração de leis para a dignidade no trabalho.

Não sei onde estaremos daqui a quatro anos, mas, uma coisa é certa: de todas as desculpas para as falhas no cumprimento do programa, a única que o PS não poderá invocar será a do número de votos no Parlamento.

A manhã de dia 31 foi gloriosa para António Costa e para o PS. Pedro Nuno terá que esperar mais uns anos, e não há quem levante a voz internamente depois de uma vitória destas. Em democracia aceita-se tudo o que as urnas nos dizem, e, por isso, viveremos em regime de quero, posso e mando.

Regra geral, em Portugal, a população não beneficia com isso, já as clientelas costumam gostar muito.

O povo escolheu e o voto é soberano. Agora é aguentar.

Engenheiro de desenvolvimento na EcarX (Suécia)


Décimo sexto episódio da Recensão Eleitoral (01/02/2022) – O dia seguinte de cada partido


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