Vacina contra a covid-19 “perde gás”. Número de “não-vacinados” triplica

Dois em cada cinco: quase 1,7 milhões de portugueses com mais de 50 anos disseram não ao reforço sazonal

silhouette of road signage during golden hour

por Pedro Almeida Vieira // Janeiro 14, 2023


Categoria: Exame

minuto/s restantes

O desinteresse pelo reforço sazonal das vacinas contra a covid-19 é evidente, mesmo nas populações menos jovens. De acordo com os números oficiais, quase 40% dos maiores de 50 anos optaram por não tomar a dose de reforço recomendada pela Direcção-Geral da Saúde (DGS). No grupo dos 50 aos 59 anos, os “não-reforçados” chegam a ser maioritários (58%). A fraca adesão levou ontem a DGS a possibilitar os boosters aos menores de 50 anos, mas já a entidade ainda liderada por Graça Freitas já nem faz recomendação, diz apenas ser uma decisão da esfera individual. Entretanto, nos Estados Unidos surgiu ontem um alerta sobre um eventual risco de acidentes vasculares cerebrais para as novas vacinas bivalentes da Pfizer.


A Direcção-Geral da Saúde (DGS) decidiu ontem disponibilizar a segunda dose de reforço da vacina contra a covid-19 para os menores de 50 anos, numa altura em que os centros de vacinação registam uma quebra acentuada na administração das doses de reforço.

O anúncio, feito ontem, decorre de uma actualização da norma da Campanha de Vacinação Sazonal que tem a particularidade de não recomendar directamente a vacinação de pessoas saudáveis neste grupo etário, deixando inteiramente a responsabilidade ao vacinado.

O comunicado da entidade ainda liderada por Graça Freitas diz, desta vez, através de uma cirúrgica alteração de uma norma que “poderão ainda ter acesso ao reforço sazonal as pessoas entre os 18 e os 49 anos de idade que, não cumprindo com os critérios da Tabela 1 [abrangendo maiores de 50 anos, pessoas vulneráveis e profissionais de saúde e de lares], queiram ser vacinadas após ponderação individual do benefício-risco”. Ou seja, até a recomendação caiu.

À decisão das autoridades de saúde não será alheio o crescente desinteresse dos portugueses na campanha de reforço sazonal, que resultará em parte de uma desconfiança crescente sobre a eficácia e benefícios da vacina contra a covid-19, e que tem sido alimentada por uma intolerável cultura de obscurantismo oficial. As autoridades de saúde portuguesas (DGS, Infarmed e Ministério da Saúde) têm estado a esconder informação sobre efeitos adversos das vacinas e sobretudo sobre as causas do excesso de mortalidade total dos últimos anos.

Os números oficiais da campanha sazonal não deixam margem para dúvidas. De acordo com o mais recente relatório de resposta sazonal em saúde, divulgado ontem pela DGS, as últimas duas semanas de 2022 e a primeira de 2023 receberam uma muito baixa adesão para administração da nova dose de reforço – isto é, na maior parte dos casos, a quarta dose desde finais de 2020.

Evolução do número de doses do reforço sazonal desde a semana 35 (início de Setembro) de 2022 por grupo etário. Fonte: DGS.

No total, nem sequer chegaram às 100 mil doses administradas em três semanas, confirmando-se assim a fraca adesão do grupo etário dos 50 aos 59 anos, cuja campanha se iniciara em 10 de Novembro passado, após um período de vacinação dos mais idosos iniciado em Setembro.

Embora as autoridades de saúde ainda tenham conseguido uma forte adesão dos maiores de 70 anos para a toma de mais uma dose, já se percepcionava um maior desinteresse ou mesmo desconfiança nos mais idosos. Comparando as taxas de vacinação entre o primeiro reforço (que em regra ocorreu entre finais de 2021 e inícios de 2022) e o agora reforço sazonal, observa-se uma queda de 19 pontos percentuais para os maiores de 70 anos. No caso dos maiores de 80 anos passou de 97% para 78%, enquanto no grupo dos 70 aos 79 anos desceu de 100% para 81%.

A descida ainda foi maior nas faixas etárias antecedentes. No grupo dos 60 aos 69 anos, apenas 63% decidiu, até agora, fazer o reforço sazonal, quando antes 94% tinha decidido vacinar-se com mais uma dose entre finais de 2021 e inícios de 2022. E no caso dos 50 aos 59 anos, o desinteresse ainda tem sido maior: no recente relatório da DGS indica-se que apenas 42% se vacinaram com dose de reforço sazonal.

Deste modo, considerando dados estratificados populacionais do Instituto Nacional de Estatísticas (a DGS não indica intencionalmente os valores que permitem calcular as percentagens por si indicadas), quase duas em cada cinco pessoas (38%) deste grupo etário, agregando cerca de 4,5 milhões de portugueses, optaram por não receber a dose de reforço sazonal.

Situação vacinal por grupo etário dos maiores de 50 anos no primeiro reforço e na campanha de reforço sazonal, atendendo às percentagens indicadas pela DGS e em função da população residente em 2020. Fonte: DGS e INE. Análise: PÁGINA UM.

Em concreto, de acordo com os cálculos do PÁGINA UM, na faixa dos maiores de 50 anos terão sido administradas quase 2,8 milhões de doses (62%) durante a denominada Campanha de Vacinação Sazonal, número contrasta com as 3,9 milhões de doses no primeiro reforço entre finais de 2021 e inícios de 2022.

Significa assim que o grupo classificado como “não-vacinado” – ou seja, que falha um reforço recomendado – está a engrossar cada vez mais. Considerando que na faixa dos maiores de 50 anos se contabilizavam cerca de 580 mil que não tinham tomado pelo menos uma dose de reforço – e a DGS indicava que, antes disso, 100% deste grupo etário tinha cumprido o esquema vacinal inicial –, verifica-se então que esse número quase triplicou, passando para quase 1,7 milhões.

Com a abertura da vacinação para os menores de 50 anos será assim expectável uma ainda menor adesão face ao primeiro reforço no período de 2021-2022. Segundo os dados da DGS, há um ano, aquando do primeiro booster, 76% do grupo dos 40 aos 49 anos tinha decidido tomar nova dose, descendo essa percentagem para os 62% no grupo dos 25 aos 39 anos e para os 56% dos 18 aos 24 anos. Aparentemente, a DGS abandonou definitivamente a ideia de reforços em adolescentes e crianças, embora continue a não apresentar as consequências neste grupo etário do processo de vacinação que decorreu entre o Verão de 2021 e inícios de 2022.

O crescente desinteresse dos portugueses em relação à vacina contra a covid-19, contudo, terá uma consequência financeira: até Outubro do ano passado, o Governo português já comprara quase 45 milhões de doses de vacinas contra a covid-19. Entre administrações, vendas e doações, o stock era então de 9,5 milhões de doses. Como na actual campanha sazonal se terá gastado cerca de menos 1,1 milhões de doses do que o previsto, significa que existe um risco de perderem a validade, excepto se forem doadas para países terceiros.

men and women on street

Aliás, ignora-se ainda quais as condições de compra de vacinas assumidas pelo Governo português, desconhecendo-se quais os compromissos de aquisições futuras, uma vez que o Ministério da Saúde está a esconder os contratos. O PÁGINA UM entrou, no último dia do ano passado, com processo de intimação no Tribunal Administrativo de Lisboa contra o ministério tutelado por Manuel Pizarro para aceder a esses documentos administrativos.

Entretanto, também ontem, a agência norte-americana Centro de Controle e Prevenção de Doenças (CDC) decidiu lançar um comunicado público, no decurso de um alerta do seu sistema de vigilância, informando ter solicitado uma investigação adicional sobre um eventual risco acrescido de acidentes vasculares cerebrais (AVC) isquémicos em maiores de 65 anos que receberam a vacina bivalente da Pfizer-BioNTech, ou seja, a nova vacina contra a variante original e a Ómicron.

Embora o CDC sugira, por agora, ser “muito improvável” que haja “um verdadeiro risco clínico”, sabe-se que o alerta surgiu após se ter constatado a ocorrência de 130 casos de AVC entre os 550 mil idosos que tinha tido reforços da vacina bivalente da Pfizer. Nenhum terá morrido.

O jornalismo independente DEPENDE dos leitores

Gostou do artigo? 

Leia mais artigos em baixo.