Há uma enorme responsabilidade em falar de um dia, ainda mais se esse dia foi adoptado por grande parte do Mundo para lembrar uma luta (uma opressão), uma reivindicação (uma morte), enfim, pessoas.
Quando milhares de operárias, algumas antes mesmo de terem sufrágio, começaram as suas marchas por mais respeito e iguais condições de trabalho, estas nossas bisavós não poderiam imaginar que hoje o dia 8 de Março era engolido por pequenos gestos vazios, uma rosa, um dizer de postal de cartão, uma campanha de marketing.
As nossas bisavós e avós que deixavam a saúde e a vida em chão de fábrica, em tinas industriais de lixívia, em suor, miséria e abuso sexual, não poderiam imaginar que hoje se poria em hipótese suprimir o feminino das palavras, anular o sexo biológico ou existir uma invasão dos espaços seguros das mulheres, desde a casa de banho pública ao acesso a uma bolsa universitária por mérito atlético.
As nossas mães não poderiam sonhar que em nome da empatia com outros grupos oprimidos, haveria quem achasse legítimo rasurar a maternidade, rebaixar-nos à classificação de “portadoras de útero” ou “pessoas gestantes”.
Os leitores de sensibilidade (existem, eu também não acreditava) têm estado a rever a matriz que nos educa e concluíram que a mulher já não deve ser protegida, defendida ou exaltada. Supostamente, a bem da igualdade.
Então assim, na geração em que ainda falta tanto fazer, vemo-nos a braços (mulheres e homens) com mais uma agressão.
Podemos enumerar as vítimas de violência doméstica, abusos de anos, escravatura, mortes violentas.
Podemos enumerar as vítimas de violência obstétrica, mulheres que muitos profissionais de saúde ainda tratam como meros portais de passagem do bebé, (um buraco), corpos serrados a meio para deixar passar outro.
Podemos enumerar as vítimas de abusos laborais, grávidas e mães que são despedidas por serem consideradas força de trabalho manca, mulheres que são escrutinadas e julgadas pela aparência, que são desconsideradas e assediadas.
Pelos vistos é preciso ter sorte, dizem.
Isso não é aqui, ouço também.
Sabem o que é o “ponto do marido”?
(É um buraco, é um buraco, é um buraco.)
Dia 8 de Março, eu faço uma pausa em silêncio pela luta das nossas bisavós, avós, mães. Mulheres, de onde todos nós viemos.
Não somos iguais não. Nem tampouco superiores ou inferiores. Somos diferentes.
Podia falar-vos de correntes feministas, evolução histórica dos diferentes grupos, diferentes lutas, tensões entre as mulheres afro americanas e as mulheres brancas nos Estados Unidos, a união de forças com os grupos LGB (houve quem lhe chamasse ameaça lavanda) e agora o aguar da definição de “mulher” pelo activismo trans.
Podia até dar-vos uma opinião bem vincada sobre isso, tenho-a na devida medida, o cinzento está lá no meio do arco-íris, mas há um novo ataque às mulheres sim. E as nossas filhas estão de novo em risco porque cometemos erros. Porque pensamos que as conquistas estavam garantidas.
Não estão.
Se derem uma flor, não escolham a rosa.
Se assinalarem o dia experimentem fazê-lo a reflectir sobre a diferença entre a mulher e o homem.
Por isso é que há um dia internacional da mulher.
Mariana Santos Martins é arquitecta
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