Terreiro do Paço

Supremo Tribunal de Justiça espetou três placas fora da lei em pleno Monumento Nacional

por Frederico Duarte Carvalho // Fevereiro 21, 2022


Categoria: Exame

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A caminhar para os dois séculos de implantação da sede no Terreiro do Paço, o Supremo Tribunal de Justiça decidiu identificar-se agora melhor através de três gigantes placas em acrílico e alumínio, “pregadas” em plenas arcadas de um Monumento Nacional. A Direcção-Geral do Património Cultural (DGPC) diz ter sido apenas “informalmente” informada da pretensão, mas não concedeu qualquer autorização. Uma ilegalidade certa numa decisão de gosto estético muito duvidoso.


Olha-se e não se acredita. O Supremo Tribunal de Justiça (STJ) lembrou-se, ao fim de quase 188 anos de existência na ala nordeste da Praça do Comércio, de mandar espetar três placas identificativas entre as colunas das arcadas de um Monumento Nacional. E sem autorização da Direcção-Geral do Património Cultural (DGPC), contrariando o que manda a lei.

O STJ é uma instituição judicial que trata dos recursos em processo penal e civil em última instância, tendo poder também em julgar o presidente da República, presidente da Assembleia da República e primeiro-ministro, por crimes praticados no exercício das suas funções, e ainda de juízes e magistrados do Ministério Público dos tribunais superiores.

Embora o Terreiro do Paço – denominação popular que advém da existência do antigo Paço Real, destruído pelo terramoto de 1755 – já não seja agora o centro do poder do país, estando já ocupado por muitos estabelecimentos comerciais, como restaurantes e hotéis, o STJ não é um deles. E nem tem, no sentido estrito do termo, porta aberta ao público.

No século XVIII lisboeta, não havia acrílicos nem alumínios.

As placas agora colocadas na ala nordeste na oficialmente chamada Praça do Comércio, a identificar o STJ, são visivelmente mais intrusivas nas colunas do que as de alguns restaurantes ao longo dos edifícios do lado nascente e poente, todos integrados no conjunto arquitectónico do Monumento Nacional, classificado em 16 Junho de 1910, pouco antes da queda da Monarquia.

A única placa semelhante às do STJ encontra-se no extremo oposto da Ala Nordeste, e identifica a Pousada Lisboa, do grupo turístico Pestana. Tal como as placas do STJ, é formada por uma estrutura transparente com barras de metal fixas nas colunas centenárias. Se no caso da pousada ainda se pode argumentar a necessidade comercial de informar o público, o mesmo não se pode dizer do STJ. Além disso, há muito que esta instituição judicial tem a devida identificação na parte superior da vetusta porta principal.

As três placas do STJ provocam ainda um notório desequilíbrio arquitectónico da ala nordeste, fronteira às instalações do Ministério da Justiça na ala vizinha. E, aí, não houve qualquer necessidade de colocar placas como aquelas que o STJ achou agora por bem pregar.

Supremo Tribunal de Justiça não quis ficar atrás de hotel e restaurante e encheu arcaria. Ninguém autorizou.

Para além de não terem grande utilidade informativa, e tirarem o equilíbrio paisagístico/arquitectónico a uma das mais belas praças mundiais, visitada diariamente por milhares de turistas, as placas não obtiveram a devia autorização da entidade máxima da gestão do património português: a Direcção-Geral do Património Cultural (DGPC), tutelada pelo Ministério da Cultura.

Esta entidade tem a incumbência de supervisionar e autorizar a conservação de monumentos, imóveis ou conjuntos de imóveis e sítios de interesse público ou municipal de âmbito cultural, baseando a sua acção sobretudo através de uma lei de bases do início do presente século (Lei 107/2001 de 8 de Setembro). E é aí que a acção do STJ se mostra e demonstra contrária à lei.

Por exemplo, no número 2 do artigo 11º determina-se que “todos têm o dever de defender e conservar o património cultural, impedindo, no âmbito das faculdades jurídicas próprias, em especial, a destruição, deterioração ou perda de bens culturais”.

1, 2, 3… e, nesta ala, ainda estão oito arcos livres de acrílicos e alumínios.

É um artigo vago, mas o artigo 41º já parecer ser muito mais explícito. Referente a “Inscrições e afixações”, estabelece que “é proibida a execução de inscrições ou pinturas em imóveis classificados” acrescentando ser igualmente proibida “a colocação de anúncios, cartazes ou outro tipo de material informativo fora dos locais ali reservados para a exposição de elementos de divulgação das características do bem cultural e das finalidades e realizações a que corresponder o seu uso, sem autorização da entidade responsável pela classificação”.

Ainda noutro artigo, o 45º, referente a “Projectos, obras e intervenções”, prevê-se que “os estudos e projectos para as obras de conservação, modificação, reintegração e restauro em bens classificados, ou em vias de classificação, são obrigatoriamente elaborados e subscritos por técnicos de qualificação legalmente reconhecida ou sob a sua responsabilidade directa”, acrescentando-se ainda que, “concluída a intervenção, deverá ser elaborado e remetido à administração do património cultural competente um relatório de onde conste a natureza da obra, as técnicas, as metodologias, os materiais e os tratamentos aplicados, bem como documentação gráfica, fotográfica, digitalizada ou outra sobre o processo seguido”.

Por fim, no artigo 51º, referente a “intervenções”, é frisado que “não poderá realizar-se qualquer intervenção ou obra, no interior ou no exterior de monumentos, conjuntos ou sítios classificados, nem mudança de uso susceptível de o afectar, no todo ou em parte, sem autorização expressa e o acompanhamento do órgão competente da administração central, regional autónoma ou municipal, conforme os casos”.

Embutido em pedra.

Ora, segundo informações recolhidas pelo PÁGINA UM junto da DGPC, o STJ terá solicitado em Agosto do ano passado, e apenas “informalmente” – leia-se, sem ser por ofício ou outro documento administrativamente válido –, uma “posição sobre a adequabilidade de uma proposta de sinalética exterior de identificação da instituição, a colocar nas arcadas da Praça do Comércio, segundo uma solução similar a uma outra colocada nas proximidades”.

Acontece que a DGPC nem sequer se tinha pronunciado relativamente a qualquer suposta “solução de referência” e “não concordava com as soluções existentes no local nas alas nascente e poente da praça”, apesar de nada ter feito para alterar a situação. Em causa estarão as placas que identificam os estabelecimentos comerciais a funcionar nos pisos térreos dos três edifícios que compõem o conjunto arquitectónico do Terreiro do Paço, que remontam ao tempo da reconstrução da Baixa Pombalina.

Acrescenta ainda que o organismo estatal até “desconhecia a existência de um plano ou normas gerais para o local por parte do Município de Lisboa, pelo que diz agora ter “solicitado à Câmara Municipal de Lisboa (CML), via e-mail de 25 de Agosto de 2021, os esclarecimentos tidos por conveniente sobre a matéria”. A resposta da autarquia chegou a 7 de Setembro, através da Divisão de Gestão de Projetos do Espaço Público, informando que “as questões colocadas seriam da competência dos serviços de licenciamento do município, pelo que não haveria possibilidade de aferição da situação”.

Independentemente disto, a DGPC afirmou ao PÁGINA UM que, embora informada sobre a pretensão do STJ, “não emitiu qualquer parecer prévio e vinculativo sobre a sinalética colocada, atendendo à classificação da Praça do Comércio enquanto Monumento Nacional, através do Decreto de 16/06/1910”. E diz ainda ter solicitado “os devidos esclarecimentos junto do STJ e da CML”.

O PÁGINA UM pediu ao STJ que explicitasse as diligências tomadas junto da DGPC, e se estaria em condições de garantir que a colocação das placas seguiu os preceitos legais determinados pela lei do património culturais. No dia 9 deste mês, os serviços de Comunicação do STJ responderam que “estamos a recolher todos os elementos relacionados com o assunto”. Uma semana mais tarde, após insistência, repetiu a mesma resposta.

Também a Câmara de Municipal de Lisboa foi contactada pelo PÁGINA UM. Fonte da vereação da Cultura remeteu a explicação para a Junta de Freguesia de Santa Maria Maior. Contactada esta edilidade, liderada pelo socialista Miguel Coelho, foi dito que, dadas “as especificidades do local, um Monumento Nacional, e sendo uma placa de identificação institucional, e não de publicidade, a Junta não tem competências de autorização”. De igual modo, a Pousada Pestana – que pregou placa similar à do STJ – não respondeu ao pedido de esclarecimentos do PÁGINA UM.

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