Visto de fora

O tempo das sanções

person holding camera lens

por Tiago Franco // Fevereiro 23, 2022


Categoria: Opinião

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As declarações de Putin, reconhecendo a independência dos territórios no leste da Ucrânia, geraram uma multiplicação de reuniões e respectivas reacções dos decisores políticos.

Nas Nações Unidas, o representante ucraniano disse que não dariam nada a ninguém. O russo avisou o Ocidente para uma reflexão antes de começarem com sanções, que é como quem diz, depois não digam que não avisei.

Os Estados Unidos avisaram que as tropas russas, ao contrário do afirmado por Putin, não são forças de paz, mas sim invasores.

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As Nações Unidas, aqui que ninguém nos ouve, servem para muito pouco.

Basta ver que há mais de 50 anos, por voto favorável de apenas dois países, contra os restantes cento e tal, o embargo a Cuba não é levantado.

O Reino Unido também mostra as garras, e o good old Boris lançou já uma série de sanções a cinco bancos e três milionários russos. Felizmente Abramovich pediu passaporte português aqui há uns tempos, senão, digo eu, lá iria a Premier League ao fundo. É que é importante fazer muito alarido, dar a sensação que se está a mudar algo, mas, no essencial, deixar tudo na mesma enquanto os impérios se entendem.

A União Europeia também impôs sanções, nomeadamente ao Nord Stream 2 – o famoso abastecimento de gás, que resulta numa grande fonte de rendimento para Moscovo. E já agora, que fornece uns bons banhos quentes na Finlândia, Bulgária, Eslováquia, Alemanha, Itália, Polónia e França, sem passar pela Ucrânia.

Joe Biden não quer o Nord Stream 2 a funcionar, pois acabará por amarrar os alemães, e, já se sabe, sem os alemães a Europa não decide seja o que for.

Aliás, a União Europeia dá, neste momento, uma imagem de fraqueza confrangedora nesta luta de interesses entre russos e americanos, via NATO. Polónia e Ucrânia dificultam sempre que lhes interessa a passagem de gás russo para a Europa. É por estes territórios que é hoje feito o abastecimento. A Ucrânia, mais concretamente, até já bloqueou a passagem prejudicando países da União Europeia.

Contudo, neste momento de aflição, exigem que a União Europeia boicote um abastecimento de gás que não dependeria dos interesses ucranianos… é, no mínimo, curioso.

Mas como é essa a vontade dos Estados Unidos, via NATO, a União Europeia faz.

Os cidadãos europeus que lidem com o que aí vier. Depois do gás, veremos o aumento do preço do petróleo, também fornecido pela Rússia a alguns países da União Europeia.

Somos uns meros peões neste tabuleiro de reis e rainhas.

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Portugal, na voz do nosso Marcelo, já repudiou veemente as acções russas. Julgo que terá sido a gota de água para Putin. Uma coisa é receber uns milionários recambiados de Londres, ou ter que fechar a torneira do gás. Outra é o repúdio do Marcelo. Um homem não é de ferro.

Putin fez, durante uma hora, um discurso inenarrável, que, entre outras coisas, afirmou que os ucranianos não se conseguiam governar sem ajuda externa. Ou seja, estão mesmo a pedir uma anexação para se organizarem. Já os Estados Unidos vêm com bons olhos o aumento do preço dos combustíveis na Europa, mais dificuldades para as populações e a abertura de uma linha de crédito para continuarem a armar os ucranianos.

Portanto, pergunto-me se, nesta disputa de interesses entre duas potências, com a China a observar, há ainda alguém que acredite num confronto entre o Bem e o Mal.

Não. Nada disso. Há negócio e interesses. Os ucranianos podem esperar.

Engenheiro de desenvolvimento na EcarX (Suécia)


N.D. Os textos de opinião expressam apenas as posições dos seus autores, e podem até estar, em alguns casos, nos antípodas das análises, pensamentos e avaliações do director do PÁGINA UM.

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