VISTO DE FORA

Costa passa, Marcelo apara no peito, e chuta…será golo?

person holding camera lens

por Tiago Franco // Maio 4, 2023


Categoria: Opinião

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É tempo de levantarmos os nossos copos e brindarmos a António Costa.

Pode ele não ser grande coisa a escolher ministros, a ouvir recomendações para combater pandemias ou a decidir o melhor trato para dar ao dinheiro dos nossos impostos – mas é um ás a esgrimir a espada dos bastidores da política.

Ainda Pedro Nuno Santos afirmava, em direto, onde ficaria o novo aeroporto, e Cabrita acelerava como se não existisse amanhã – e já António Costa bailava pelos pingos da chuva ácida sem nunca se queimar.

Não lhe aprovaram o Orçamento de Estado – e foi a eleições, novamente, para passar de uma maioria relativa para absoluta. Meteu Rui Rio num bolso e usou o Chega com a mestria de aprisionar a direita. Quando as sondagens lhe deram empate técnico durante uma semana, foi vencendo a retórica dos debates e nunca perdeu o rumo.

Com a maioria do Parlamento, passou, ao contrário do que se esperava, a gerir escândalos semanais sem sujar as mãos.

Ventura grita pela queda do Governo a cada problema com um secretário de Estado. Montenegro chama Costa à pedra em cada calinada de ministro.

Mas Costa não cede. Fala quando quer, como quer e com quem quer. Com o governo a ser devorado pelos escândalos da TAP, António Costa consegue planar sobre os destroços. Ora apresenta um programa para a habitação, ora anuncia mais uma ajuda financeira pontual.

Não há rumo, não há terra à vista. Navega-se ao sabor do vento. Todas as semanas cai alguém, desconfia-se de alguém, substitui-se alguém.

Eu deixei de contar os casos há algum tempo, até porque não tenho memória para tanto. O PS tomou conta deste pequeno quintal a que chamamos Portugal e reina – reina é a palavra – a seu bel prazer, fazendo de cada ministério a sala de estar lá de casa.

Quando se pensava que tínhamos batido no fundo – com ministros, deputados e assessores a ensaiarem respostas com a CEO da TAP, antes do inquérito na comissão parlamentar –, conseguimos, ainda assim, cavar mais fundo. Há agressões num ministério, computadores roubados, um assessor que está pronto a contar as maroscas e um Galamba totalmente em xeque.

Ninguém, no seu perfeito juízo, pensava que António Costa aguentaria o ministro. A situação estava muito para lá do aceitável, mesmo se pensarmos na Escala Cabrita.

Mas Costa surpreendeu – bailou. E fez uma jogada de mestre, no que a política diz respeito. Arranjou um conflito com o Presidente da República para defender o jovem turco. Não é que Galamba seja ouro raro, mas, de momento, dá um jeito enorme. O ónus da culpa ficou no assessor, que é arraia-miúda e não deverá fazer grande estrago.

Marcelo, que defendia a demissão de Galamba, foi desautorizado, e assim capitalizou o foco dos media. De uma assentada, deixámos de falar na greve dos professores, na miséria que a guerra da Ucrânia e as taxas de juro nos estão a trazer, da TAP, dos custos da habitação, do IVA zero, da inflação e dos baixos salários.

Toda a agenda política e todos os problemas que afectam os portugueses desapareceram do ar. Lembrem-se: o que não aparece na televisão, não existe.

Costa repetiu o clássico movimento de desviar as atenções. Um pouco como a Argentina em 1982: a braços com uma grave crise financeira e violentos protestos nas ruas, decidiu o Governo invadir uma ilhota, ali ao lado, onde viviam uns cem ingleses. O resultado final foi o que se sabe, porque a Dama-de-Ferro não era de grandes azeites – mas, por uns meses, a pátria uniu-se num desígnio comum.

Agora, é Costa que aproveita o caótico momento do Governo e usa Galamba para uma jogada de mestre: passa a bola para Marcelo, e o nosso comentador preferido, mal acabe aquele gelado de framboesa e limão, terá várias batatas quentes para descascar. Com as mãos.

Se Marcelo optar pela queda do Governo, coloca Costa no papel de vítima, da vítima que ficará impossibilitado de executar o Programa de Governo, o PRR e por aí fora. Fica ainda com o peso de poder ter transportado a extrema-direita para o arco da governação.

Se fingir que não vê nada, Marcelo coloca-se no papel de bibelot de Belém e deixará de ter relevância até ao fim da sua magistratura.

Aconteça o que acontecer, Costa ganha. E enquanto vai e vem o pau, folgam as Costas – ou seja, abranda a contestação ao Governo.

E tudo isto pelo preço de um Galamba. Não está mau, não está nada mau.

Tem, entretanto, a palavra Marcelo, hoje, às 20 horas desse fuso horário de Lisboa.

Vamos a apostas? Eu digo que não lança a bomba atómica: um gelado é sempre bom conselheiro.

Tiago Franco é engenheiro de desenvolvimento na EcarX (Suécia)


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