A excelente oportunidade que António Costa criou, com a não aceitação da demissão de João Galamba, falhou por pouco.
Conseguiu, ao fim de anos, colocar o Presidente da República no seu lugar.
Fez com que este deixasse de o ver como um seu ex-aluno e proibiu-o de se tornar a imiscuir nas decisões que competem ao Primeiro-Ministro. Isto depois de ter engolido dezenas de sapos vivos aceitando, sem reagir, os “ralhetes” aos seus ministros, ser forçado a demitir membros do Governo, e concordando com a indicação de prioridades na governação do país.
Ao entrar em litígio com o Presidente, ao fim de dezenas de ameaças, primeiro veladas, depois claras e, por fim, ameaçadoras, de dissolução da Assembleia da República, o Primeiro-Ministro, parece-me óbvio, queria mesmo que o Presidente passasse da ameaça aos factos e levasse à queda do Governo.
Para um estrangeiro, parecerá inverosímil que o líder de um Governo, para mais com maioria absoluta, deseje que o Presidente da República use a “bomba atómica” e o retire do Poder.
A verdade é que só o PS e o Chega ganhariam com essa medida. E eram os únicos Partidos a defendê-la.
E até houve um momento em que (coitados!) acreditaram que Marcelo cumpriria uma das suas ameaças.
Os portugueses percebem que a dissolução da Assembleia da República, com a obrigatoriedade de novas eleições, seria ouro sobre azul para o Partido Socialista.
Analisemos:
Fim da Comissão de Inquérito à TAP, o grande pesadelo do PS neste momento.
Novas eleições num momento em que, por incrível que possa parecer, lhe era vantajoso.
Isto porque o PSD tem um líder que não conseguirá ser eleito nem para presidir a uma Junta de Freguesia.
O Chega, se crescer, será com os votos roubados aos sociais-democratas, e à Iniciativa Liberal, e não aos Socialistas.
O Bloco de Esquerda veria a sua votação cair a pique pela necessidade do voto útil.
O Partido Comunista e a Iniciativa Liberal, depois da eleição dos seus novos líderes (tal como 90% dos portugueses nem sequer sei os nomes dos rapazes), tornar-se-iam ainda mais irrelevantes.
O PAN e o Livre, teriam o mesmo destino do CDS e cederiam os seus lugares a deputados de partidos a sério.
A tendência, em momentos de crise, é deixar de ligar a experimentalismos ou modismos.
Acredito que António Costa sairia mais reforçado de umas novas eleições do que com a actual maioria absoluta.
Verdade seja dita que o Primeiro-Ministro é o grande culpado por não ter aproveitado a confiança que o Povo lhe deu nas últimas eleições.
Seria a altura exacta, num momento em que ninguém se atreveria a discutir qualquer escolha sua, de renovar o habitual conceito na constituição de governos.
Podia, e devia, ter criado uma equipa forte, com um programa ambicioso e inovador.
Seria possível conseguir gente capaz, e com provas dadas, que aceitasse integrar um grupo com essa estrutura e objectivos.
Encontraria, com toda a certeza, mesmo fora do seu partido, uma dúzia de homens e mulheres com esse perfil. E ninguém se atreveria a contestá-lo.
Ao optar, de novo, pelos militantes provenientes da juventude socialista, rapaziada sem vida, sem curriculum, sem qualquer experiência digna desse nome, perdeu uma ocasião única de fazer um mandato excelente.
Tudo em nome do partido, deixando para segundo lugar o País.
Mais, sujeitou-se ao aparecimento de casos como os que acabaram por surgir.
Dificilmente, verdade seja dita, alguém poderia supor que o nível dos escolhidos fosse tão baixo, a roçar a criancice.
Mas era um risco que, quem tinha todo o poder na mão, não deveria ter corrido.
Percebem-se algumas cedências quando há que negociar. Ter a maioria absoluta e não a usar, para o que é fundamental, é inadmissível.
Costa sabe que errou nesse ponto.
Tentou, agora, uma segunda oportunidade.
Fazer uma remodelação, que reforçasse o Governo, neste momento, não era possível.
Com o que se passa na Comissão de Inquérito sobre a TAP só um louco aceitaria integrá-lo.
Daí que a remodelação fosse vista como uma solução pelo exposto acima.
Como seria de esperar, todavia, Marcelo não cumpriu as suas ameaças e optou por fazer outras.
Quem quiser que o leve a sério.
No fim de tudo, só o país ficou a perder porque o Governo não melhorou, o Presidente, que já tinha pouca credibilidade, perdeu o seu espaço de manobra – embora toda a Oposição, por razões óbvias, diga o contrário – e o desfile de vergonhas vai continuar na Assembleia da República.
A única vantagem é que António Costa se emancipou perante Marcelo.
Se este, a partir de hoje, se remeter ao papel que lhe compete, já não se perde tudo.
Mas, há que reconhecer, Costa falhou por pouco.
Vítor Ilharco é secretário-geral da APAR – Associação Portuguesa de Apoio ao Recluso
N.D. Os textos de opinião expressam apenas as posições dos seus autores, e podem até estar, em alguns casos, nos antípodas das análises, pensamentos e avaliações do director do PÁGINA UM.