Khader Adnan, um activista palestiniano, preso desde Fevereiro numa prisão israelita, morreu, nessa mesma prisão, no dia 2 de Maio, ao fim de 87 dias em greve de fome.
Khader protestava pela forma como tinha sido detido e mantido em cativeiro, sem qualquer acusação formal. Ou como as forças de segurança israelitas costumam dizer, uma quarta-feira no escritório.
A semana que se seguiu à morte do activista palestiniano foi de protesto popular nas ruas da Cisjordânia e, segundo Israel, de ataques vindos da faixa de Gaza (rockets).
A escalada de violência não tardou e, como é habitual nestas situações, Israel arrasou tudo à sua passagem: matou líderes da resistência palestiniana, civis, mulheres e crianças.
Entre as tricas do Galamba, a eterna contra-ofensiva ucraniana e a maldita inflação, não vi grande destaque sobre mais este crime perpetrado pelo mais antigo invasor ainda em actividade.
É, aliás, sintomático dos tempos que correm: discutimos até à exaustão uma guerra que não é nossa e enchemo-nos de moral para defender o David do Golias russo, o invasor que a todo custo queremos impedir de ficar com o Donbass.
Parece-me um bom princípio, e até dou de barato o verdadeiro despique entre impérios às custas do povo ucraniano, que não tem qualquer peso na decisão do seu próprio destino. Combatem uma guerra enquanto os patrocinadores assim o entenderem. No dia em que não forem úteis, ficarão sozinhos.
Mas o princípio é bom. Respeitar a integralidade territorial dos vizinhos é sempre uma boa forma de manter a paz no bairro.
Nada disso se aplica aos palestinianos há pelo menos sete décadas. A nossa indiferença mantém-se olimpica e historicamente inalterada. Nem para notícia de rodapé estes desgraçados servem.
Ter dois milhões de pessoas a viverem em 365 quilómetros quadrados (a dimensão da Faixa de Gaza), completamente enclausurados e vigiados pelos carcereiros, é uma situação de normalidade a que o Mundo se habituou. Já nem pensamos sequer no horror que é viver numa prisão a céu aberto.
De igual forma, mudamos de canal quando aparecem mães aos gritos com crianças mortas no colo em Rafah. Há quantos anos vemos essas imagens? Isto quando aparecem sequer no jornal da noite… Alguém se lembra de um painel de especialistas militares, comentadores e empregados de mesa da NATO a debaterem o tema em horário nobre, numa qualquer televisão portuguesa?
Não. Claro que não. É absolutamente normal ouvirmos, ainda que brevemente, relatos de semanas como esta. Semanas em que voam rockets de Gaza para Jerusalém ou Telavive, tranquilamente anulados pelo Iron Dome (sistema de defesa israelita), e respostas da força aérea na Faixa de Gaza, aniquilando tudo à sua passagem. Homens, mulheres, crianças. Velhos, novos, civis ou combatentes. Vai tudo.
Aqui não existe um David ou sequer um Golias. Existe um povo ocupado, vigiado 24 horas por dia, com regras para entrar e sair de casa e, pior do que isso, bombardeado regularmente num território sem escapatória possível.
Quem procura justificar os crimes de Israel, nos colonatos da Cisjordânia ou na faixa de Gaza, está no nível intelectual de quem mete veneno num aquário e se admira por os peixes não conseguirem escapar com vida.
Esta semana, com a cumplicidade do nosso silêncio e desinteresse, foi mais uma de reacções desproporcionadas nesta guerra desigual. Foi mais uma semana que a uma chapada se respondeu com um martelo. Mais uma semana com zero mortes de um lado e dezenas do outro. Mais uma semana com prisões, violência e encarceramentos sem qualquer acusação ou fundamento legal.
Foi, essencialmente, mais uma semana em que o Estado de Israel disse ao Mundo que faz o que quiser na região e não dá contas a ninguém, que não ao seu aliado americano, com quem votam isoladamente nas Nações Unidas, a cada ano, a continuidade do embargo a Cuba. É uma parceria que garante continuidade do poder e que espeta, nos olhos do Mundo, quem manda e quem deve obedecer.
Khader Adnan foi mais um que morreu pela causa palestiniana perante a cumplicidade, o desprezo e a aprovação da tão famosa comunidade internacional. Tal como os que se revoltaram com a sua morte e foram bombardeados. Tal como todos os que deram a sua vida, durante décadas, na luta contra um invasor declarado e assumido.
Esta semana de silêncio também explica, pelo menos a mim, por que razão nunca embarquei em moralismos no Donbass ou nos caminhos para a paz. Impérios matam, roubam, violam e alargam território. Por isso são impérios.
Ou se é totalmente anti-imperialista, venham eles da Sibéria, Alasca ou Hong-Kong, ou então aceitamos a lei do mais forte.
Não me venham com guerras a “todo o custo” em Bahkmut, enquanto mudaram e mudam de canal a cada morte na Palestina. E isto há 70 anos.
Tiago Franco é engenheiro de desenvolvimento na EcarX (Suécia)
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