Correio Trivial

A taberna como referência

black and white abstract painting

por Vítor Ilharco // Maio 28, 2023


Categoria: Opinião

minuto/s restantes


Foi penoso, ao longo das últimas semanas, seguir a novela das aventuras e desventuras da TAP e de quem a dirige a nível empresarial e político.

Fomos obrigados a ouvir, durante horas e horas, todo o tipo de debates, “análises”, comentários, afirmações, desmentidos, pedidos de demissão e histórias rocambolescas, com que os nossos deputados se têm entretido, praticamente a tempo inteiro, no Parlamento.

flying white and red airliner plane

À falta de preparação intelectual, e do conhecimento das matérias realmente importantes para o nosso dia-a-dia, entretêm-se a dar opiniões e a exigir respostas, sobre temas que estejam ao alcance do “povinho”.

O objectivo é simples:

Pegar num caso que demonstre o falhanço de um adversário político, criticar este com a maior veemência, se necessário realçando um ou outro ponto que, mesmo sendo duvidoso, possa aumentar a revolta de quem escuta e, ouro sobre azul, criar um escândalo.

Vejamos o caso concreto que está na moda.

Tudo começou com uma indemnização de quinhentos mil euros a uma administradora da TAP, que a CEO “convidara a sair”, e que, passadas poucas horas, seria chamada para assumir um lugar noutra empresa do Estado.

man sitting on gang chair with feet on luggage looking at airplane

Uma Oposição, composta por um Partido (PSD) que anda, há sete anos, com vontade de “ir ao pote” – mas sabendo que tem de esperar mais três, dada a maioria absoluta do PS – com um inesperado apoio de outros com assento parlamentar, não se tem preocupado com qualquer outro assunto ou problema do país na esperança de que o clamor à volta do caso leve o presidente da República a dissolver o Parlamento e marcar eleições.

Hipótese, aliás, sugerida várias vezes por este nos intervalos das suas múltiplas opiniões sobre futebol, cinema, educação, moda e gastronomia, entre outros.

O ruído aumentou com a entrada em cena dos rapazes do Chega que, cientes de que o PSD nunca teria votos para governar sozinho, não só exigem eleições imediatas mas, também, fazer parte do novo Governo e, inclusivamente, indicando os Ministérios que pretendiam passar a tutelar.

E dizem tudo isso num discurso feito, propositadamente, para ser entendido e apoiado pelo seu eleitorado mais fiel: os habituais frequentadores das inúmeras tabernas do nosso país.

Ou seja, fixando-se em dois ou três pontos, que cheirem a escândalo, repeti-los em frases curtas, compostas por palavras que não tenham mais de três sílabas, e insultando, a plenos pulmões, quem deles tenta discordar.

O ideal é, depois, fazerem acusações que possam pôr em causa a idoneidade dos que pretendem atacar, mesmo que alterando os factos.

Como no caso do adjunto de um Ministro, que foi demitido e, depois disso, “levou”, do que tinha sido o seu local de trabalho, contra a vontade da Directora do Gabinete, um computador do Estado porque garantia ter, nele, textos pessoais.

A polícia e os Serviços de Segurança foram recuperar o aparelho, que até foi devolvido de livre vontade, e fez-se disto um caso que, há quem considere, devia fazer cair o Governo.

Até aceito que a chamada do SIS foi infeliz e que o mais certo teria sido chamar a PSP e mandar prender o tal adjunto por furto, ou roubo, conforme a interpretação da violência havida no gabinete.

Levar o caso ao ponto a que chegou, nos termos em que chegou, com o vocabulário usado por políticos que querem ser governantes, acabou por confirmar a fragilidade da nossa Oposição que se vê obrigada a agarrar um episódio caricato por absoluta incompetência para debater os verdadeiros e graves problemas políticos do País.

Desde logo a Saúde, a Justiça, a Educação de um modo geral e a luta dos professores em particular, o modo como investir o dinheiro proveniente da Europa, etc. etc. etc..

O PSD é chefiado por um pseudo político, sem capacidade para ganhar, sequer, uma eleição a qualquer Junta de Freguesia, que permite que, no Parlamento, nomeadamente na Comissão de Inquérito, os seus deputados tenham entrado no mesmo registo dos populistas, com insultos e tentativas de humor ridículas. Aí, o Deputado Rios de Oliveira é uma fotocópia, pior que os originais, como sempre, da malta do Chega.

Pior, só mesmo o acéfalo da Iniciativa Liberal, um tal Rui Rocha (Calhau seria mais indicado) com um palavreado absolutamente primário e deprimente.

O resultado de tudo isto é que, pensar que o Presidente Marcelo, por muito líder da Oposição que queira ser (e tem sido) e por muita vontade que tenha (e tem) de ver o seu Partido a dirigir o País, vai usar a “bomba atómica” é estar completamente fora da realidade.

Marcelo sente que este segundo mandato, que tem sido muito mau, acabaria em total desastre se promovesse novas eleições já que o PS as ganharia, de novo, atendendo à falta de categoria de uma Oposição que tem como referência os eleitores de taberna.

Aliás, só mesmo bêbedo alguém votaria nos partidos que a compõem. Por mim falo já que seria a primeira vez que, com o cuidado de tapar o símbolo para não me sentir muito mal, votaria no PS.

Vítor Ilharco é secretário-geral da APAR – Associação Portuguesa de Apoio ao Recluso


N.D. Os textos de opinião expressam apenas as posições dos seus autores, e podem até estar, em alguns casos, nos antípodas das análises, pensamentos e avaliações do director do PÁGINA UM.

O jornalismo independente DEPENDE dos leitores

Gostou do artigo? 

Leia mais artigos em baixo.