PÁGINA UM revela contas em 2022 da reunião Bilderberg em Lisboa

20 euros de Durão Barroso e José Luís Arnaut dão 216 mil euros de receitas

por Pedro Almeida Vieira // Junho 30, 2023


Categoria: Exame

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Para ajudar a organizar em Portugal a reunião do Clube de Bilderberg em Maio passado, Durão Barroso e José Luís Arnaut juntaram 20 euros e criaram uma empresa. No primeiro ano, em 2022, não se saíram mal: através de prestação de serviços (não conhecidos) amealharam quase 216 mil euros para suportar gastos do encontro de verdadeiros influencers de um mundo globalizado. E ainda pagaram impostos. O PÁGINA UM revela, em primeira mão, as contas de 2022 da Bild, a novel empresa de organização de eventos dos dois antigos governantes.


Já foram mais secretas – e também selectas –, mas nunca deixaram de arrastar uma aura de mistério e conspiração. As reuniões anuais do Clube de Bilderberg, um grupo de elite de políticos e empresários – ou de ex-políticos que se tornaram empresários, e também de empresários que rondam a política – servem, oficialmente, apenas para debater assuntos de interesse global.

No site do Bilderberg Meetings afiança-se que as reuniões constituem apenas “um fórum para discussões informais para promover o diálogo entre a Europa e a América do Norte”, congregando “aproximadamente 130 líderes políticos e especialistas da indústria, finanças, trabalho, academia e media”, segundo regras específicas: os participantes são livres de usar as informações recebidas, mas nem as identidades nem as afiliações dos palestrantes ou de qualquer outro participante podem ser reveladas.

José Manuel Durão Barroso

Como os encontros são privados, no site diz-se ainda que “as participações são individuais e não em representação de qualquer função oficial”, não havendo assim agenda detalhada, nem nenhuma resolução e muito menos votação ou declaração política.

Mas a tradição já não é o que era, e sobretudo nos últimos anos começaram a ser divulgadas as presenças mais sonantes – e sobretudo os convites a portugueses, primeiro sob a “égide” de Francisco Pinto Balsemão, e mais recentemente de Durão Barroso – e mesmo a lista de temas em discussão.

Por exemplo, além de personalidades estrangeiras, a mais recente reunião em solo nacional – a anterior tinha ocorrido em 1999 – contou com um vasto contingente lusitano: além dos habitués Balsemão, Durão Barroso e Arnaut, foram convidados os directores executivos da EDP (Miguel Stilwell de Andrade), da Galp (Filipe Silva), da Feedzai (Nuno Sebastião) e da Zeno Partners (Duarte Moreira).

E até os gastos são revelados?

Hotel Pestana, em Lisboa, local apontado da reunião do Clube de Bilderberg em Maio passado.

Neste último caso, convém não exagerar. Os financiamentos dos chamados Bilderberg Meetings não são propriamente públicos. De acordo com o Clube de Bilderberg, “as contribuições anuais dos membros do Steering Committee [actualmente com 32 membros, entre os quais o português Durão Barroso] cobrem os custos anuais de um pequeno secretariado”, para suportar despesas administrativas e de pessoal.

Já em relação à reunião anual, as responsabilidades cabem ao denominado Comité Director do país anfitrião, não havendo taxa de participação, embora os convidados custeiem, segundo o site do Bilderberg Meetings, os “seus próprios custos de viagem e acomodação”.

Assim, para a reunião deste ano em Lisboa, entre 18 e 21 de Maio, ao que tudo indica no Hotel Pestana, a reunião anual do Clube de Bilderberg contou com uma novel empresa de organização de eventos na rectaguarda: a Bild – Encontro Internacional 2023, Lda..

Criada em 11 de Março do ano passado, esta empresa tem uma génese curiosa, pois conta como sócios duas figuras portuguesas de destaque: José Manuel Durão Barroso – actual presidente (Board Chair) da Gavi – The Vaccine Alliance, ex-presidente da Goldman Sachs, ex-presidente da Comissão Europeia e ex-primeiro-ministro português – e o “seu” ministro adjunto José Luís Arnaut.

person holding clear glass ball

Tendo como objecto social a “organização, produção e promoção de eventos”, a Bild, Lda. constituiu-se com um capital social de uma refeição de tasca: Barroso deu 10 euros; Arnaut outros 10. Na verdade, Arnaut deu mais: a Bild está sedeada na selecta Rua Castilho, no número 50, ou seja, nas instalações da conhecida sociedade de advogados CSM Rui Pena & Arnaut, da qual o ex-ministro de Durão é managing partner.  

Recorde-se que Arnaut é, além de consultor da Goldman Sachs, o presidente da ANA – Aeroportos de Portugal e ainda preside à Assembleia Geral da Federação Portuguesa de Futebol.

Embora se desconheça em concreto as actividades da Bild até à realização da reunião do Clube de Bilderberg em Maio deste ano, uma vez que José Luís Arnaut não respondeu ainda às questões colocadas pelo PÁGINA UM, pode-se em todo o caso garantir que Portugal bem melhor estaria se só tivesse empresários tão produtivos como os sócios desta empresa.

Com efeito, apenas com os saberes de Arnaut e Barroso, e sem empregados oficiais, a Bild conseguiu, a partir de 20 euros de capital social, trazer um rendimento de 215.813 euros por prestação de serviços ao longo de nove meses de 2022. Quais foram os clientes, ou o serviço prestado, não se sabe, mas uma coisa é certa: não foi por donativos, conforme se observa nas demonstrações financeiras da empresa a que o PÁGINA UM teve acesso.

José Luis Arnaut

Sendo expectável que a Bild tenha tido mais rendimentos este ano, e também gastos, o ano passado trouxe também já muitas despesas, mas nem sequer foi em salários. Quase todas as despesas resultaram de pagamentos a fornecedores e serviços externos. A demonstração de resultados de 2022 aponta para gastos de cerca de 153.520 euros. Curiosamente, nos gastos não se vislumbram despesas para reforçar activos. Na verdade, a empresa não tem um cêntimo em activos tangíveis ou outros activos não correntes.

No meio disto, o Estado não se pode queixar destes investidores de 20 euros: a empresa de Durão Barroso e José Luís Arnaut teve um resultado operacional positivo superior a 62 mil euros, o que implicou, para já, o pagamento de 13.081 euros em impostos. Mas faltam ainda as contas de 2023, e saber se a empresa se dissolverá logo a seguir.

Nas contas consultadas pelo PÁGINA UM diz-se, contudo, que, apesar de “a economia revela[r] atualmente um enorme estado de incerteza, cuja duração e consequências são ainda imprevisíveis”, os gerentes da Bild (Durão Barroso e Arnaut) defendem que “com os elementos disponíveis, consideramos que estão criadas as condições operacionais para a manutenção da atividade da Empresa, estando assegurados os compromissos financeiros assumidos.” Promessas, contudo, são promessas…

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