Fact checking português tenta esconder que vive à pala de Zuckerberg

Afinal, Facebook continua a ser o “sugar daddy financeiro” do Polígrafo

por Pedro Almeida Vieira // Julho 5, 2023


Categoria: Imprensa

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O único jornal português dedicado em exclusivo ao fact checking, o Polígrafo, tentou esconder que só sobrevive por conta da parceria com o Facebook, que já lhe entregou mais de 1,3 milhões de euros nos últimos três anos. No mês passado, o Polígrafo andou a “fugir” às perguntas do PÁGINA UM sobre a evolução dos seus rendimentos e o suspeitoso desaparecimento da empresa de Zuckerberg como cliente relevante nas contas do ano passado. Só depois da intervenção da Unidade de Transparência dos Media da ERC, a empresa gestora do Polígrafo “corrigiu” a sua declaração, assumindo que 456 mil euros vieram afinal do Facebook. As receitas de outras fontes foram mínimas (19 mil euros), não cobrindo sequer 10% das despesas com pessoal. Ou seja, sem o Facebook, para o qual já foram feitas quase 700 verificações de factos, o Polígrafo entraria em colapso financeiro.


A empresa Inevitável e Fundamental, proprietária do Polígrafo, omitiu no Portal da Transparência dos Media a sua dependência financeira quase em exclusivo da rede social Facebook, que lhe pagou, na verdade, 456.000 euros durante o ano passado para fazer verificação de factos e controlo de alegada desinformação, que incluiu censura e a prática de shadow banning, ou seja, invisibilidade de conteúdos.

Ao longo do mês passado, como denunciou o PÁGINA UM, o Polígrafo não declarou a existência de quaisquer clientes relevantes no seu registo no Portal da Transparência, que exige que sejam identificados os clientes que tenham representado mais de 10% dos rendimentos anuais e as entidades que tenham direitos superiores a 10% do valor do passivo.

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E, apesar de advogar a máxima transparência nos seus financiamentos, o Polígrafo – o único jornal português dedicado em exclusivo ao fact checking – nem sequer respondeu aos três pedidos de esclarecimento do PÁGINA UM, feitos em 14 de Junho, em 16 de Junho e em 19 de Junho, dirigidos ao seu director, Fernando Esteves, que agora também acumula funções de publisher na MediaNove, o grupo criado por N’Gunu Tiny, que detêm também 40% da empresa Inevitável e Fundamental. Os restantes 60% são detidos por Fernando Esteves.

O PÁGINA UM, antes de escrever o seu artigo de 19 de Junho passado, efectuou cópia certificada por advogado, em 14 de Junho, que garante que, naquela data, de acordo com a informação financeira completa da empresa Inevitável e Fundamental, relativa ao ano de 2022, “não existem registos” sobre clientes relevantes.

Essa assumpção da inexistência de dependência «relevante para o ano de 2022 contrastava com os dois anos anteriores, quando o Facebook inundou os fact checkers supostamente independentes com financiamentos extraordinários para controlar, independentemente da credibilidade científica dos autores, conteúdos que contrariassem a narrativa mainstream sobre a gestão da pandemia. Em 2020 e 2021, o Polígrafo admitiu que recebeu mais de 860 mil euros da empresa de Mark Zuckerberg.

Além do jornal digital, o Polígrafo tem uma parceria semanal com a SIC.

Em 14 de Junho, o PÁGINA UM questionara a Entidade Reguladora para a Comunicação Social sobre a estranha evolução dos clientes relevantes do Polígrafo, sobretudo porque até houvera um aumento dos rendimentos entre 2021 e 2022, e se existiam mecanismos de verificação independente.

Cerca de uma semana mais tarde, no dia 23 de Junho, a Unidade da Transparência dos Media prometeu que iria “questionar diretamente a empresa visada [Inevitável e Fundamental] no sentido de esclarecer as dúvidas colocadas”, acrescentando que “a inserção da informação correta e fidedigna é da responsabilidade de cada regulado e a ausência ou incorreção no reporte é passível de responsabilidade contraordenacional.”

Certo é que, após as diligências da ERC, a empresa do Polígrafo veio agora acrescentar a referência à participação do Facebook nos rendimentos do ano passado, e afinal mantém-se uma dependência quase absoluta: 96% dos rendimentos. Ou seja, como os rendimentos totais foram de 474.994 euros em 2022, significa que Zuckerberg “passou um cheque” de cerca de 456.000 euros. Em suma, sem o Facebook (que entregou uma média mensal de 38.000 euros), as receitas mensais da Inevitável e Fundamental seriam de apenas 19.000 euros, pouco mais de 1.500 euros em cada mês. Destaque-se que, apenas em gastos com pessoal, a empresa do Polígrafo contabilizou em 2022 quase 248.000 euros.

Fernando Esteves, fundador e director do Polígrafo dede 2018, é agora também publisher do novo grupo de media criado pelo seu sócio N’Gunu Tiny.

Assim, com a generosa ajuda do Facebook – na verdade, quase um “sugar daddy financeiro”, tendo em conta a sua imponência económica, mas que precisa de “agentes locais” com um (suposto) estatuto de independência para controlo da dita desinformação –, a empresa do Polígrafo conseguiu resultados operacionais de 102.964 euros e um lucro líquido acima dos 71.000 euros.

O valor do financiamento do Facebook ao longo do ano passado, que o Polígrafo tentou não revelar, acaba assim por mostrar que as relações comerciais entre as duas partes estão bem cimentadas. Consultando a informação do portal da ERC, o Polígrafo declarou ter recebido em 2021 cerca de 404 mil euros do Facebook (96% do total das suas receitas), enquanto em 2020 recebeu 460 mil euros (87% do total das suas receitas).

Com os 456 mil euros de 2022, o Polígrafo recebeu do Facebook no último triênio mais de 1,3 milhões de euros. No mesmo período, as receitas de outras fontes pouco ultrapassaram os 100 mil euros, e foi de apenas 35 mil euros em 2021 e 2022.

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Durante a pandemia, qualquer informação que fugia à narrativa oficial era tachada pelo Facebook como desinformação. O Polígrafo era um dos “braços armados” em Portugal, através de jornalistas, alguns deles estagiários, sem qualquer formação mínima em Ciência ou em Epidemiologia.

Recorde-se que a colaboração do Polígrafo com o Facebook, iniciada em 2019, consolidou-se a partir da pandemia da covid-19, onde também se insere o Viral, por via de um polémico programa denominado “Third Party”, ao qual está também associado, em Portugal, o jornal Observador.

Numa notícia do Polígrafo que assinalou a sua entrada na rede internacional de verificadores de factos, a então directora de Políticas Públicas do Facebook para Espanha e Portugal, Natalia Basterrechea, dizia que “combater as notícias falsas é uma responsabilidade que levamos muito a sério, e por isso estamos constantemente a trabalhar em formas de travar a desinformação na nossa plataforma”, acrescentando que “ao expandir o nosso programa de fact-checking em Portugal, ajudamos as pessoas a entender melhor a informação que circula, ao mesmo tempo que reduzimos a disseminação de falsos conteúdos na nossa plataforma”.

Natalia Basterrechea – que agora trabalha como directora de comunicação de Portugal e Espanha para a British American Tobacco e consegue apresentar esta tabaqueira, em entrevista paga, como uma “empresa de bens de consumo de alto crescimento: global, centrada no consumidor e nos colaboradores, multicategoria, que aposta na inovação e na ciência e com a sustentabilidade no centro das nossas ações” – concluía então que no Facebook estavam “muito felizes pelo facto de o Polígrafo se ter juntado ao programa”.

Registo (de hoje) financeiro de 2022 da empresa Inevitável e Fundamental, onde já consta o Facebook como cliente relevante, com um peso de 96% do total dos rendimentos.

A acção do Polígrafo no controlo da denominada “desinformação” sobretudo em assuntos relacionados com a pandemia sempre esteve envolta em polémica, não apenas por ter sido desenvolvida por jornalistas sem formação em Ciência, mas por uma parceria anunciada e nunca esclarecida com a Direcção-Geral da Saúde, que colocava legítimas dúvidas de isenção e rigor.

Certo é que o Polígrafo, tal como outros parceiros do Facebook, tem um poder ilimitado de classificar como “falso” um determinado conteúdo, o que implica que a publicação em causa verá a sua exposição reduzir-se de forma muito significativa.

O próprio Polígrafo diz que “páginas que repetidamente sejam identificadas como difusoras de informações falsas têm o seu alcance diminuído e a sua capacidade para angariar publicidade é bloqueada”. Saliente-se que o PÁGINA UM foi já, por diversas vezes, alvo de censura no Facebook por divulgar notícias verídicas, incluindo informação sobre processos judiciais que envolvem o Infarmed ou referências a artigos em revistas científicas.

O Polígrafo sempre negou que não é controlado editorialmente pelo Facebook, sendo “absolutamente livre para escolher, de acordo com critérios jornalísticos, os conteúdos que entende serem os mais interessantes quer pela sua relevância pública, quer pela sua viralidade”. Contudo, no seu site, o Polígrafo estabelece uma secção autónoma, para fins de controlo, de fact checkings focado em conteúdos do Facebook. Desde 1 de Agosto de 2019 estão já contabilizados 678 artigos feitos no âmbito de uma parceria financeira bastante apetecível.

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