Recensão: Terra - Uma história do Esporão

Uma alma antiga feita de histórias

por Paulo Moreiras // Julho 15, 2023


Categoria: Cultura

minuto/s restantes

Título

Terra: Uma história do Esporão

Autor

JOÃO PEDRO VALA

Editora (Edição)

Quetzal (Junho de 2023)

Cotação

12/20

Recensão

No ano de 1973, um encontro entre José Alfredo Parreira Holtreman Roquette (n. 1936) e Joaquim Alberto Rodrigues Bandeira (1934-2003) esteve na origem de uma marca que se constituiu como uma referência nos Vinhos em Portugal. Agora, para celebrar o seu quinquagésimo aniversário, a Herdade do Esporão revela a sua História através de cinquenta pequenas narrativas pela mão do escritor João Pedro Vala (n. 1990), autor do romance Grande turismo, publicado pela Quetzal em 2022, numa abordagem irreverente mas que continua o legado inovador da Herdade do Esporão.

No Prefácio, João Roquette esclarece que pretendiam “um livro que assinalasse o que de mais relevante se passou nestes anos.” No entanto, em vez de uma abordagem histórica e factual, optaram por uma abordagem “romanceada e livre: cinquenta estórias inspiradas em acontecimentos, mitos e abstracções que envolvem, de alguma maneira, o Esporão.” O mais importante “seria que neste livro habitasse a alma do Esporão, uma alma antiga e colorida pela extraordinária riqueza e diversidade dos que por aqui passámos.”

Começa João Pedro Vala, em Nota Introdutória, por alertar o despreocupado leitor de que o que está prestes a ler são tudo histórias ficcionais: “Todas as histórias que contamos uns aos outros são ficcionais a partir do momento em que decidimos a ordem dos acontecimentos, o contexto que lhe damos, o encadeamento dos elementos.”

Embora ficcionadas, o autor baseou-se em histórias que lhe foram contadas por várias pessoas associadas à Herdade do Esporão, sendo em momento posterior pelo seu estro “deliberadamente adulteradas, truncadas e misturadas para efeitos narrativos.”

Depois, numa outra passagem, esclarece que “alguns nomes mantiveram-se, outros não, algumas pessoas vivem neste livro coisas que aconteceram a outras e há até uma história aí para o meio que não tem ponta de verdade (ou talvez também isto seja um artifício do escritor para se proteger de eventuais acusações).”

Infelizmente, neste jogo literário, as narrativas não fornecem chaves suficientes para se distinguir a verdade da ficção e essa mistura não se afigura de receita fácil para quem lê. Alguns capítulos contêm narrativas de tal maneira herméticas, que pouco ou nada esclarecem o leitor acerca da sua inclusão ou em que sentido dizem respeito à história do Esporão. Exemplo disso verifica-se no capítulo I – Haifa, 11 000 a.C., ou no capítulo XII – Costa da Caparica, 1979, só para citar dois casos.

Certas narrativas são mais lineares, num registo jornalístico, factual, onde se segue a linha do tempo para determinado assunto, por vezes com episódios curiosos, até mesmo mirabolantes, acerca da maneira como a Herdade do Esporão se foi construindo e afirmando no panorama nacional ao longo dos anos, demonstrando a sua visão para o sector, em contraste com um país saído do 25 de Abril, ainda a pensar pequenino, preso aos seus atavismos e burocracias, tiques e manias que se mantém até hoje.

Para o leitor que aqui vem à procura da história tintim por tintim da Herdade do Esporão, desengane-se, pois não a irá encontrar. Mas é sobre vinho, e isso é sempre um bom propósito para ler um livro.

O jornalismo independente DEPENDE dos leitores

Gostou do artigo? 

Leia mais artigos em baixo.