VISTO DE FORA

Umas férias no sofá

person holding camera lens

por Tiago Franco // Julho 17, 2023


Categoria: Opinião

minuto/s restantes


Vi uma notícia na SIC que me deixou curioso: a ocupação hoteleira no Algarve, por esta altura do Verão, não é a esperada pelo sector, havendo menos portugueses e espanhóis, além de contenção de despesas. Se bem me recordo, anunciava-se que este seria o melhor Verão de sempre. 

É um facto que depois da idiotice dos confinamentos as pessoas saíram, as que podiam, para períodos de férias um pouco por todo o lado, mas parece agora haver alguma contenção nos gastos. A inflação com a Ucrânia atrelada parecem ser as principais causas, mas permitam-me, se possível, discordar.

brown wicker armchair on focus photography

Uma das desvantagens dos anos de emigração era a “necessidade” constante de usar grande parte do período de férias para regressar a Portugal, ver família, amigos e todas essas actividades incluídas no cabaz que vem com a mala de cartão.

Para quem, como eu, tem o sonho de dar a volta ao Mundo, esta “necessidade” fazia com que fosse muitas vezes turista no meu próprio país. Quando deixei de ter horário fixo de trabalho, e me converti numa espécie de freelancer (ou nómada digital como parece agora estar na moda dizer), acabaram os 30 dias de férias por ano, e passei a trabalhar enquanto viajava, permitindo não só conhecer os sítios que sonhava como, e até muito mais vezes, estar com família e amigos.

Durante os anos em que circulava entre o Algarve, Alentejo, Douro e Ilhas, bem antes da Lagarde e da guerra que andamos a patrocinar, sempre achei os preços muito desfasados da realidade portuguesa. Não sou rapaz do Excel, mas, no fim de Agosto, a cada regresso à Suécia, percebia que a despesa de ir a “casa” era equivalente a umas semanas na Tailândia para ver a praia do DiCaprio e a comer galinha em casca de ananás.

photography of seashore during daytime

Sempre considerei a possibilidade de sair de casa como uma espécie de um avaliador da qualidade de vida. Para quem gosta, claro. Não pretendo com isto dizer que uma pessoa não possa ficar entre paredes e ainda assim ser feliz. Digo apenas que, para mim, não poder ir a um restaurante, viajar, conhecer outros destinos ou ver culturas que só conhecia da televisão, me retiraria felicidade. 

Ao longo dos anos fui vendo cada vez mais gente a passar férias em casa, não por opção, e a deixar sequer de frequentar restaurantes. Muito antes desta inflação, que nos come os salários um pouco por toda a Europa, já os hotéis no Algarve e os restaurantes em Lisboa, agora gourmet ou cheios de fusões, se iam afastando das carteiras dos portugueses.

Sempre achei um erro o país que se dimensiona para receber quem vem de fora. E antes que apareçam aqui apoiantes do Ventura a bater palmas, explico melhor que não tenho nada contra visitantes de outras paragens. Até incentivo. Mas se as nossas cidades, praias e restaurantes deixam de ter locais, porque estes não conseguem pagar uma simples refeição, passamos a ser um destino de plástico, daqueles feitos para agradar o visitante. Perdemos a alma, a História, as raízes. Passamos a ser um Dubai da Europa e não o país com oito séculos de História e a mais antiga fronteira do mundo.

dish on white ceramic plate

Voltamos sempre à discussão dos baixos salários dos portugueses como desculpa e origem de tudo.

E é verdade. É de facto essa a raiz do problema que nos leva a nem dentro do país conseguirmos tirar uns dias de férias. Mas não termina aí e por isso permito-me discordar da guerra e inflação como justificação global.

Se no preço da habitação já é mais ou menos consensual que a especulação tomou conta do assunto (Lisboa é das cidades mais caras da Europa no rácio custo casa/ salário), no caso da restauração ou até dos hotéis, a situação é relativamente diferente. 

Fiz a experiência de procurar um hotel de quatro estrelas em Lisboa, Roma e Paris para cinco noites na semana que agora começa. Pelo mesmo preço, cerca de 300 euros por noite, encontrei um hotel ao lado do elevador de Santa Justa, na Baixa Pombalina, outro junto ao Louvre (Paris) e um a poucos passos da Fontana de Trevi (Roma). Percebem certamente para onde vou a seguir. Como é que Lisboa, Roma e Paris cobram o mesmo, sabendo-se que, no caso português, os salários no sector do turismo são pouco mais do que miseráveis?

well-arrange room

Ou seja, cidades com custo de vida bastante superior e salários bem mais elevados, têm um custo idêntico para turismo e lazer. E isto já era assim antes da inflação que agora vivemos. Portugal ficou na moda há menos de uma década e começou a vender-se a quem dava mais.

Os sítios onde comíamos um bitoque por 7 euros são agora “tasKas” ou “SerVejaRia” e o mesmo bife passou a 20 euros com “imersão de experiências tradicionais”.

As praias onde bebíamos uma imperial ou abríamos umas sardinhas, agora servem balões de Gin com pepino a 12 euros e robalos a 30 euros. Um almoço de família, mesmo para quem trabalha na Suécia, passou a ser uma experiência a pedir mais idas à cozinha de casa. Deduzo que para quem está na média salarial portuguesa se tenha tornado algo a evitar.

Tive várias vezes esta discussão com quem defendia que nos devíamos virar para o turismo como principal fonte de receita do país. Sempre achei um erro exportar médicos e engenheiros e importar empregados de mesa. O país fica à espera dos belgas, ingleses, alemães e dinamarqueses deixando os locais a ver a acção pela televisão ou da janela de casa.

white and blue concrete building

Entretanto os salários nivelam-se por baixo e quem aposta na formação, especialmente nas áreas técnicas, vai-se embora. De repente, o país deixa de estar na moda ou, por exemplo, Turquia e Egipto recuperam dos atentados e da insegurança, e vendem o peixe, o sol e o mar, ainda mais baratos… e lá se vai a estratégia das “imersões de temperos”, dos campos de golfe em áreas de seca constante ou das residenciais que se querem passar por suites em Manhattan.  

Uma coisa é criar condições para sermos visitados, o que acho bem e me parece inteligente, dada a oferta tão grande que um país tão pequeno como Portugal tem. Outra, bem diferente, é tornarmos o território inacessível para quem cá está o ano inteiro, tornando a classe média e os trabalhadores em geral um grupo à parte, mesmo que sejam maioritários, na utilização das infraestruturas do seu próprio país.   

Com os salários de 900 euros que chegam à maior parte dos trabalhadores estamos, parece-me, a chegar ao ponto em que ir a um restaurante ou usufruir de umas semanas de férias algures, se tornou um luxo.

A qualidade de vida de um povo mede-se, em grande parte, para além das condições de trabalho, por aquilo que conseguimos fazer nos períodos de lazer. Aqui há uns anos, desesperado com os invernos suecos, perguntava a um colega, nativo, quantos anos ele se tinha demorado a habituar ao frio e à escuridão. Ele disse: “nunca me habituei e por isso, pelo menos duas vezes em cada inverno, vou para um sítio qualquer com sol. Tailândia, ilhas espanholas, Dubai, Caraíbas…tudo menos seis meses de nuvens”.

person holding a plate of salad

Nem sequer lhe perguntei como é que ele pagava isso porque, obviamente, num sítio onde os salários mais baixos estão perto dos 3.000 euros, não há discussão sobre ir ou ficar num período de lazer. E isso, apesar do frio e da escuridão, é qualidade de vida.

Nós, com sol para dar e vender, uma imensidão de mar e praia, restaurantes excepcionais e esplanadas a perder de vista, vamos, aos poucos, ficando condenados a dividir o tempo entre o local de trabalho e o sofá da sala, em frente à televisão. É como viver à porta do paraíso, mas não conhecer o porteiro.

Os empresários do Algarve estão desiludidos com a taxa de ocupação? Tenho duas sugestões: baixem os preços das diárias ou aumentem os salários dos funcionários. Qualquer uma delas ajuda.

Tiago Franco é engenheiro de desenvolvimento na EcarX (Suécia)


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