Não pára. E afinal havia mais. Anteontem, sexta-feira, houve nova emissão especial de notícias pagas na CMTV, desta vez para cumprir um contrato com a autarquia de Esposende, que desembolsou 19.900 euros, mais IVA. Mas as revelações do PÁGINA UM tornaram a “promoção” mais humilde: ao contrário dos outros 10 contratos, Esposende não teve Francisco Penim e Sofia Piçarra a servirem de mestres-de-cerimónia, mas apenas um jornalista (Manuel Jorge Bento) a falar duas vezes sobre “bolos” deste concelho nortenho. A Entidade Reguladora para a Comunicação Social, a Comissão da Carteira Profissional de Jornalista e o Conselho Deontológico do Sindicato dos Jornalistas continuam sem reagir à mercantilização dos noticiários em Portugal.
Afinal, as comemorações dos 10 anos de CMTV – o canal por cabo da Cofina, associado ao Correio da Manhã – estão para lavar e durar, ou melhor dizendo, para pagar e durar, porque já não se restringem a 10 municípios portugueses, como inicialmente previsto. Na passada sexta-feira, Esposende foi palco de mais uma emissão especial da CMTV que incluiu reportagens jornalísticas ao longo do dia sobre este município nortenho em forma de “prestação de serviços” num contrato no valor de 19.900 euros, mais IVA.
Este contrato foi assinado na véspera da emissão, ou seja, na quinta-feira passada, e embora não esteja disponível o caderno de encargos no Portal Base, tudo deveria ter sido similar aos demais municípios onde a CMTV mercadejou jornalistas e notícias: apontamentos de reportagens durante a emissão do programa de entretenimento da CMTV, e depois coberturas noticiosas com reportagens e entrevistas conduzidas pelos jornalistas Francisco Penim e Sofia Piçarra.
Pelo menos, até Esposende, foi assim que sucedeu em todos os 10 anteriores contratos, já revelados pelo PÁGINA UM que culminaram em emissões de reportagens, notícias e entrevistas de promoção de autarcas e dos municípios de Portimão (24 de Abril), Leiria (1 de Maio), Braga (17 de Maio), Beja (25 de Maio), Vila do Conde (mais propriamente em Caxinas, em 31 de Maio), Ourém (20 de Junho), Évora (25 de Junho), Coimbra (4 de Julho), Albufeira (8 de Julho) e Marco de Canavezes (13 de Julho). Em todos terão sido assinados contratos de prestação de serviços com um preço de 20.000 euros, cada, com excepção de Coimbra e de Leiria que pagaram 25.000 euros. Saliente-se, porém, que alguns não foram ainda inseridos no Portal Base.
Na última semana foi, aliás, colocado finalmente o contrato com a Câmara Municipal de Portimão, o município que inaugurou este ciclo de noticiários pagos com jornalistas a servirem também de mestres-de-cerimónia (MC). E, neste caso, em concreto, não são apenas as cláusulas que comprovam o mercadejar de jornalistas que arrepia; também as ilegalidades ao nível do código dos contratos públicos, que coloca este como ferido de nulidade.
Assim, apesar da emissão em Portimão ter ocorrido em 24 de Abril, este tem a data de 5 de Julho, ou seja, quase dois meses e meio depois. No documento denominado Convite salienta-se, por sua vez, que “a decisão de contratar [a Cofina] foi tomada por despacho do Sr. Vice-Presidente Álvaro Bila, datada de 10/5/2023”, ou seja, 17 dias depois de tudo feito. Outra evidência de um contrato forjado: a Cofina deveria entregar uma proposta “até às 17h00, do dia 15 de maio de 2023, através da Plataforma Eletrónica www.acingov.pt”, e teria de manter a respectiva proposta pelo prazo de 120 dias.
Por fim, neste caderno de encargos assumido pelo município de Portimão salienta-se ainda que o contrato – que, na realidade, se executara no dia 24 de Abril – estaria em vigor até ao final do presente mês de Julho. Aparentemente, a única coisa não-falsa terá sido o pagamento de 25.500 euros pela Câmara Municipal de Portimão à Cofina. No meio de tudo isto, para um toque de Monty Python, a autarquia nomeou, como gestor do contrato, Pedro Poucochinho, chefe de divisão de Informação, Comunicação e Marca deste município algarvio.
No entanto, após as revelações pelo PÁGINA UM em redor do escandaloso mercadejar de notícias e reportagens pela CMTV, a prestação de serviços para Esposende acabou por se tornar mais “humilde”. Embora no programa de entretenimento da manhã, realizado na praia da Apúlia, tenha sido entrevistado o presidente da edilidade, Benjamim Pereira – que assim usou dinheiros públicos para se promover politicamente –, no resto do dia já não apareceram, desta vez, os jornalistas Francisco Penim e Sofia Piçarra, que sempre estiveram presente a louvar os outros 10 municípios e a entrevistarem autarcas e gentes locais.
De uma forma muito discreta, Esposende só teve “direito” a quatro pequenos blocos de reportagens conduzidos pelo jornalista Manuel Jorge Bento (CP 3955): duas com entrevistas a um técnico municipal, sobre moinhos e percursos dos Caminhos de Santiago, e duas a promover doçarias de duas pastelarias de Esposende. O autarca Benjamim Pereira vai desembolsar 19.900 euros por isto.
Entretanto, recorde-se que a Cofina tentou, na última semana, apagar “vestígios” da mercantilização de jornalistas nos contratos de prestação de serviços com autarquias. Um longo best of dos noticiários pagos pelos municípios, incluindo as entrevistas a autarcas conduzidas pelos jornalistas Francisco Penim e Sofia Piçarra, que serviram de mestres-de-cerimónia, e que estiveram até à passada semana no canal do YouTube da Cofina Boost Solutions, o departamento comercial desta empresa de media, foi ostensivamente removido.
No total, a Cofina retirou do seu canal daquela rede social pelo menos 39 vídeos com trechos de diversos blocos informativos, nomeadamente do Jornal Portugal, Grande Jornal, Directo Notícias, Jornal das 6, Jornal das 7 e Grande Jornal, todos com conteúdos pagos produzidos por jornalistas acreditados da CMTV.
Além de Francisco Penim (CP 7364) – que foi director de programas da SIC e depois também da CMTV e só recentemente se tornou jornalista – e de Sofia Piçarra (CO 6024), já fizeram apontamentos de reportagem sobre os municípios pagantes os jornalistas Ana Inês Baptista (CP 8332), Aureliana Gomes (CP 5357), Mário Freire (CP 3723), José Lameiras (CP 7664), Isabel Jordão (CP 616) e a jornalista estagiária Débora Couceiro (TPE 470). Também surge, como jornalista, Ana Isabel Fonseca, embora não haja registo de possuir actualmente carteira profissional válida. Por norma, estas emissões eram coordenadas em estúdio por outros jornalistas, como foi o caso de Pedro Mourinho, curiosamente com a função de Director Novos Formatos da CMTV. Agora, a este lote, junta-se Manuel Jorge Bento (CP 3955).
Saliente-se que este último jornalista integrou a lista perdedora nas últimas eleições para a Comissão da Carteira Profissional de Jornalista.
Apesar das evidentes transgressões à Lei da Televisão, à Lei da Imprensa e ao Estatuto do Jornalista, nenhuma das entidades com responsabilidade na regulação e ética manifestou qualquer intenção de intervenção. Ou seja, até agora, nada em concreto fizeram a Entidade Reguladora para a Comunicação Social, a Comissão da Carteira Profissional de Jornalista e o Conselho Deontológico do Sindicato do Jornalista, o que constitui um sinal de impunidade, dando azo a que a Cofina continue a festejar os 10 anos de existência enquanto mercadeja jornalistas a troco de duas dezenas de milhar de euros por emissão.
Se assim for, aparentemente só haverá um problema: como ainda falta promover 297 dos 308 municípios nacionais, se o ritmo for apenas semanal, a CMTV demorará ainda mais de cinco anos e meio a executar a encomenda. A 20 mil euros por emissão, tem em todo o caso um potencial de encaixe próximo dos seis milhões de euros.