PROGRAMA DA CMTV DE CIÊNCIA É UM POÇO DE PROMISCUIDADES

‘Obrigado por esta participação no Falar Global, minha querida!’

por Pedro Almeida Vieira // Agosto 3, 2023


Categoria: Imprensa

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O programa Falar Global da CMTV é o paradigma da actual promiscuidade entre negócios e jornalismo: o apresentador, Reginaldo Rodrigues de Almeida, é professor universitário e detém carteira profissional de jornalista, mas em paralelo é gerente da sua empresa unipessoal, a Kind of Magic, que vai assinando contratos de prestação de serviços de comunicação e publicidade. O à-vontade é tão grande que, no último programa, Reginaldo Rodrigues de Almeida até trata a presidente da Ciência Viva, com quem já estabeleceu quatro contratos com dinheiros públicos, por “minha querida”. Não se sabe se a relação com Isaltino Morais é assim tão calorosa, mas a Kind of Magic tem já uma espécie de avença anual com a autarquia de Oeiras para garantir promoção e publicidade no programa da CMTV. O Estatuto do Jornalista, se fosse cadáver, estaria agora a dar voltas na tumba.


“Obrigado por esta participação no Falar Global, minha querida!” – foi assim que o jornalista Reginaldo Rodrigues de Almeida, por entre efusivos cumprimentos a quatro mãos, se despediu de Rosalia Vargas, presidente da Agência Nacional para a Cultura Científica e Tecnológica – Ciência Viva, no seu mais recente programa televisivo, transmitido na segunda-feira passada na CMTV.

Se essa excessiva informalidade num jornalista pode parecer estranha, mesmo num programa de divulgação de Ciência, acaba por se compreender num facto: Reginaldo Rodrigues de Almeida – que é jornalista com carteira profissional 5887, mas também administrador da Universidade Autónoma de Lisboa com os pelouros de Comunicação e das Relações Externas e de Acção Social – tem um larga relação de negócios com a Ciência Viva, presidida por Rosalia Vargas desde 1996.

Reginaldo Rodrigues de Almeida, jornalista, professor e empresário, cumprimentando Rosalia Vargas. O apoio da Ciência Viva à CMTV vai para além da divulgação científica. Há, por ali, negócios que são incompatíveis com o jornalismo.

Quer através da sua empresa unipessoal, a Kind of Magic, quer a título pessoal, Reginaldo Rodrigues de Almeida tem somado nos últimos anos contratos com a Ciência Viva, sempre por ajuste directo, para a produção de conteúdos e apoio à comunicação institucional. O Estatuto do Jornalista proíbe estas práticas, exactamente para evitar aquilo que Reginaldo Rodrigues de Almeida faz depois: promover sistematicamente Rosalia Vargas, através do seu programa Falar Global.

Apresentado em nota final do programa como tendo o apoio da Ciência Viva, da Vila Galé e da INOV INESC, não existe no Portal Base qualquer contrato entre a Cofina, dona da CMTV, e a Ciência Viva, pelo que se deve concluir que esse apoio anunciado não será financeiro para o canal televisivo.

Na verdade, de acordo com consultas ao Portal Base, tem sido apenas a empresa Kind of Magic Unipessoal – apenas detida por Reginaldo Rodrigues de Almeida – que tem beneficiado economicamente desta relação: Desde 2015 foram já assinados três contratos com Rosalia Vargas, sempre por ajuste directo.

No seu programa, Falar Global, Reginaldo Rodrigues de Almeida destaca amiúde produtos tecnológicos de empresas privadas.

O primeiro no valor de 66.000 euros, para “aquisição dos serviços de produção de documentários e reportagens relativos à história dos edifícios que albergam os Centros Ciência Viva”; o segundo em Outubro de 2019, no valor de 15.000 euros, por “serviços para produção de conteúdos para jornal impresso, para newsletters digitais, co-gestão das redes sociais e realização de entrevistas no âmbito do Ciência 2019”; e o terceiro em Maio de 2020, no valor de 12.000 euros, para “aquisição de serviços de produção e comunicação de conteúdos no âmbito do Festival da Ciência Online 2020”.

No caso do segundo contrato, o caderno de encargos estipulou, entre outras funções incompatíveis com a função de jornalista, por serem da área do marketing, que a empresa de Reginaldo Rodrigues de Almeida produzisse e editasse o jornal oficial do Encontro Ciência 2019 e realizasse 10 entrevistas diárias durante os três dias do evento. Um dos entrevistados foi o primeiro-ministro António Costa.

Além desses três contratos, Reginaldo Rodrigues de Almeida ainda fez, a título pessoal, outro contrato em finais de Janeiro de 2021 com Rosalia Vargas para “aquisição de serviços especializados de apoio à estratégia de comunicação institucional da Rede de Clubes Ciência Viva na Escola”. O contrato nem sequer foi reduzido a escrito e ter-se-á executado em apenas dois dias a um custo de 17.500 euros, ou seja, 8.750 euros ao dia.

Programa da CMTV, com ficha técnica reveladora de ser de informação, está inundado de promiscuidades: apresentador, que é jornalista, detém empresa unipessoal que assina contratos de comunicação com entidades públicas que surgem nas reportagens.

Mas não tem sido apenas com a Ciência Viva – e com a sua “eterna” presidente – que Reginaldo Rodrigues de Almeida tem feito negócios com a sua carteira de jornalista sempre presente. No penúltimo episódio do seu programa Falar Global, Reginaldo Rodrigues de Almeida foi, como jornalista, o cicerone do programa dedicado sobretudo ao evento Ciência 2023 realizado na Universidade de Aveiro.

Mas, em paralelo, o mesmo Reginaldo Rodrigues de Almeida, através da sua Kind of Magic, sacou 24 mil euros num contrato com a Universidade de Aveiro para a “aquisição de serviços de gestão, realização e produção de conteúdos relativos ao plano de comunicação do evento Ciência 2023, a decorrer nos dias 5, 6 e 7 de julho”.

Ou seja, não tendo o dom da ubiquidade, Reginaldo Rodrigues de Almeida conseguiu estar no mesmo sítio – Universidade de Aveiro – a exercer duas funções, mas incompatíveis: jornalista, para o programa de informação Falar Global, e produtor de conteúdos para um plano de comunicação de um evento. Sem surpresa, no programa Falar Global, o primeiro-ministro António Costa foi entrevistado, o mesmo sucedendo com Rosalia Vargas, presidente da Ciência Viva, e também Paulo Jorge Ferreira, reitor da Universidade de Aveiro, que também contratara a empresa Kind of Magic.

No programa, o próprio Reginaldo Rodrigues de Almeida entrevista, ao longo de mais de três minutos a comissária do evento, Helena Vieira. O plano de comunicação traçado pela Kind of Magic parece coincidir com a cobertura do programa da CMTV apresentado pelo jornalista e gerente da Kind of Magic.

Reginaldo Rodrigues de Almeida esteve na Universidade de Aveiro como jornalista, para o programa de informação da CMTV, e como gerente da Kind of Magic, exercendo o papel de produtor de conteúdos para o plano de comunicação do evento, tendo facturado 24.000 euros por esta segunda função.

Mas há ainda uma terceira entidade que se destaca nas relações comerciais do jornalista Reginaldo Rodrigues de Almeida: a autarquia de Oeiras.

Nos últimos três anos, a Kind of Magic tem conseguido, desde 2020, uma espécie de avença anual por ajuste directo para “prestação de serviços de emissão de conteúdos” de promoção do conceito Oeiras Valley no próprio programa Falar Global – que, saliente-se, é um programa de informação da CMTV, onde na ficha técnica consta os nomes dos responsáveis editoriais da televisão da Cofina: Carlos Rodrigues (director), Paulo Oliveira Lima (director executivo), João Ferreira, Pedro Carreira e Rui Quartin Costa (subdirectores).

Embora não se conheçam todo os pormenores por não terem sido publicados no Portal Base os cadernos de encargos, os três contratos – cada um no valor exacto de 49.999,82 euros, assinados em Setembro de 2020, em Setembro de 2021 e em Dezembro 2022 – mostram similaridades.

Por exemplo, no contrato do final do ano passado, Reginaldo Rodrigues de Almeida, gerente da Kind of Magic, garantiu à autarquia liderada por Isaltino de Morais a produção de “26 conteúdos publicitários para divulgação da marca Oeiras Valley, no programa ‘Falar Global’ da CMTV”, que é apresentado pelo jornalista… Reginaldo Rodrigues de Almeida. Note-se que os programas de informação não podem ter conteúdos publicitários, e muito menos através de jornalistas.

Printscreen do registo como jornalista de Reginaldo Rodrigues de Almeida, retirado hoje da base de dados da Comissão da Carteira Profissional de Jornalista.

No seu programa, Falar Global, Reginaldo Rodrigues de Almeida destaca amiúde produtos tecnológicos de empresas privadas, mas ignora-se se existem contrapartidas financeiras, uma vez que apenas em contratos com entidade públicas é obrigatória a sua publicitação. Em todo o caso, a maioria dos trabalhos da Kind of Magic serão para empresas privadas. No ano passado, apenas terá sido assinado um contrato público de cerca de 50 mil euros, com a autarquia de Oeiras, e a empresa de Reginaldo Rodrigues de Almeida facturou 284.427 euros.

Saliente-se que o objecto social da Kind of Magic é vasto, mas incompatível como o Estatuto de Jornalista, uma vez que inclui a “assessoria de imprensa, marketing e comunicação” e ainda “consultoria de imagem, comunicação e de gestão”, bem como “formação nas mesmas áreas”.

O PÁGINA UM tentou obter esclarecimentos e comentários de Reginaldo Rodrigues de Almeida sobre as actividades incompatíveis entre jornalismo e negócios, ainda mais num programa de informação, mas não obteve qualquer reacção.

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