A Direcção-Geral da Saúde escondeu desde Outubro o acesso aos documentos solicitados sobre os trabalhos da Comissão Técnica de Vacinação contra a Covid-19 (CTCV), mesmo após um parecer da Comissão de Acesso aos Documentos Administrativos (CADA). Disse hoje que vai disponibilizar todos os pareceres daquela entidade no seu site. Uma vitória do jornalismo sobre o obscurantismo da Administração Pública.
Após contínuas diligências do PÁGINA UM, a Direcção-Geral da Saúde (DGS) promete agora publicar a totalidade de todos os pareceres da Comissão Técnica de Vacinação contra a Covid-19 (CTVC) realizados no decurso da pandemia. Até agora apenas se conhece o parecer relativo às crianças, divulgado em Dezembro passado, mas nunca foi disponibilizada, nem permitido o acesso, a qualquer documentação sobre os trabalhos dessa entidade criada por Graça Freitas em Novembro de 2020.
A CTVC, constituída por um vasto conjunto de especialistas em medicina e epidemiologia, tem como funções, entre outras, recomendar grupos-alvo da vacinação COVID-19 e a sua priorização, e ainda propor e acompanhar o desenvolvimento de estudos sobre a vacinação e as vacinas utilizadas em Portugal.
Esta decisão da DGS em conceder acesso universal aos documentos foi comunicada esta tarde ao PÁGINA UM, e aparenta constituir o epílogo de uma árdua e solitária “batalha” para o acesso a documentação vital para a compreensão da pandemia e a avaliação da gestão das políticas de saúde.
E constitui sobretudo uma mudança radical desta entidade, que nunca se mostrou, até agora, favorável à prática do chamado “arquivo aberto”.
Com efeito, o PÁGINA UM começou há quatro meses a solicitar o acesso a esta documentação, ainda quando estava a preparar o projecto jornalístico.
Em 26 de Outubro do ano passado, foi endereçado um pedido expresso à DGS, ao abrigo da Lei do Acesso aos Documentos Administrativos (LADA), para “acesso a todos e quaisquer pareceres técnicos, pareceres e outros documentos considerados documentos administrativos” relacionados com a CTVC.
O PÁGINA UM referiu então que deveriam ser igualmente disponibilizados os ofícios enviados por Graça Freitas à ministra da Saúde, Marta Temido, “contendo o(s) dito(s) parecer(es) e recomendações, e também todos e quaisquer documentos escritos ou sob a forma áudio ou audiovisual de especialistas consultados pela CTVC”, bem como as actas de reuniões.
A DGS remeteu-se ao silêncio, e o PÁGINA UM apresentou uma queixa à Comissão de Acesso aos Documentos Administrativos (CADA) em 11 de Novembro.
A CADA apenas se pronunciaria em 20 de Janeiro do presente ano – 48 dias úteis após a queixa, sendo que a legislação lhe impõe um máximo de 40 dias para uma decisão –, através de um parecer em que referia que, “no quadro exposto, salvo razão para alguma não satisfação do pedido, que haverá de ser a entidade requerida [DGS] a comunicar directamente ao requerente [PÁGINA UM] deverá ser facultado o acesso” aos documentos da CTVC.
Saliente-se que a DGS, que nem sequer respondera à CADA quando convidada a pronunciar-se, tinha de dar acesso ao documento ou dar uma justificação ao PÁGINA UM no prazo de 10 dias úteis, ou seja, até 3 de Fevereiro. Também nada fez.
O PÁGINA UM também procurou saber, junto dos partidos com assento no próximo Parlamento (PS, PSD, Chega, Bloco de Esquerda, PCP, Livre e PAN), que comentários faziam sobre esta atitude de recusa da DGS, mas não obteve qualquer resposta aos e-mails enviados em 21 de Fevereiro. Nenhum, partido, note-se, mostrou interesse em ver a DGS a cumprir um parecer da CADA e a aplicar o princípio do “arquivo aberto” da Administração Pública, consagrado numa legislação criada já em 1993.
Recorde-se ainda que o PÁGINA UM foi o único órgão de comunicação nacional que, durante a pandemia, solicitou documentação escondida pela DGS.
Até à data, o PÁGINA UM já solicitou informação distinta, mas bastante detalhada, em oito situações concretas, invocando sempre a LADA. Com excepção de um pedido ainda com o prazo legal de 10 dias em curso, a directora-geral da Saúde tem optado até agora, e de forma sistemática, em indeferir tacitamente – isto é, opta por manter o obscurantismo da Administração Pública, e nem sequer responde.
A abertura agora da DGS em disponibilizar os documentos da CTVC, após todas as diligências do PÁGINA UM, pode ser assim o princípio de uma nova era.