Esta semana assistimos a mais um “número” protagonizado pelo primeiro-ministro com a mãozinha das suas partenaires – leia-se, uma boa parte da imprensa dita de “referência”. Com o anúncio de um pacote de “medidas de apoio” aos jovens, António Costa afinal passou-nos, na verdade, mais um atestado de incompetência.
Quis ele mostrar-nos, mais uma vez, que trata os portugueses como crianças; ele julga poder comprar-nos se nos passar umas guloseimas para a mão, na forma de subsídios e ajudinhas, para que permaneçamos pobres, mas um pouco menos, e assim nos lembremos que ele é o nosso bondoso “amigo”; e que nos lembremos do Partido Socialista na hora de irmos às urnas. Infelizmente, este modus operandi tem resultado muito bem: foi (também) assim que ele conseguiu – ou eles, se juntarmos o seu Partido Socialista – a maioria absoluta.
Há quem gabe a arte, ou a “sorte”, de António Costa, como se o seu sucesso fosse atribuível a uma espécie de graça caída dos céus. Outros, dizem que é um político exímio e tacticista. De facto, há que reconhecer-lhe o mérito de conhecer bem a essência do povo português e de saber exactamente como o manobrar. Mas, note-se, as artimanhas do Partido Socialista não lograriam o mesmo efeito sem a preciosa ajuda (inadvertida ou não) da comunicação social mainstream. Os seus estratagemas, ainda que engenhosos, sairiam furados se não fosse a mediocridade de muita da nossa imprensa, que nos brinda com manchetes e notícias acríticas – umas atrás das outras.
Feito o anúncio de António Costa na Academia Socialista – com toda a pompa e circunstância, como tem sido dito, para apresentar uma mão cheia de migalhas –, pouco se viu, na imprensa, contraponto jornalístico ou perguntas incómodas. Não se colocou o dedo na ferida, face à lástima em que o país se encontra – e cuja responsabilidade só pode ser assacada a quem nos governa há oito anos, independentemente das suas tentativas de ludibriar o povo com falinhas mansas.
Mas a comunicação social não se limitou a não cumprir com o seu mais elementar dever, do qual, na verdade, já se demitiu há muito. Foi mais longe, e escrevinhou notícias tais como: “Prendas de Costa aos jovens” – note-se o tom paternalista concedido pelo Público: um governante que gere dinheiro dos nossos impostos, dá depois prendas aos jovens, mas esse dinheiro veio dos pais e demais familiares dos jovens… E isto já sem falar muito em títulos grandiloquentes sobre o nosso “Costa, o ‘fazedor’ em Évora”, ainda por cima vítima das “mentiras” do Conselho do Estado.
Por pouco, pensei, a coisa não descambava para títulos como “António Costa, o magnânimo”, “António Costa, o benfazejo”, “António Costa, o clemente”, ou ainda, sugere-me o director do PÁGINA UM (que é desse tempo), “António Costa, o Bem-Amado”. Quem precisa de uma equipa de comunicação, quando se tem jornalistas encarteirados, e reconhecidos pela CPCJ, que escrevem notícias destas? Nem o veterano do marketing político, Luís Paixão Martins, consegue fazer o primeiro-ministro parecer tão bom – ou, se calhar, ali há dedo dele. Enfim, António Costa pode mesmo demitir o seu excelso técnico de comunicação; os seus serviços são dispensáveis.
Vamos constatar o óbvio: António Costa não “dá” nada. António Costa, na verdade, tira-nos cada vez mais. António Costa desfere golpes na população através de pesados impostos, que são mal aplicados – veja-se o estado da Saúde e da Educação) –, e depois distribui pensinhos, enquanto alguns “jornalistas” fazem manchetes onde evidenciam a sua generosidade.
Em paralelo, porque não há heróis sem obstáculos, a comunicação social insiste e persiste na cantiga da alegada “guerra” entre António Costa e Marcelo Rebelo de Sousa. Mesmo a existir, uma contenda entre o primeiro-ministro e o Presidente da República, questiono-me se será matéria para tanta cobertura noticiosa e destaque de primeira página perante o estado da Nação. Não há outros temas no topo das prioridades?
Mas a questão é que este suposto combate rasca Costa VS Marcelo, que nos impingem ad nauseam, parece não passar de mais uma história fabricada. Talvez para manter a aparência de uma democracia salutar, em que existe uma separação de poderes eficiente, em vez de uma mera partilha de poderes entre companheiros de longa data. De facto, tudo aponta para que os dois sejam “tu cá, tu lá”, e estejam (demasiado) à vontadinha, mas a nossa imprensa faz o obséquio de engendrar uma realidade alternativa para ir entretendo os portugueses.
Enfim, o jornalismo mainstream deixou de ser o essencial watchdog do poder; neste momento é uma espécie de companheiro – na verdade, um fiel pet. E dos que vestem floridos laçarotes no pescoço, enquanto solta uns latidos de satisfação.
Maria Afonso Peixoto é jornalista
N.D. Os textos de opinião expressam apenas as posições dos seus autores, e podem até estar, em alguns casos, nos antípodas das análises, pensamentos e avaliações do director do PÁGINA UM.