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Orçamento tapa (mal) buracos

silver bell alarm clock

por Maria Afonso Peixoto // Outubro 25, 2023


Categoria: Opinião

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Numa altura em que o país debate o Orçamento de Estado para 2024, e na mesma semana em que se assinou o Dia Internacional para a Erradicação da Pobreza, é pertinente fazer-se uma reflexão sobre a situação em que nos encontramos e o rumo que estamos a tomar – não obstante muitos de nós termos os olhos postos no conflito Israel-Hamas. E, infelizmente, parece que ainda não é possível, nem será tão cedo, vislumbrar a cada vez mais esperada “luz ao fundo do túnel”.

Um relatório recente da Rede Europeia Anti-Pobreza revelou dados preocupantes – que se tornam ainda mais alarmantes tendo em conta que se referem a 2021, não reflectindo por isso a hecatombe da crise inflacionista e do aumento dos juros que o ano de 2022 nos trouxe. Ou seja, o cenário será ainda mais negro.  Há dois anos, segundo este relatório, quase metade da população assolada pela pobreza encontrava-se, mesmo assim, a trabalhar. Também havia 1.696.000 pessoas em situação de risco, significando que os seus rendimentos se situavam abaixo dos 551 euros mensais.

grayscale photo of man with shop bags walking past beggar siting on sidewalk

O Dia Internacional para a Erradicação da Pobreza também levou a que a atenção mediática e política se debruçasse, por momentos, no flagelo dos sem-abrigo, com o Presidente da República a pedir para se fazer mais, mas sabemos que ele é reincidente em pedidos deste género, como se viu em 2019 e no ano passado. Apesar dos desejos presidenciais, já havia sido noticiado em Setembro que Portugal é o sexto país da União Europeia com mais sem-abrigo, com quase 10 mil pessoas nessa condição. O Governo, por seu turno, aproveitou a efeméride para apresentar o “Plano de Acção da Estratégia Nacional de Combate à Pobreza 2022-2025”.

Mas se a pobreza extrema é um problema grave e que necessita de ser combatida, é igualmente pavoroso assistir a uma classe média cada vez mais estrangulada, num país onde quem aufere 2000 euros brutos pertence ao clube dos mais “ricos”, e com um nível de vida já mais baixo do que a Roménia.

Ora, face às dificuldades financeiras crescentes, algumas das principais medidas previstas no Orçamento de Estado e que o executivo anunciou de forma emproada, foram a diminuição do IRS, o aumento do salário mínimo e de apoios sociais como as pensões e o abono de família, e subsídios a vitimas de violência doméstica. Uma migalha para cada nicho de eleitores, portanto, capitalizando o desespero generalizado – mesmo que, no fim, fiquemos com menos.

five red apples on white surface

Quanto ao salário mínimo: se metade dos pobres, trabalham, deixarão de ser pobres com mais 60 euros por mês?! E se o preço das casas sofreu um aumento de 90% em relação a 2015, enquanto os salários aumentaram apenas 20%, subir salários por decreto servirá para resolver o problema?

No fundo, é mais um Orçamento assistencialista, numa perspectiva de damage control, mas, na verdade, com mais de damage do que de control. Porque, longe de promover soluções reais, apenas tapa buracos, e mal. No fim, sem se investir numa economia mais competitiva, continuará a não se produzir riqueza – e a tendência do empobrecimento não se inverterá.

O Governo adoptou a estratégia de parecer responsável, alardeando o slogan das contas certas – irónico, vindo do partido que nos colocou em três bancarrotas –, enquanto propagandeou uma redução de impostos que é, na verdade, ilusória.

Como foi noticiado, os impostos indirectos aumentaram, e serão mais 3 mil milhões de euros para os bolsos do Estado (mais 9% em relação ao presente). Contas feitas, o Governo deverá bater um recorde de receita fiscal em 2024. Falar de um alívio da carga fiscal é, assim, um engodo.  Pelo meio, com a Saúde e a Educação a rebentar pelas costuras, também vemos dinheiro público desperdiçado para causas vazias, como a “Igualdade de Género”, para onde serão canalizados 426 milhões de euros.

man sleeping on bench in the middle of the street

Este executivo continua, enfim, igual a si próprio: vai tapando o sol com a peneira, enquanto fomenta a dependência do Estado, e nos corta cada vez mais as pernas. Por este caminho, o que se vai conseguir é esbater as diferenças, mas seremos apenas mais iguais na pobreza. A classe média será esmifrada, e apenas alguns conseguirão escapar a esta verdadeira carnificina.

Os portugueses continuam a caminhar em direcção ao abismo da dependência e da domesticação, e a contar os tostões para se manterem à tona. Neste cenário aterrador, o Governo fez o que faz bem: dá-nos a mão, não para nos salvar, mas apenas para que o afogamento seja um pouco mais lento.

Maria Afonso Peixoto é jornalista


N.D. Os textos de opinião expressam apenas as posições dos seus autores, e podem até estar, em alguns casos, nos antípodas das análises, pensamentos e avaliações do director do PÁGINA UM.

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