Quando se pensa que já se chegou ao fundo do poço, há sempre alguém que puxa por uma picareta e continua a cavar. Se estiver muito duro, vai mesmo com martelo pneumático. É neste estado que se encontra o jornalismo português: ainda longe de atingir um fundo por mais baixo que esteja.
O caso da eleição pelos funcionários das agências de comunicação – que trabalham para empresas privadas e instituições públicas – dos “jornalistas mais admirados”, ou amados, e também do top 15 das equipas de jornalistas, mais parece uma ‘rábula’ do PÁGINA UM que, ao longo dos últimos dois anos, tem denunciado, com casos e nomes concretos, a promiscuidades de alguns jornalistas e directores editoriais que somente têm contribuído para o pântano da imprensa. Imaginei fazer um trabalho dessa natureza, mas daria demasiado trabalho e aumentaria ainda mais o lote de ‘inimigos’ entre a classe.
Não precisei disso. Houve mesmo uma consultora, a Scopen, que se predispôs, recorrendo a votos das agências de comunicação, a uma eleição dos ‘jornalistas mais fofinhos’ – daqueles que o Conselho Deontológico do Sindicato dos Jornalistas aprecia, que a Comissão da Carteira Profissional do Jornalista ama e a Entidade Reguladora para a Comunicação Social glorifica. E assim se destacou os seguintes jornalistas, por ordem de preferência: Joana Petiz (Novo), Ana Marcela (Eco), Maria João Vieira Pinto (Marketeer), Maria João Lima (Marketeer), Ana Maia (Público), Carla Borges Ferreira (Eco), Miguel Prado (Expresso), Cátia Rocha (Observador), Fátima de Sousa (Briefing), Margarida Vaqueiro Lopes (Exame), Isabel Vicente (Expresso), Mariana Bandeira (Jornal Económico), Karla Pequenino (Público), Ricardo Costa (SIC), Mariana Dias (Dinheiro Vivo), Rosália Amorim (TSF), Vítor Andrade (Expresso), Fernando Paulo (Imagens de Marca), Maria Teixeira Alves (Jornal Económico), Nuno Vinha (Jornal Económico), Carla Jorge (Lusa), Susana Oliveira (Lusa), Pedro Duriães (M&P), Bruno Roseiro (Observador), Tiago Neto (Sábado), Bento Rodrigues (SIC) e Cláudia Silva Carvalho (Time Out).
A informação oficial indica, não os mencionando, que houve mais 105 jornalistas referenciados pelos funcionários das agências de comunicação como “best journalist to work with”.
Que as agências de comunicação tenham perdido o pudor, não surpreende. Tudo se faz já às claras com directores de jornais a darem boas-vindas a parceiros comerciais das empresas gestoras de órgãos de comunicação social e jornalistas a fazerem simultaneamente trabalho de marketing e escrita de notícias (ou publicidade encapotada em notícias). Mas, pelos Céus, listarem publicamente os best journalists to work with? Assumirem que trabalham com jornalistas e assumem que gostam mais de um do que de outros?
Mas para que esta patetice se transformasse em drama teria de se colocar a cereja no topo do bolo. Por exemplo, a revista Forbes – um dos títulos da Media N9ve, que integra o semanário Novo, agora dirigida por Joana Petiz, titulou ontem: “Jornalista da Media9 é a mais admirada pelas agências de relações públicas”.
O jornal ECO também se congratulou com o facto de ser “um dos meios de comunicação social com menções por parte dos profissionais de agências de comunicação quando questionados sobre os ‘jornalistas que mais admiram’”, destacando mesmo as posições das suas duas jornalistas, Ana Marcela e Carla Borges Ferreira.
O incómodo que este ranking causou na classe – obrigando mesmo o Sindicato dos Jornalistas a fazer um comunicado de imprensa relâmpago – só demonstra que se está perante a lei da barata: quando há agências de comunicação que ‘amam’ jornalistas, e listam duas dezenas, então é porque há 200 que, escondidos, chafurdam na promiscuidade.
Por isso mesmo, só aceitarei um dia estar num ranking se for sobre os mais odiados pelas agências de comunicação – seria um fidedigno indicador de estar a fazer um trabalho rigoroso, sem vergar a interesses económicos ou políticos, em prol do verdadeiro jornalismo.