A emigração de nacionais de países do denominado Terceiro Mundo” para países ricos, como é caso de muitos países europeus, é um tema de forte discórdia há muito tempo. Países como a Suécia, a Holanda, o Reino Unido, a França ou a Alemanha debatem-se com um problema: como integrar milhões de imigrantes, não só socialmente mas também economicamente?
Portugal, apesar de ser um pobre num clube rico, começou recentemente a deparar-se com esta questão. Há semanas, recebemos o anúncio de que a agência que irá substituir o Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (SEF) pretende legalizar 600 mil imigrantes, cerca de 6% da população portuguesa!
Do ponto de vista político, temos dois lados da barricada: (i) de um lado, os partidos de “extrema-direita”, que apelam ao fim desta “invasão”; (ii) do outro, os partidos do sistema e de extrema-esquerda a defender uma política de “portas abertas”, em nome da “solidariedade” – como sempre, a solidariedade com o nosso bolso! No espaço mediático, quem se posiciona contra a política de “fronteiras abertas” recebe de imediato o epíteto de racista e xenófobo, impedindo qualquer discussão séria.
Para um libertário, como é o meu caso, parecerá correcto aceitar uma política de livre movimentação de pessoas? Na verdade, mostra-se natural que os leitores pensem o seguinte: se eu defendo o livre comércio, também defendo fronteiras abertas. Mas antes de responder à questão, importa, em primeiro lugar, distinguir a diferença entre o livre comércio e a migração de pessoas sem limitações ou entraves.
Reparem: o primeiro obriga a um acordo voluntário entre as partes, comprador e vendedor; e como é óbvio, um bem não tem vontade própria, apenas é deslocado do ponto A para o ponto B com a concordância das partes que o transaccionam.
O segundo, ao contrário de bens, pode ter lugar sem qualquer autorização prévia por parte dos residentes do território receptor; ou seja, as pessoas têm vontade própria, não dependem de terceiros para migrarem.
Que razões estarão por detrás da deslocação de pessoas de uma região para outra?
Fundamentalmente, razões económicas: as regiões com elevados salários atraem migrantes provenientes de zonas pobres. No sentido contrário, temos o capital, que tende a deslocar-se para regiões com baixos salários, por forma a tornar-se mais competitivo e obter maiores margens. Uma das formas de atenuar estes dois movimentos contrários é a existência de comércio livre.
Vejamos o caso da actual União Europeia, uma área económica altamente proteccionista. Nos dias que correm, basta regular todas as actividades económicas ao mais ínfimo detalhe para se eliminar qualquer concorrência do exterior. É tudo feito para o “nosso bem”, sempre para nos “proteger como consumidores”. Neste contexto, as empresas são obrigadas a implementar milhares de regulações para aceder ao mercado de consumo europeu. Desta forma, o estabelecimento de um negócio num país pobre para exportar para a União Europeia está automaticamente condenado ao fracasso. Apenas países como a China são capazes de o fazer, dado já terem recursos e escala para tal.
Passemos agora para um exemplo de um país pobre e altamente proteccionista. Atente-se ao que acontece no Brasil, um país com elevadíssimas taxas alfandegárias. Os construtores automóveis, como a Fiat ou a Volkswagen, constroem aí as suas fábricas, caso contrário não seriam competitivos no mercado local, dado que os carros exportados a partir da Alemanha ou Itália chegariam ao mercado brasileiro a preços proibitivos. No entanto, esses investimentos nunca servem para produzir carros no Brasil, onde os trabalhadores auferem baixos salários, para exportar para a Europa.
Em conclusão, o proteccionismo agudiza os referidos movimentos: (i) a migração de nacionais de países pobres para ricos; (2) a deslocação de capitais de países ricos para países pobres. O contrário do comércio livre, que atenua consideravelmente esta tendência, ao permitir que negócios que contratem trabalhadores em países pobres possam exportar directamente para zonas ricas, sem barreiras alfandegárias e regulatórias.
Num Mundo sem a existência de Estados, aquilo que defendo, os negócios entre particulares e empresas de diferentes regiões seriam livres e voluntários, pelo que os movimentos sobreditos seriam consideravelmente atenuados. São precisamente os Estados que criam barreiras ao livre comércio, através de políticos como Trump, Bolsonaro ou Ursula von der Leyen, altamente defensores deste tipo de políticas, em oposição ao que defende Javier Milei, um libertário. Além disso, ao erigirem generosos “Estados Sociais”, pagos com o roubo à população produtiva, atraem ainda mais este movimento migratório: incrível, dão-nos comida e casa grátis!
Vejamos agora o que aconteceria num Mundo sem Estados, sem propriedade pública, onde apenas existiria propriedade privada. Tal como os bens, a entrada de pessoas num dado território teria de contar com o acordo dos respectivos proprietários. Neste caso, os imigrantes teriam de receber um convite para poderem entrar.
Para além do convite, no caso de particulares, também teriam de assegurar o alojamento; no caso de negócios, teriam de assegurar salário e alojamento. E não ficaria por aqui. Aqueles que os convidam também teriam de se responsabilizar pelos possíveis estragos sobre propriedade alheia (roubos, vandalismo…), bem como por eventuais agressões à integridade física de terceiros – violações, assassinatos, etc.
Para tal, os que convidam seriam obrigados a contratar seguros. No caso de um seu convidado assaltar, agredir ou assassinar alguém, o seguro teria de indemnizar as vítimas e substituir com bens equivalentes ou reparar os objectos subtraídos e vandalizados a terceiros.
Em conclusão, numa sociedade livre, sem Estado, antes de se convidar alguém, tem de se ponderar benefícios (baixos salários, conhecimentos técnicos) e custos (seguros, alojamento…), pois quem convida é responsável pelo que acontece aos outros. Desta forma, os seguros seriam mais caros para convites endereçados a nacionais provenientes de regiões com uma cultura que não respeita as mulheres (violações) ou a vida (ambientes de guerra, regiões controladas por máfias…).
E o que é que acontece com um Estado? Usemos um exemplo em Portugal.
Suponhamos uma empresa de estufas que contrata trabalhadores do Bangladesh; ou a Uber que contrata motoristas provenientes da Índia e Paquistão. Se algo acontecer, como violações, crimes ou assaltos, o custo não se reflecte sobre quem contratou, mas sobre toda a sociedade. No fundo, ninguém é responsável. Com a existência do Estado, quem “convida” apenas tem em conta os benefícios e nunca os custos!
Como expliquei em artigo anterior, ao contrário de uma Monarquia Absoluta – onde não existia propriedade pública, mas já existia Estado –, numa democracia os eleitos não são proprietários de nada, apenas usufruem do tacho enquanto estão no poder. Têm de roubar no mais curto espaço de tempo, é-lhes indiferente se a casa vai ficar destruída com o número elevadíssimo de inquilinos que lá põem.
Não espanta que não estejam preocupados com os danos sobre as infra-estruturas e serviços essenciais de um país que podem ser causados por tal “invasão”; por outro lado, ao serem uma casta privilegiada, vivem numa bolha e longe destes problemas – nunca ninguém os viu a viver ao lado de ciganos. O seu interesse é apenas um: roubar uma minoria para comprar os votos da maioria, ganhando assim eleições e a eternização no poder.
Não espanta que não estejam preocupados com a entrada de uma horda de imigrantes. Para eles, é só vantagens: (i) recebem um “balão de oxigénio” para o gigantesco esquema em pirâmide que criaram, mais conhecido por segurança social; (ii) compram votos com as casas, alimentos e serviços médicos “grátis”, obviamente pagos pela plebe, e colocando uma medalha ao peito pela solidariedade praticada com o dinheiro dos outros. Finalmente, para evitarem qualquer crítica, asseguram-se que os órgãos de propaganda, pagos com o nosso bolso, lancem os indispensáveis epítetos racista e xenófobo a qualquer opositor.
Temos assim a suprema humilhação: de um lado, a “extrema-direita”, que se aproveita da frustração e desespero das populações para ganhar votos; do outro, os partidos de extrema-esquerda e do regime que cancelam qualquer voz crítica, usando as eternas palavras do medo: “cuidado, vem aí os fascistas que não os deixam entrar”. Na verdade, nenhum aponta o verdadeiro problema: o Estado e a propriedade pública.
Luís Gomes é gestor (Faculdade de Economia de Coimbra) e empresário
N.D. Os textos de opinião expressam apenas as posições dos seus autores, e podem até estar, em alguns casos, nos antípodas das análises, pensamentos e avaliações do director do PÁGINA UM.