A autarquia de Loures alegou por três vezes na última quinzena de Novembro uma pretensa “urgência imperiosa” para entregar três empreitadas de grande dimensão por simples ajuste directo sem sequer se preocupar em fazer um contrato escrito. Além disto, em duas dessas obras, as empresas beneficiadas – STAP e Alves Ribeiro – nem sequer deveriam ter sido escolhidas se se aplicasse o espírito subjacente ao Código dos Contratos Públicos que estabelece limites para a entrega de contratos de ‘mão-beijada’, isto é, contratos onde os adjudicatários não têm o incómodo da concorrência nem as entidades públicas a necessidade de serem transparentes.
No seguimento da recente notícia revelando que o município liderado pelo socialista Ricardo Leão tinha adjudicado um muro de suporte com um custo de 1,02 milhões de euros à empresa STAP, o PÁGINA UM detectou mais dois ajustes directos divulgados ontem no Portal Base em que se alega, mais uma vez, a “urgência imperiosa” para estender uma ‘passadeira vermelha’ à Alves Ribeiro e à Teixeira Duarte.
No primeiro caso, o contrato foi de cerca de 334 mil euros (IVA incluído), e visará a concepção e construção de passagem hidráulica do Caminho do Boição de Cima, em Bucelas, enquanto no segundo contrato atinge quase 974 mil euros, para a contenção dos taludes no Bairro da Bela Vista, em Santo António dos Cavaleiros.
Uma vez que nenhum destes contratos tem sequer caderno de encargos nem qualquer outra peça procedimental foi divulgada no Portal, não se consegue perceber se as obras em causa se localizam em terrenos públicos, ou se a autarquia se está a substituir a responsabilidades de terceiros. Nos três ajustes directos é apenas invocada, na plataforma dos contratos públicos, a impossibilidade de se cumprir os prazos para os outros procedimentos (como concurso público, incluindo urgente, ou de consulta prévia) por motivos de “urgência imperiosa”.
Mas a autarquia simplesmente invoca a norma, em vez de apresentar a “Fundamentação” como é exigido no Portal Base, gerido pelo Instituto dos Mercados Públicos, do Imobiliário e da Construção. Aliás, é também a suposta “urgência imperiosa” que determina a possibilidade da não redução a escrito de um contrato. Uma possibilidade que a Câmara Municipal de Loures tem aproveitado, mesmo em contratos de largas centenas de milhar ou mesmo mais de um milhão de euros, em que se esperaria maior transparência.
Com efeito, num levantamento do PÁGINA UM aos 29 ajustes directos acima de 100 mil euros celebrados pela autarquia de Loures desde 2021, e já publicados no Portal Base, encontram-se 11 em que se invoca a “urgência imperiosa”, envolvendo um total de quase 3,1 milhões de euros. Destes, seis foram de empreitadas de obras públicas, que beneficiaram a Alves Ribeiro (dois contratos no valor total de quase 600 mil euros, IVA incluído), a STAP (também dois contratos, envolvendo um total de mais de 1,2 milhões de euros), a Obragoito (um contrato de 265 mil euros) e a Teixeira Duarte (um contrato de 974 mil euros).
Neste lote de seis ajustes directos de empreitadas de obras públicas, apenas em dois contratos a autarquia justificou verdadeiramente o recurso ao ajuste directo e à opção pela não redução a escrito do contrato, após as fortes chuvadas há exactamente um ano na Área Metropolitana de Lisboa. Para reparar vias públicas, o município de Loures escolheu a dedo a Alves Ribeiro e a Obragoito e entregou a cada uma 265 mil euros (IVA incluído), mas pelo menos referiu-se nos registos que a “urgência imperiosa” se justificou ”em resultado dos fenómenos atmosféricos extremos e imprevisíveis ocorridos nos dias 7 e 8 de dezembro de 2022, [em que] houve necessidade de uma atuação e intervenção urgentes com vista à reposição e restabelecimento das condições mínimas de circulação e segurança para pessoas e bens, e ao afastamento do perigo real e imediato no terreno, a qual não é compatível com o desenvolvimento de um procedimento pré-contratual comum.”
Saliente-se, contudo, que a alegação, com ou sem uma fundamentação válida, para um procedimento de ajuste directo não é uma ‘luz verde’ para não haver contrato escrito. Na verdade, constitui uma opção política de não-transparência, uma vez que existem outros ajustes directos, mesmo na autarquia de Loures, em que, invocando-se a “urgência imperiosa” se publicaram contratos escritos.
Mais polémico ainda é a escolha arbitrária das empresas de construção civil pela autarquia de Loures sob a alegação de se estar perante situações de “urgência imperiosa” que não são da sua responsabilidade. O artigo 113º do Código dos Contratos Públicos refere que, no caso de empreitadas de obras públicas, “não podem ser convidadas a apresentar propostas, entidades às quais a entidade adjudicante [neste caso, a autarquia de Loures] já tenha adjudicado, no ano económico em curso e nos dois anos económicos anteriores (…) propostas para a celebração de contratos cujo preço contratual acumulado seja igual ou superior” a 30.000 euros. Este limite serve para que não haja entidades beneficiadas sistematicamente, quebrando as regras de livre concorrência e a boa gestão dos dinheiros públicos.
Ora, entre os recentes contratos por ajuste directo celebrados pela autarquia de Loures, estão duas empresas que, no último triénio (2021, 2022 e 2023) repetiram ajustes directos acima de 30 mil euros: a STAP, como referido já pelo PÁGINA UM, e a Alves Ribeiro. Esta segunda empresa, além dos dois ajustes directos por “urgência imperiosa”, teve direito a receber também de ‘mão-beijada’ (sem concorrência) a empreitada para a preparação dos terrenos da Bobadela para a recepção da Jornada Mundial da Juventude. Pelo menos essa é a referência (“Ajuste Direto Regime Geral”) que constava hoje no Portal Base, apesar de fonte da autarquia ter garantido ao PÁGINA UM que esse trabalho “não foi adjudicado por recurso à figura do ajuste direto, mas sim por via de convite, em sede de Consulta Prévia, a cinco entidades”, não identificando as outras quatro.
Esta obra, aliás, beneficiou também de um regime de excepção por decisão governamental, e está a constituir uma ‘caixinha de surpresas’ para o erário público: depois de uma primeira adjudicação em Março deste ano por 4.442.200 euros (IVA incluído), já conta com duas modificações contratuais: a primeira em Julho, que subiu a factura para quase 4,8 milhões de euros (IVA incluído); e a segunda em Agosto, que subiu a ‘parada’ para os 4.995.110,98 euros. A diferença supera assim mais de meio milhão de euros, mas pode não parar por aqui porque actualmente surge o aviso de que o “contrato [está] em revisão”.
O município de Loures tem, contudo, outra interpretação, “não houve qualquer violação do disposto no artigo 113º do Código dos Contratos Públicos, uma vez que se tratam de, em ambas as situações, procedimentos que não seguiram a tramitação geral da contratação pública, mas sim regimes especiais”, acrescentando que, além do caso das obras para a Jornada Mundial da Juventude, os outros contratos foram determinados por “critério material” (“urgência imperiosa” por alegados “fenómenos atmosféricos extremos verificados no território de Loures”).
E a mesma fonte oficial da autarquia de Loures acrescenta ainda que “a escolha das entidades, em situações de manifesta urgência, são determinadas tendo por base o perfil e currículo de empresas com boas referências de mercado para a tipologia dos trabalhos a executar, bem como a disponibilidade de meios recursos face à urgência a que se pretende responder”. Ou seja, a atender pelas alegações do município de Ricardo Leão, se as empresas Alves Ribeiro e a STAP não existissem, estas obras de “urgência imperiosa” seriam adiadas, com prejuízo público, por não haver ninguém capaz de as executar.
Dois dos contratos por ajuste directo concedidos pela Câmara Municipal de Loures alegando “urgência imperiosa” integram o Boletim P1 da Contratação Pública e Ajustes Directos que agrega os contratos divulgados no dia 6 de Dezembro. Desde Setembro, o PÁGINA UM apresenta uma análise diária aos contratos publicados no dia anterior (independentemente da data da assinatura) no Portal Base. De segunda a sexta-feira, o PÁGINA UM faz uma leitura do Portal Base para revelar os principais contratos públicos, destacando sobretudo aqueles que foram assumidos por ajuste directo.
PAV
Ontem, dia 6 de Dezembro, no Portal Base foram divulgados 703 contratos públicos, com preços entre os 1,63 euros – para aquisição de material de ostomia, pelo Hospital de Braga, através de consulta prévia – e os 2.007.973,00 euros – para aquisição de updates/upgrades de software, pelo Instituto de Gestão Financeira da Educação, através de concurso público.
Com preço contratual acima de 500.000 euros, foram publicados 20 contratos, dos quais 13 por concurso público, dois ao abrigo de acordo-quadro, um por consulta prévia e quatro por ajuste directo.
Por ajuste directo, com preço contratual superior a 100.000 euros, foram publicados 7 contratos, pelas seguintes entidades adjudicantes: Estado Maior da Força Aérea (com a Saab, Inc., no valor de 1.239.975,00 euros); Administração Regional de Saúde de Lisboa e Vale do Tejo (com a Sanofi, no valor de 1.050.000,00 euros); dois do Município de Loures (um com a Teixeira Duarte – Engenharia e Construções, no valor de 918.835,50 euros, e outro com a Alves Ribeiro, S.A., no valor de 315.271,36 euros); Escola Secundária de Jaime Moniz (com a Porto Editora, no valor de 520.571,48 euros); Centro Hospitalar de Lisboa Ocidental (com a Johnson & Johnson, no valor de 233.710,00 euros); e o Município de Oeiras (com a Arquimetro – Projetos e Urbanismo, no valor de 210.000,00 euros).
TOP 5 dos contratos públicos divulgados no dia 6 de Dezembro
Adjudicante: Instituto de Gestão Financeira da Educação
Adjudicatário: Normática, Serviços de Informática e Organização
Preço contratual: 2.007.973,00 euros
Tipo de procedimento: Concurso público
2 – Execução da empreitada “Complexo Residencial do Pinheiro Manso – Habitação Colaborativa”
Adjudicante: Santa Casa da Misericórdia de Valpaços
Adjudicatário: Anteros Empreitadas – Sociedade de Construção e Obras Públicas
Preço contratual: 1.947.564,00 euros
Tipo de procedimento: Concurso público
3 – Prestação de serviços para a recolha, transporte e envio a destino final de resíduos
Adjudicante: Águas do Tejo Atlântico
Adjudicatário: Blueotter – Circular
Preço contratual: 1.896.917,84 euros
Tipo de procedimento: Concurso público
4 – Construção do Pólo de pós-graduações
Adjudicante: Instituto Politécnico de Santarém – Serviços Centrais
Adjudicatário: Vomera Building Solutions
Preço contratual: 1.888.250,00 euros
Tipo de procedimento: Concurso público
Adjudicante: Instituto de Gestão Financeira da Educação
Adjudicatário: Normática, Serviços de Informática e Organização
Preço contratual: 1.597.373,27 euros
Tipo de procedimento: Concurso público
TOP 5 dos contratos públicos por ajuste directo divulgados no dia 6 de Dezembro
1 – Fornecimento de extensão do sistema de vigilância aeronáutica
Adjudicante: Estado Maior da Força Aérea
Adjudicatário: Saab, Inc.
Preço contratual: 1.239.975,00 euros
2 – Aquisição de vacina contra a gripe tetravalente de dose elevada
Adjudicante: Administração Regional de Saúde de Lisboa e Vale do Tejo
Adjudicatário: Sanofi
Preço contratual: 1.050.000,00 euros
3 – Concepção e construção de solução de contenção dos taludes no Bairro da Bela Vista
Adjudicante: Município de Loures
Adjudicatário: Teixeira Duarte – Engenharia e Construções
Preço contratual: 918.835,50 euros
4 – Aquisição de manuais escolares digitais, bens e serviços conexos
Adjudicante: Escola Secundária de Jaime Moniz
Adjudicatário: Porto Editora
Preço contratual: 520.571,48 euros
5 – Concepção e construção de passagem hidráulica
Adjudicante: Município de Loures
Adjudicatário: Alves Ribeiro, S.A.
Preço contratual: 315.271,36 euros
MAP