Empresa de netos do fundador da Mota-Engil factura em 'estranho' ajuste directo por alegada ausência de concorrência

Universidade do Porto ‘presa’ a uma tenda de 4.000 euros por mês

por Elisabete Tavares e Pedro Almeida Vieira // Dezembro 14, 2023


Categoria: Res Publica

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A Universidade do Porto está a pagar mais de 4.000 euros por mês pelo aluguer de uma tenda instalada nos jardins de um palacete de que é proprietária, a Casa do Primo Madeira, onde funciona o Círculo Universitário do Porto. O aluguer, iniciado no ano passado e que poderá durar pelo menos até 2025, vai orçar em cerca de 245 mil euros, mas a Reitoria achou por bem assumir esse encargo que beneficia uma empresa de dois netos do fundador da Mota-Engil, Manuel António da Mota. Para justificar os contratos por ajuste directo à Saiotes & Etc, a Reitoria alega nos dois últimos contratos, o mais recente assinado na segunda-feira passada, que não existe concorrência por “motivos técnicos”.


Sem concurso, alegando inexistência de concorrência por “motivos técnicos”, a Universidade do Porto vai pagar uma pequena fortuna para alugar uma tenda montada nas suas próprias instalações, no jardim do Círculo Universitário do Porto. A Universidade diz que precisa do equipamento, nomeadamente para o subalugar para a realização de eventos, sobretudo casamentos, mas a forma como justifica um ajuste directo por suposta ausência de concorrência, mostra sobretudo uma estória com algumas pontas soltas.

O contrato adjudicado por ajuste directo, assinado na passada segunda-feira, prevê que, até ao final de 2025, a Universidade pagará mais de 4.000 euros por mês à Saiotes e Etc – Festas Lda., proprietária do equipamento. No total, a Universidade poderá desembolsar 112.634,38 euros neste aluguer, se houver a prorrogação prevista para 2025, que também incluiu mais de 11 mil euros para manutenção preventiva e corretiva. Ou seja, estamos perante um aluguer de uma tenda nos terrenos que pertencem ao ‘inquilino’, sendo que o ‘inquilino’, além da renda, paga os arranjos da tenda.

O pavilhão alugado pela Universidade do Porto é propriedade da Saiotes & Etc. – Festas e foi instalado no jardim do Círculo Universitário do Porto em 2016 pela antiga concessionária do Círculo, com autorização da Universidade.

A justificação da Universidade para a atribuição deste negócio sem concurso é de que não existe uma alternativa, ou seja, uma outra empresa no mercado que instale e alugue um pavilhão-tenda equipado com as mesmas características, embora o mercado seja abundante neste tipo de estruturas.

Mas a Universidade do Porto garantiu ao PÁGINA UM que a única empresa a quem pode alugar um equipamento similar é mesmo só a Saiotes & Etc – Festas Lda., uma vez que esta empresa já seria a detentora de pavilhão-tenda entretanto montado naquele espaço universitário.

A empresa em causa é uma sociedade por quotas, organizadora de eventos, que tem a particularidade de ter como sócios-gerentes os irmãos Maria Clara Mota de Meireles Mendes e António Mota de Meireles – netos do fundador da construtora Mota-Engil, Manuel António da Mota. Maria Clara Mendes é, aliás, uma das administradoras da Fundação Manuel António da Mota no mandato de 2022-2025, sendo também sócia-gerente, com o irmão, da Verotâmega, uma sociedade Imobiliária detida em parceria com a mãe e irmã.

Fachada do palacete do Círculo Universitário do Porto. Nos jardins foi autorizada a instalação de uma tenda desde 2016. A Reitoria agora paga uma renda mensal de mais de 4.000 euros.

Este aluguer não é o primeiro pela Universidade do Porto à empresa Saiotes & Etc, mas é aquele que consolida um ‘facto consumado’. Em Fevereiro do ano passado, as duas partes tinham celebrado um contrato de aluguer por três meses, no valor de 15.200 euros, mas aí a fundamentação para o ajuste directo foi por estar abaixo dos 20 mil euros. Em Junho seria celebrado outro contrato, com uma renda mensal de 3.750 euros acrescidas de despesas de manutenção, que se prolongou até finais de Outubro deste ano. Neste caso, o ajuste directo já passou a ser justificado por ausência de concorrência por “motivos técnicos”.

Mas afinal quais são os “motivos técnicos” que impedem a realização de um concurso público pela Universidade do Porto, com a possibilidade de outras empresas fazerem propostas mais aliciantes? Ou qual o motivo para a Universidade do Porto não assumir os custos da instalação da tenda e depois a concessionar, em vez de optar por alugar um espaço nos seus próprios terrenos?

Segundo o director de comunicação da Reitoria da Universidade do Porto, Raul Santos, “o aluguer ou a aquisição permanente de outra estrutura semelhante implicaria custos superiores a este contrato”. Aos olhos da Universidade do Porto, o aluguer da tenda é essencial se quiser obter receitas com o subaluguer do espaço para a realização de casamentos, festas e outros eventos, já que o pavilhão/tenda tem capacidade para 400 pessoas e está já equipado.

Maria Clara Mota Mendes, sócia-gerente da Saiotes & Etc. – Festas e administradora
da Fundação Manuel António da Mota.

De acordo com a mesma fonte, a origem do pavilhão da Saiotes & Etc remonta a 2016, quando então existia uma concessão dos espaços do Círculo Universitário a um empresa privada, a Silva Carvalho. Na altura, a montagem da estrutura da tenda da Saiotes & Etc obteve “autorização da Universidade” e “tem licença de utilização”. Porém, não existe qualquer contrato para a instalação da tenda disponível no Portal Base, visto que o negócio acabou por ser realizado entre duas entidades privadas, não se sabendo, por isso, os moldes em que foi feito. Aparentemente, a Universidade do Porto não salvaguardou os interesses para a situação, que se veio a verificar, de assumir novamente a gestão do Círculo Universitário.

Na altura da montagem da tenda em 2016, o objectivo da empresa concessionária (Silva Carvalho) foi substituir uma outra já existente mas em mau estado. O Círculo era então gerido pela Associação de Estudantes e que “estava em mau estado”. Mas durante a sua gestão pela Associação, o Círculo Universitário do Porto entrou em grave crise financeira com suspeitas de fraude, e a Universidade acabou por assumir a posse e as dívidas, tendo então decidido concessioná-lo até Novembro de 2021. Depois dessa data, a Reitoria assumiu a sua gestão.

A opção pela compra de uma tenda colocou-se, mas de acordo com Raul Santos, “uma consulta ao mercado demonstrou que, atualmente, a aquisição de um pavilhão semelhante representaria um investimento superior a 280 mil euros, acrescido de IVA e do custo associado às respetivas infraestruturas necessárias para o funcionamento do espaço, nomeadamente: fundações, cozinha, instalações sanitárias, redes de saneamento, redes elétricas, entre outras”.

Por outro lado, acrescenta a mesma fonte, “a desmontagem e a construção de um novo pavilhão, traduzir-se-ia em lucros cessantes para a Universidade, uma vez que obrigaria à paragem da atividade do Círculo Universitário [durante algum tempo], o que representaria um prejuízo de receita, na medida em que este espaço tem vindo a ser rentabilizado através do aluguer para eventos privados, existindo uma calendarização considerável de eventos já contratualizados”, justificou. Em todo o caso, saliente-se, com os três contratos por ajuste directo (alegando em dois dos casos uma norma de questionável aplicação (ausência de concorrência por “motivos técnicos”) já ascendem a quase 245 mil euros, IVA incluído, e quando chegar ao final de 2025. E novo aluguer terá de ser concretizado se a Reitoria quiser continuar a ter uma tenda no Círculo Universitário.

Ricardo Magalhães, director-executivo da Saiotes & Etc disse ao PÁGINA UM que a compra do equipamento pela Universidade do Porto “já esteve em cima da mesa”, mas “o negócio não foi para a frente”. Até porque a compra da tenda equipada só faria sentido se a estratégia da Universidade passasse por manter o negócio de a alugar para a realização de eventos, o que não é certo. O responsável pela empresa garantiu ainda que se a Universidade optar por não usar a tenda a desmontagem será fácil, sendo necessário retirar apenas também os contentores que compõem a cozinha e WCs de apoio.

Além dos três contratos já efectuados com a Universidade do Porto, a Saiotes & Etc tem apenas mais um contrato registado no Portal Base, com o Instituto de Emprego e Formação Profissional, no valor de 19.988 euros. Neste último caso, o contrato, também por ajuste directo, diz respeito a “aquisição de serviços de apoio, promoção e suporte técnico” do ‘Fórum Social do Porto’.

O Círculo Universitário do Porto está instalado num palacete oitocentista, denominado Casa do Primo Madeira, localizado na Rua do Campo Alegre. Nos anos de 1980 foi sujeita a obras de reabilitação pelo arquitecto Fernando Távora, que lhe valeu o Prémio João de Almada, para recuperação do património arquitectónico da cidade do Porto, quando já estava então na posse da Universidade.

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