Do ódio à paixão. Ou, então, à dominação. Cristiano Ronaldo é efectivamente o ‘homem forte’ da CMTV e do Correio da Manhã, órgãos de comunicação social com quem, durante anos, teve uma relação mais do que conflituosa, com processos judiciais e mesmo lançamento de microfones à água. O registo formal dos novos accionistas no Portal da Transparência dos Media, gerido pela Entidade Reguladora para a Comunicação Social (ERC), mostra que o mais celebrado futebolista português detêm direitos de voto de 30% na Medialivre. O accionista individual que mais se aproxima de CR7 é um dos fundadores da Cofina, Domingos Vieira de Matos, com 16%. Todos os outros, incluindo Paulo Fernandes, detém 10% ou menos. Por agora, CR7 não revela interesses em influir na gestão da nova empresa que sucede à Cofina Media, pois apenas meteu na administração, sem poderes executivos, o seu amigo Miguel Paixão dos Santos.
Processou, amesquinhou e lançou mesmo microfones de um incómodo jornalista num passeio da selecção nacional para um lago de Lyon em 2016. Em troca, a CMTV e o Correio da Manhã foram brindando Cristiano Ronaldo, na televisão e páginas do jornal de maior audiência nacional, com a revelação de ‘escândalos’ ou fait divers voyeuristas da sua vida privada. O mais recente ‘confronto’ ocorreu já dois anos quando o Correio da Manhã revelou que a cobertura do luxuoso apartamento de CR7 junto ao Parque Eduardo VII estava ilegal, obrigando o futebolista a demolir a ‘marquise’.
Mas, negócios são negócios, e tudo mudou com a operação de venda da Cofina Media aos seus próprios gestores e accionistas, entre os quais estavam Paulo Fernandes, o homem-forte da Altri. Desde o verão sabia-se que Cristiano Ronaldo seria um dos accionistas da ‘nova’ Cofina Media, que passou a partir deste mês a denominar-se Medialivre. Mas até agora não havia qualquer confirmação oficial da participação do futebolista nem a de outros accionistas, sobretudo quadros da Cofina Media e mesmo de actuais e antigos responsáveis da CMTV e Correio da Manhã, como Carlos Rodrigues e Octávio Ribeiro.
Mas, a partir de agora, já se sabe porque o PÁGINA UM já confirmou essa informação no registo que conta: o Portal da Transparência dos Media gerida pela Entidade Reguladora para a Comunicação Social (ERC). E Cristiano Ronaldo é, de longe, o accionista de referência da Medialivre, muito à frente de qualquer outra pessoa.
A Medialivre é, de acordo com a informação transmitida para o regulador, uma sociedade anónima praticamente detida pela holding Expressão Livre II, com 99,79% das acções, sendo a restante percentagem (0,21%) acções próprias sem direito a voto. Foi através dessa holding, como veículo financeiro, que se concretizou a compra da Cofina Media pelo grupo de gestores da própria empresa – um processo financeiro denominado Management Buy Out (MBO). E também foi no seio dessa holding que se decidiu a parte que caberia a cada um dos accionistas individuais.
Sabia-se já, desde o Verão passado, que estavam neste MBO, a equipa de gestão da Cofina Media, quadros da empresa e um conjunto de investidores, entre os quais Luís Santana, Ana Dias, Octávio Ribeiro, Isabel Rodrigues, Carlos Rodrigues, Luís Ferreira, Carlos Cruz, Domingos Vieira de Matos, Paulo Fernandes e João Borges de Oliveira. E sabia-se que Cristiano Ronaldo, como investidor externo, tinha sido convidado e acedera a ser também um investidor.
Mas até agora, e incluindo o momento em que foi anunciado na semana passada a nova denominação da empresa – a Medialivre, para se desligar definitivamente da marca Cofina –, não tinha sido divulgada a participação concreta das diversas empresas com interesses na holding Expressão Livre II: a Actium Capital, a Caderno Azul, a Livre Fluxo, a Sorolla e ainda a CR7, uma das sociedades anónimas de Cristiano Ronaldo.
Ora, de acordo com uma pesquisa do PÁGINA UM aos registos da Plataforma da Transparência dos Media, uma das empresas de Cristiano Ronaldo, a CR7 S.A., detém efectivamente 30% da participação e dos direitos de voto na Expressão Livre II. Se o investimento do futebolista na compra tiver sido proporcional à posição que detém, para já teve de desembolsar 17,4 milhões de euros, ou seja, 30% dos 56,8 milhões de euros que envolveram a concretização do MBO.
Essa participação, de entre as seis com acções naquela holding, nem é a maior, porque a Sorolla SGPS tem 32%. Porém, Cristiano Ronaldo é, na prática, a pessoa com maior poder no novo grupo de media, uma vez que a CR7 é detida quase integralmente por ele (do capital social de 500.000 euros, há outros quatro sócios, incluindo a sua filha Alana, com quotas de 1 euro), ao contrário da Sorolla.
De facto, analisando os accionistas da Sorolla – que integram gestores da antiga Cofina Media e ainda o actual director da CMTV e Correio da Manhã, Carlos Rodrigues, e o antigo, Octávio Ribeiro –, observa-se uma grande dispersão individual, uma vez que conta com sete accionistas. Luís Santana, o gestor que liderou o processo do MBO e assumiu agora a função de CEO tem uma posição de 29% na Sorolla, o que significa assim que detém, indirectamente, um peso de apenas 9,3% na Medialivre.
Outros dois accionistas da Sorolla têm participações de 18% (Ana Isabel Fonseca e Octávio Ribeiro) – implicando assim um peso de 5,8% na Medialivre para cada um – e mais três contam com 11% (o director do Correio da Manhã e CMTV, Carlos Rodrigues, Isabel Rodrigues e Luís dos Reis Ferreira), o que significa um peso de 3,5% para cada um. Por fim, o advogado Carlos Barbosa da Cruz – que dinamizou todos os procedimentos legais da operação de compra da Cofina Media através de MBO – tem agora 2% da Sorolla, o que significa um peso de apenas 0,6% da Medialivre.
A pessoa que acaba por se aproximar mais da posição de Cristiano Ronaldo na Medialivre é o Domingos Vieira de Matos, um dos fundadores da Cofina, com interesses também na Greenvolt e na Ramada Investimentos e Indústria. Através da Livrefluxo, uma empresa de consultadoria do Porto criada em 2008 e da qual possui 90,09% das acções, Vieira de Matos tem uma participação de 18% na holding que agora detém a antiga Cofina Media. Significa assim que o seu peso indirecto nos destinos dos órgãos de comunicação social da Medialivre é de cerca de 16,2%.
Os restantes dois accionistas da Expressão Livre II têm apenas 10%. Um deles é Paulo Fernandes, o CEO da Altri, através da Actium Capital, integralmente sua. Ou seja, tem um peso de 10% na Medialivre. O outro é a empresa Caderno Azul, na área da consultadoria de gestão, que é detida em 50,1% por João Borges de Oliveira, outro administrador de longa data da Cofina. Ou seja, tem 5% da Medialivre.
Por agora, CR7 não mostra sinais de querer influenciar na gestão da Medialivre. A comissão executiva da empresa, eleita em Novembro passado, é integralmente formada, nesta fase, por accionistas da Sorolla (Luís Santana, Isabel Fonseca, Octávio Ribeiro e Isabel Rodrigues), ou seja, por pessoas com ligações fortes à antiga Cofina Media; portanto, de continuidade.
No conselho de administração da dona da CMTV e Correio da Manhã, e de forma evidente, o ‘dedo’ de Cristiano Ronaldo apenas está presente através do seu amigo de longa data Miguel Paixão dos Santos, que é um dos oito administradores.
Mas essa postura discreta, sobretudo pelo peso dos 30% – que tem sempre relevância em operações de investimento –, pode mudar-se em qualquer momento. Recorde-se, por exemplo, que a família Balsemão, através da Balseger, apenas controla directa e indirectamente cerca de 36% da Impresa (dona do Expresso) e da SIC, mas põe e dispõe, há mais de duas décadas daqueles órgãos de comunicação social, incluindo a indicação dos membros do conselho de administração.
Uma coisa é certa: será interessante acompanhar a partir de agora a cobertura noticiosa pela CMTV e Correio da Manhã da vida e façanhas de Cristiano Ronaldo, o seu novo ‘patrão’.