Acho alguma piada às operações de Natal da PSP e de GNR, com os directos do tabuleiro da Ponte 25 de Abril ou da VCI, onde um capitão qualquer, oriundo de Viseu, nos explica o sucesso da operação pelo número de condutores apanhados nas mais diferentes infracções.
Sei que há uma coluna no Orçamento do Estado para as multas, e boa parte deve ser preenchido nesta quadra.
Mas o que realmente se mostra hilariante, em todo o aparato, é como tudo aquilo mais não faz do que nos passar um atestado de estupidez. A polícia tenta, num período festivo, controlar aquilo que o mais comum dos portugueses faz o ano todo: conduzir depressa, ou bêbedo, ou sem documentos ou sem respeitar as mais elementares regras do Código da Estrada. E, por vezes, todas as situações em simultâneo.
Mesmo assim, com todos os avisos e intermináveis directos de manhã à noite em todos os canais informativos, milhares de condutores são apanhados em flagrante. E temos ainda 1.500 que conseguem ter acidentes. E ainda há, em média redonda, 20 desgraçados que morrem sem chegar ao jantar de família. Ou depois dele.
Na verdade, o período de Natal não é diferente do resto do ano. Simplesmente os acidentes passam a ser notícia. Mas estupidez do condutor português, essa, é exactamente a mesma de Janeiro a Dezembro.
Não sei se alguma vez consultaram as estatísticas de mortalidade nas estradas da União Europeia. Portugal está em destaque juntamente com países como a Bulgária, Roménia, Letónia, Hungria, Polónia e Croácia. Nenhum tem uma rede rodoviária como a portuguesa. Aliás, arrisco-me a dizer que não existe outro país no Mundo com o tamanho de Portugal (continental) e com igual quantidade de autoestradas, IPs, SCUTs e todo um conjunto de vias rápidas que deveriam facilitar a circulação em segurança.
Mas isso de pouco serve se ao volante estiver um mentecapto que arrisca em cada curva e que conduz a três metros do carro da frente, não é?
Se eu atravessasse a Europa sem ver uma única placa, saberia, ainda assim, quando me estivesse a aproximar de Portugal. Bastaria ver o momento em que os carros ultrapassam, de uma forma geral, todos os limites de velocidade impostos na ânsia de chegar uns minutos mais cedo.
Nesta semana que passou, enquanto conduzia entre a Suécia e Portugal, e com a quantidade de emigrantes que se deslocaram de países como Bélgica, Luxemburgo, França, Suíça ou Alemanha, conseguia quase sempre perceber, pelo tipo de condução, se eram portugueses ou não.
Uma vez na estrada, fico com a sensação que estamos sempre dentro de um circuito do NASCAR e aflitos para chegar a algum lado, mesmo sabendo que aquilo é um percurso oval, sem saída possível.
E tanto faz se estamos numa auto-estrada, no Marquês do Pombal ou no centro da vila. As regras são para os outros, os limites de velocidade uma chatice e a cordialidade no trânsito um acto de fraqueza.
Quem não levou já uma buzinadela do ‘amigo’ de trás por dar passagem a um condutor ao lado? Todo o metro conta, a luta é constante, só os mais espertos se safam.
Ninguém sabe que a uma velocidade constante não há filas porque não existem travagens bruscas nem efeitos de onda. Ninguém consegue ver para lá de 10 metros do próprio motor.
Uma das coisas que me habituei a pensar, quando comecei a atravessar a Europa de carro, e já lá vão 20 anos, é que há sempre alguém que não chega ao destino. Há sempre alguém que fez planos com a família que não vai cumprir. E há sempre alguém que aguarda um abraço mas que não vai receber.
Em Portugal, torna-se difícil explicar a quantidade de mortes na estrada sem fazer uso da nossa própria estupidez. Não é a qualidade das estradas, porque são óptimas. Não é a sinalização. Muito menos o clima. Vou repetir as palavras, porque não encontro outras melhores: o condutor português é incrivelmente estúpido.
Na mesma estatística que acima mencionei, aparecem Dinamarca e Suécia com as estradas mais seguras da Europa. Notem: são países com estradas que não chegam aos ‘calcanhares’ das portuguesas. A Suécia, com 2.500 quilómetros de comprimento, tem uma mão cheia de auto-estradas. Portugal, só entre Lisboa e Porto, tem três. Ainda assim, os suecos têm pouquíssimas mortes na estrada porque cumprem duas regras básicas: respeitam os limites de velocidade e não conduzem bêbedos.
E se o fizerem, só fazem uma vez, porque a polícia não brinca às “Operações Natal”. Aqui há uns anos, um amigo meu foi apanhado a conduzir sob efeito de álcool e acabou obrigado a pagar 5.000 euros ali, no momento, ficou sem carta e durante um ano teve visitas semanais obrigatórias à esquadra para mostrar análises ao sangue.
Ou a população percebe, sozinha, que não pode meter a vida dos outros em risco, ou então deve isso ser-lhe explicado pelas autoridades. Mas não é com operações de Natal, Páscoa ou Ano Novo.
É com multas a doer e com consequências que não deixem vontade de arriscar. Na Finlândia, as multas de velocidade são proporcionais ao valor declarado do IRS. Um milionário foi apanhado e encheu os cofres da polícia com uns milhares, numa simples multa por excesso de velocidade.
Sugiro o mesmo para o caso português. Multas que afectem o bolso de cada um consoante as suas possibilidades. Ao fim de duas, começava-se a dispersar a estupidez e a sobressair o bom senso. Ou civismo, se preferirem.
Tiago Franco é engenheiro de desenvolvimento na EcarX (Suécia)
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