Este ano, um conjunto de 10 concertos intimistas, com bilhetes pagos, dinamizado pelo cantor Tony Carreira, e que promove também o Modelo Continente, recebeu cerca de 100 mil euros de autarquias locais em apoios à produção. Tanto a Regi-Concerto, a empresa de espectáculos do próprio Tony Carreira, como outras ‘produtoras amigas’ foram as beneficiadas com dinheiros públicos. Contas feitas, o tour solidário movimentou cerca de 200 mil euros, entre apoios públicos e venda de bilhetes – maquia suficiente para Tony Carreira financiar a associação em memória da filha, distribuir donativos e fazer ganhar dinheiro a produtoras, saindo, no ‘fim do filme’, como um benfeitor, um ‘mecenas’.
Nos concertos solidários que Tony Carreira realizou ao longo de 2023, a sua empresa Regi-Concerto conseguiu apoios financeiros das autarquias onde se realizaram os espectáculos superiores ao valor dos donativos a instituições locais que anunciou na semana passada.
Numa consulta ao Portal Base para detectar apoios financeiros concedidos à produção do denominado Tour por Todos, constata-se que oito dos 10 municípios que receberam o artista acabaram por pagar montantes entre os 6.500 e os 19.000 euros, mesmo sabendo-se que os espectáculos tinham bilhete pago (15 euros).
No total, os municípios de Vila Nova de Gaia, Moita, Lousã, Mirandela, Guarda, Sintra, Faro e Amarante, com recurso a dinheiros públicos, entregaram um total de 100.860 euros para apoio aos concertos solidários de Tony Carreira, que ainda registaram receitas de bilheteira de 98 mil euros. Não se apurou ainda se as Câmaras Municipais de Torres Vedras e Ílhavo – onde se realizaram concertos em Setembro – disponibilizaram apoios financeiros à produção. Note-se que os concertos, em ambiente intimista, realizaram-se em espaços públicos sem pagamento de qualquer verba. Ou seja, os custos de produção foram mínimos.
Em dois desses concertos (Vila Nova de Gaia e Amarante), quem recebeu o apoio financeiro foi directamente a Regi-Concerto. No caso do município de Gaia, onde o concerto se realizou em 18 de Março, a empresa de Tony Carreira recebeu 10.000 euros, enquanto a Câmara Municipal de Amarante entregou este mês, pelo concerto de 9 de Dezembro, mais 9.500 euros.
Deste modo, incluindo IVA dedutível, Tony Carreira recebeu, através da sua empresa, 23.985 euros, ou seja, valor superior ao donativo-extra anunciado. Além disso, se for a Regi-Concerto a fazer formalmente o donativo às instituições locais, a empresa terá um benefício fiscal no final do ano, implicando que possa pagar menos cerca de sete mil euros de impostos.
Contudo, indirectamente, Tony Carreira poderá ter beneficiado ainda mais com estes concertos solidários, porque acabou por indicar produtoras com quem mantém relações comerciais para serem elas a receber os apoios públicos. Assim, o concerto nos municípios da Moita (25 de Março) e de Faro (15 de Outubro) foram produzidos pela empresa Adriana Sousa Unipessoal, que recebeu um total de 24.600 euros (IVA incluído).
A empresa Simultâneo de Ideias e Música produziu os concertos em Mirandela (12 de Maio) e na Guarda (20 de Maio), recebendo das autarquias um total de 31.980 euros. Por fim, a Rui Almeida Management produziu o concerto no Centro Cultural Olga Cadaval em Sintra, no dia 23 de Setembro, recebendo 7.995 euros daquela autarquia, e a empresa Eventis recebeu 12.300 euros pela produção do concerto na Lousã em meados de Abril.
Deste modo, considerando as receitas totais, entre apoios públicos e venda de bilhetes, o tour solidário de Tony Carreira movimentou cerca de 200 mil euros, mas somente 69.000 euros terão seguido para instituições de apoio local: 49.000 euros por metade das receitas de bilheteira (sendo que outro tanto foi para a Associação Sara Carreira) mais os 20 mil euros extra de donativos anunciados pelo cantor.
Ou seja, tudo ‘espremido’, pela realização do Tour por Todos, as instituições locais de solidariedade social receberam 69.000 euros (a confirmar-se o donativo extra de 20 mil euros), que confronta com os cerca de 100.000 euros, pelo menos, gastos por autarquias locais para pagamentos dos tais concertos solidários.
E o resto ‘esvaiou-se’ em receitas das empresas produtoras, incluindo a Regi-Concerto de Tony Carreira, o cantor romântico que ainda pôde receber os ‘aplausos’ públicos por ser benemérito após tantos financiamentos públicos. Convenhamos que, em termos de ‘saldo solidário’, o maior beneficiário é assim o benemérito.
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