A empresa imobiliária de Tony Carreira e da ex-mulher, que também detém a sua empresa de espectáculos, tem registado sucessivos lucros, aumentando os capitais próprios em 9,6 milhões de euros desde 2019. Mas este sucesso não tem sido apenas por razões de negócios, mas também por via contabilística e fiscal. Sem ser dada qualquer explicação, a holding familiar Regibusiness teve no ano passado receitas recorde de mais de 10 milhões de euros, mas na hora de ser tributada por lucros de 3,3 milhões de euros só teve de pagar menos de 78 mil euros ao Fisco, uma taxa de IRC de apenas 2,34%. Tony Carreira não quis explicar ao PÁGINA UM – que mostra todas as demonstrações financeiras da Regibusiness desde 2018 –, este ‘milagre financeiro’ nem se, com tão elevado património, fez algum donativo significativo à Associação Sara Carreira para efeitos de benefícios fiscais.
A holding familiar de Tony Carreira, a sociedade anónima Regibusiness, obteve benefícios fiscais que implicaram uma poupança no pagamento de impostos de cerca de 600 mil euros no ano passado, sem que as demonstrações financeiras, disponíveis na Base de Dados das Contas Anuais (BDCA) indiciem uma justificação válida, tendo em conta os exercícios anteriores e os resultados líquidos.
O cantor – cujo verdadeiro nome é António Manuel Mateus Antunes, que detém 49,98% deste empresa criada em 2006, sendo que uma participação idêntica é detida pela sua ex-mulher Maria Fernanda Antunes – não mostrou disponibilidade em esclarecer as causas deste benefício fiscal tão elevado. O património de Tony Carreira e da sua ex-mulher, concentrado na Regibusiness – e que não distribui dividendos – tem aumentado significativamente nos últimos quatro anos. Em 2018, os capitais próprios eram de cerca de 6,9 milhões de euros, tendo aumentado quase 9,6 milhões em quatro anos, cifrando-se em cerca de 16,5 milhões de euros.
Por norma, as empresas encontram-se sujeitas a Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas (IRC) à taxa de 17% sobre a matéria coletável até 25.000 euros, e à taxa de 21% na parte que exceda. Estas taxas poderão ser maiores se, por exemplo, houver despesas indocumentadas, ou serem bastante menores se houver despesas ou investimentos abrangidos pelo Estatuto dos Benefícios Fiscais. Também pode ser menor se houver prejuízos em anos anteriores, abatendo-se assim à matéria colectável que resultará numa menor taxa efectiva de imposto.
Mas esse não é o caso da Regibusiness, uma empresa que tem como objecto social “a promoção imobiliária, compra e venda de imóveis e revenda dos adquiridos para esse fim, gestão de imóveis próprios e alheios, investimentos turísticos, exploração hoteleira e similares”, além de deter também a empresa de espectáculos Regi-Concerto, que gere a carreiras de Tony Carreira e dos seus filhos Mickael e David.
O PÁGINA UM analisou as demonstrações financeiras da Regibusiness desde 2018 e em nenhum ano houve prejuízos, revelando uma situação sólida, e em crescimento, apesar de em 2019 tal não ter sucedido porque houve incorporação de cerca de 1,35 milhões de euros em ganhos de subsidiárias (Regi-Concerto). Nesse ano, aliás, por via disso, a Regibusiness não pagou IRC, apesar de resultados antes dos impostos de cerca de 1,26 milhões. Mas a sua subsidiária pagou.
Nos outros anos anteriores a 2022, a holding de Tony Carreira pagou sempre uma taxa efectiva de IRC acima de 20%. Em 2018, com vendas e prestação de serviços de apenas 257 mil euros, a família do cantor viu ser-lhe aplicada uma taxa efectiva de imposto de 30,45%, desembolsando para o Fisco 81.004 euros. Em 2020, as vendas e prestações cresceram para os 1,33 milhões de euros, e por essa via os resultados antes dos impostos de um pouco mais de 500 mil euros tiveram tributação de 25,55%, que representou um pagamento ao Estado de 128.653 euros.
Por fim, no ano de 2021, para vendas e prestações de serviços que resultaram em resultados antes dos impostos de cerca de 750 mil euros, a Regibusiness foi obrigada a pagar à Autoridade Tributária e Aduaneira 151.791 euros, portanto um tributo de 20,19%.
É neste contexto que as contas para o ano de 2022 causam estranheza pelo baixíssimo tributo pago. A Regibusiness contabilizou mesmo um ‘ano de ouro’ com as vendas e prestações de serviços a atingirem quase 10,5 milhões de euros, ou seja, um crescimento de 746% face a 2021. Em consequência, os resultados antes dos impostos cifraram-se em mais de 3,3 milhões de euros, ou seja, mais que quadruplicaram.
Assim, se às contas de 2022 da Regibusiness tivesse sido aplicada a taxa efectiva de imposto de 2021 (20,19%), Tony Carreira e família teriam necessidade de desembolsar quase 670 mil euros para o Fisco. Mas pelas contas entregues, e por agora aceites pela Autoridade Tributária e Aduaneira, a Regibusiness apenas teve de pagar 77.706 euros, correspondendo assim a um IRC de 2,34%.
Deste modo, Tony Carreira e a sua ex-mulher puderam acumular ao seu pecúlio um lucro líquido de 3.239.188 euros em apenas um ano, acumulando assim a Regibusiness um capital próprio de mais de 16,5 milhões de euros no final de 2022.
Sem qualquer explicação de Tony Carreira – que surge como presidente do Conselho de Administração da Regibusiness (os outros administradores são a ex-mulher e o seu filho Mickael) –, ignora-se assim quais os motivos contabilísticos para tamanho benefício fiscal num ano de recorde de receitas e de lucros.
Tony Carreira também nunca explicou se, durante o ano de 2022, a Regibusiness e a Regi-Concerto fizeram algum donativo substancial, incluindo propriedades, à Associação Sara Carreira, criada em memória da filha do cantor e que recebeu em tempo recorde o estatuto de utilidade pública. Com esse estatuto, concedido pela Secretaria de Estado da Presidência do Conselho de Ministros em Dezembro de 2022, os doadores conseguem, a partir desse ano, que o valores entregues à Associação Sara Carreira sejam “considerados custos em valor correspondente a 140 % do respetivo total, quando se destinarem exclusivamente à prossecução de fins de caráter social, a 120 %, se destinados exclusivamente a fins de caráter ambiental, desportivo e educacional, ou a 130 % do respetivo total, quando forem atribuídos ao abrigo de contratos plurianuais celebrados para fins específicos, que fixem os objetivos a prosseguir pelas entidades beneficiárias, e os montantes a atribuir pelos sujeitos passivos”.
A Associação Sara Carreira – que apenas tem como sócios os seus familiares, o pai Tony Carreira, a mãe Fernanda e os irmãos Mickael e David –, e que compartilha a sede com a Regi-Concerto, detida pela Regibusiness,tem recusado, por agora, disponibilizar elementos contabilísticos sobre os seus doadores. Uma situação que vai contra as condições impostas pelo Governo para usufruto do estatuto de utilidade pública e seus benefícios fiscais.
No seguimento de diligências que teve como objectivo esclarecer o estatuto de utilidade pública da Associação Sara Carreira, a Secretaria-Geral da Presidência do Conselho de Ministros disponibilizou ao PÁGINA UM todo o processo onde, de forma clara, se salienta que as entidades que o recebem “tem o dever”, entre outros, de “assegurar a transparência da gestão através da possibilidade de acesso aos documentos relativos à sua gestão financeira e patrimonial a quem demonstrar ser titular de um interesse direto, pessoal, legítimo e constitucionalmente protegido”, como é o caso dos jornalistas, aplicando-se o regime de acesso aos documentos administrativos.
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