O ‘activista’ Sérgio Tavares publicou esta semana um vídeo no seu canal de Youtube onde inquiria os transeuntes nas ruas do Porto sobre as suas intenções de voto para as próximas legislativas. Ressalvando que a vox populi (ainda mais do que as sondagens) tem enviesamentos que, do ponto de vista de rigor, deixam muito a desejar, ouvir esta ‘amostra’ da ‘voz do povo’ mostra-se esclarecedora sobre a suposta ‘invencibilidade’ do Partido Socialista.
Houve um excerto, em particular, que se tornou ‘viral’, atingindo centenas de milhares de visualizações e suscitando comoção nas redes sociais: uma senhora dizia que, no dia 10 de Março, tencionava votar para “manter o que está” (o Partido Socialista) porque já é reformada, e que os sucessivos escândalos a que temos assistido em Portugal também são comuns “nos outros países”. Questionada sobre a necessidade de haver um “grito de revolta”, retorquiu que, por ela, deixa-se andar, e acrescentou: “os mais novos que o façam”.
E é nestas alturas que somos confrontados com o ‘lado negro’ do voto universal, tido como uma enorme conquista do mundo Ocidental.
Note-se que a posição desta cidadã não poderia ser mais legítima. Com o avançar da idade, se não antes, é natural que se instalem o comodismo e o desejo de segurança. É normal, e expectável, que um reformado queira apenas assegurar a sua subsistência e não deseje alterações profundas ao status quo. Mais vale pouco, mas certo, do que o risco de perder o pouco que se tem.
Na verdade, o insensato é exigir que os reformados – que, como sabemos, são muitos, neste país envelhecido – tenham ambição e uma visão de futuro para o país, e que se preocupem, por exemplo, com propostas no sentido de estancar a sangria de jovens para o estrangeiro (um dos muitos males com que nos debatemos).
No final de Novembro, aliás, foi divulgada uma sondagem do Centro de Estudos e Sondagens de Opinião da Universidade Católica que mostra, precisamente, que o PS tem nos maiores de 65 anos mais de um terço dos seus eleitores (35%). Em contrapartida, nos jovens entre os 18 e os 34 anos, colhe a preferência de apenas 6%. É, além disso, o partido mais favorecido pelos que apresentam níveis de escolaridade mais baixos.
Percebe-se assim que, se contássemos exclusivamente com os mais jovens, a composição da Assembleia da República seria muito diferente, e a hegemonia do partido agora liderado por Pedro Nuno Santos teria os dias contados. O mesmo aconteceria se privilegiássemos o voto de quem concluiu pelo menos o ensino secundário, ou o superior.
Talvez por isso, diga-se a propósito, os partidos à esquerda tenham chumbado um projecto de resolução da Iniciativa Liberal para que se ensinasse literacia financeira nas escolas – e o Bloco de Esquerda até tenha dito que a proposta visava “doutrinar” os alunos. Aparentemente, ensinar os mais jovens a gerir o seu dinheiro é doutrinação, mas dizer-lhes que talvez fosse boa ideia mudarem de sexo, já não é.
Na rubrica de Sérgio Tavares, vemos também portugueses ‘alienados’ da política; uns, por terem perdido a esperança, outros apenas por desinteresse. Mais uma vez, absolutamente legítimo e normal. E embora alguns possam atribuir a culpa aos agentes políticos por este alheamento, a verdade é que uma fatia significativa da população simplesmente não tem aptidão ou interesse em matérias políticas. Não importa quantos direitos políticos se ofereça; será sempre uma minoria a envolver-se e comprometer-se activamente com um desígnio maior para o país.
E é por isso que a visão de uma soberania popular plena expressa na possibilidade do voto para todos tem mais de romântico do que real. Como de resto já foi estudado, e como pudemos observar durante a pandemia de covid-19, as “massas” são altamente manipuláveis. Não são elas que fazem revoluções, ou que mudam os destinos de uma nação. Assim, em democracia, vence quem é mais hábil a manobrar o povo, e não necessariamente quem é mais competente ou idóneo.
Em todo o caso, vale lembrar que hoje o “jogo” está de tal maneira viciado, que as fichas devem ser postas noutros sítios. O combate político deve fazer-se de outras formas. A cruzinha que somos convocados a fazer de quando em vez, e que faremos no dia 10 de Março, já se tornou quase uma mera formalidade. Sobretudo nestas circunstâncias em que o voto dos muitos que encolhem os ombros e dizem “os mais novos que façam”, tem o mesmo peso desses “mais novos” que estão sôfregos por fazer, e mudar, alguma coisa.
Maria Afonso Peixoto é jornalista
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