EDITORIAL DE PEDRO ALMEIDA VIEIRA

A sacanice e a filhaputice entram num bar… para me abrirem o segundo processo disciplinar (com a bênção da IURD)

person pouring liquor in clear drinking glass

por Pedro Almeida Vieira // Janeiro 17, 2024


Categoria: Opinião

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Nunca se perde pela demora, e ‘quem vai à guerra, dá e leva’. No dia 13 escrevi um editorial no PÁGINA UM, intitulado “Da hipocrisia de quem cava o ‘buraco negro’ do jornalismo“, criticando de forma corrosiva a hipocrisia da alegada jurista de mérito Licínia Girão, presidente da Comissão da Carteira Profissional de Jornalista (CCPJ), por ela defender que “nunca seremos livres se os poderes não forem escrutinados”, quando, na verdade, a CCPJ é um dos organismos públicos mais obscuros e corporativistas (e cultores do ‘amiguismo’), razão pela qual o PÁGINA UM tem em curso um processo de intimação no tribunal administrativo para aceder a documentos, entre os quais simples actas das reuniões do seu Plenário (que integra nove jornalistas).

Também criticava a postura da CCPJ – e particularmente do seu secretariado, que tem Licínia Girão e Jacinto Godinho como ‘autocratas’ – em deixar impunes as promiscuidades cometidas por uma infindável lista de jornalistas, alguns dos quais responsáveis editoriais.

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Não é a primeira vez que ‘mimo’ a CCPJ (e não será a última, prevejo), que é uma das principais responsáveis pelas vergonhas que cobrem o jornalismo português nos últimos anos. Mas também sei que, com gente desta, ‘cá se fazem, cá se pagam’. Ou pelo menos, a CCPJ quer-me fazer pagar a ousadia de ser um ‘outsider’ crítico, dando-me ‘ocupação’ ao melhor estilo do SLAPP – acrónimo de strategic lawsuit against public participation –, que consiste em abrir acções estratégicas de litígio destinadas a censurar, intimidar e silenciar críticos. E a dar-lhes trabalho, porque tem ao seu dispor recursos financeiros e mão-de-obra administrativa e jurídica.

Não contente com um processo disciplinar aberto no ano passado por eu ter denunciado um esquema de vantagem indevida e desvio irregular de vacinas contra a covid-19 perpetrado pela dupla Gouveia e Melo & Miguel Guimarães – cuja fase de instrução, sem decisão de acusação ou arquivamento, anda a ‘vegetar’ há oito meses –, a dupla ‘ccpjiana’ Girão & Godinho voltam ao ataque: abriram-me anteontem um segundo processo disciplinar porque, escrevem eles, eu fiz “acusações sem provas sobre a atuação da ERC [Entidade Reguladora para a Comunicação Social] e da IURD [Igreja Universal do Reino de Deus]”, a respeito de pedidos de confidencialidade relacionados com a transparência dos media. Vamos relembrar o que fiz…

As notícias em causa foram publicadas nos dias 15 (ERC dá confidencialidade financeira à Igreja Universal do Reino de Deus. E esconde justificação) e 17 de Setembro (Absurdo: ERC “corrige” registo da IURD a um sábado, colocando afinal todos os indicadores financeiros). Também escrevi outro artigo, intitulado “Inferno financeiro: IURD tem empresa de media em falência técnica com dívida colossal de 58 milhões de euros“, sobre o ‘império’ da Global Difusion, ligada à igreja evangélica, que gere 12 rádios locais, mas sobre este aparentemente não vislumbraram problemas (Girão & Godinho ainda vão a tempo)

Licínia Girão, presidente da CCPJ, alegada jurista de mérito: detém o ‘pequenino’ poder de abrir processos disciplinares ao jornalismo incómodo. Mesmo com base em acusações absurdas, o objectivo é moer (ou ‘moer-me o juízo’).

As duas notícias – acreditem, que é verdade – têm origem numa deliberação da própria ERC de 30 de Agosto que concedia confidencialidade a determinados dados da IURD no Portal da Transparência dos Media, sendo que a primeira destas referia que duas semanas depois naquela plataforma mantinha-se a indicação de confidencialidade para todos os dados financeiros. O artigo salientava também que a ERC considerava de “acesso reservado” aquele pedido de confidencialidade da IURD.

Recorde-se que houve uma decisão do Tribunal Administrativo de Lisboa, favorável ao PÁGINA UM, que considerava que os processos concluídos relativos a pedidos de confidencialidade deveriam ser públicos, mas a ERC recorreu para o Tribunal Central Administrativo Sul, aguardando-se uma decisão há mais de um ano. O simples recurso mostra uma atitude obscurantista do regulador, ainda mais numa matéria tão sensível como a transparência das empresas detentoras de órgãos de comunicação social.

Quanto à segunda notícia do PÁGINA UM, revelava-se a alteração feita durante UM fim-de-semana (sábado) por parte da ERC do registo da IURD no Portal da Transparência dos Media, nomeadamente os dados financeiros. Onde, até ao dia anterior, estava a referência a “pedido de confidencialidade em apreciação” passaram a constar valores. Portanto, aquela referência comprovava que elementos financeiros tinham estado em apreciação pela ERC. Os novos elementos então colocados no Portal da Transparência sobre a IURD passavam a revelar também uma situação absurda: a serem verídicos (e esses dados são transmitidos pela própria entidade), duas concessionárias automóveis (Gamobar e Soauto VRGP) eram considerados clientes relevantes da IURD.

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Apesar de as notícias se terem baseado numa deliberação da ERC e de uma base de dados oficial e pública (que, no caso dos registos da IURD são preenchidos pela própria IURD e supostamente validados pela ERC), Girão & Godinho – arautos da disciplina da CCPJ – dizem que eu fiz “acusações sem provas sobre a atuação da ERC e da IURD, sem que, aparentemente, os visados tenham sido ouvidos, sendo que a audição das partes com interesses atendíveis [dizem eles] é um dos deveres fundamentais do jornalista”.

E isto, pasme-se, quando as posições das partes estão expressas numa deliberação e em registos numa base de dados.

Claro que (mais esta) pulhice, passe este eufemismo, da dupla Girão & Godinho – que estão empenhadíssimos, acredito, em conseguirem punições suficientes para me retirarem a carteira profissional –, só foi possível com a ‘ajudinha’ de uma senhora da ERC que dá pelo nome de Tânia de Morais Soares, directora do Departamento de Análise de Media, que fez o favor de enviar, sem mais qualquer enquadramento, um chorrilho de queixas da sociedade Abreu Advogados, a mando (ou mandato) da IURD.

Aparentemente, a Dra. Morais Soares, que tem dado mostras de não apreciar o jornalismo do PÁGINA UM – atitude legítima, e que, aliás, é recíproca, sobretudo quando ela se põe em considerações contabilísticas para salvar o coiro do almirante Gouveia e Melo – terá ficado desiludida porque dois procedimentos “de queixa contra a publicação Página Um, sob a instrução da signatária, para avaliação do cumprimento das regras legais e éticas que regem a actividade jornalística”,  tiveram de ser arquivados por caducidade dos prazos de apresentação de queixa pela IURD.

Sede da ERC: o regulador tem tempo de enviar cartas à CCPJ para desencadear processo disciplinares a jornalistas que não aprecia, mas anda há meses aos papéis para regular um sector em falência (financeira e de reputação).

Ora, mas para a Dra. Tânia de Morais Soares seria uma pena perder-se essa ‘oportunidade’ de me filar; mas como a fome pode juntar-se à vontade de comer, enviou o caso à CCPJ ainda a tempo de se abrir um processo disciplinar, isto enquanto decorre ainda, noutro departamento da ERC, uma simples análise (habitual e corriqueira) relativa a uma simples denegação de direito de resposta, por causa do uso de palavras desprimorosas que a IURD exige usar no seu texto.

Em suma, a ‘acusação’ que pende sobre mim neste caso da IURD – “formular acusações sem provas e respeitar a presunção da inocência” – encaixa-se numa desavergonhada estratégia de me ocupar, ameaçar e condicionar. Esta gente faz um péssimo mal à democracia – estarem eles no ‘poiso’ constitui a prova do deplorável estado da imprensa, que para eles deve ser sossegadinha. E irrelevante. Como eles.


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