(Suposto) maior accionista da empresa de media nem sequer surge no Registo de Beneficiário Efectivo

Media: Observador (também) declara à ERC informação errada sobre indicadores financeiros

por Pedro Almeida Vieira // Janeiro 23, 2024


Categoria: Imprensa

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Por mais congressos apologéticos, apoios públicos que se clame, e bateres de peito sobre credibilidade, o cenário da transparência dos media mostra-se aterrador. O Portal da Transparência dos Media – que serve não apenas para identificar accionistas e sócios de empresas de media, mas também para saber quem, na sombra, pode influenciar linhas editoriais, quer emprestando dinheiro, quer não cobrando dívidas, quer sendo um cliente relevante – é uma anedota. Depois de ter já apanhado a Global Media, a Trust in News, a Inevitável e Fundamental (Polígrafo) e a Parem as Máquinas (Tal&Qual) na ‘rede de mentiras’ que inunda este portal gerido pela Entidade Reguladora para a Comunicação Social, o PÁGINA UM apanhou mais um caso: a Observador On Time, dona do Observador. Além de injectar sucessivos ‘balões de oxigénio’ sob a forma de aumentos de capital, a empresa pediu relevantes empréstimos bancários em 2020, que nunca declarou no Portal da Transparência dos Media. Além disso, no registo do beneficiário efectivo nem sequer consta o nome do (suposto) principal accionista, Luís Amaral, e até os dados do presidente do Conselho de Administração, António Carrapatoso, estão errados.


A Observador On Time, detentora do jornal digital e da rádio Observador, é mais uma das empresas que omite dados financeiros relevantes no Portal da Transparência dos Media, gerido pela Entidade Reguladora para a Comunicação Social. Este é o quinto caso detectado pelo PÁGINA UM nos últimos meses de erros e omissões de informação relevante em termos de transparência e de relevância económica e financeira, apanhando sempre o regulador a ‘ver navios”.

Numa análise do PÁGINA UM às últimas demonstrações financeiras conhecidas, relativas ao ano de 2022, o Observador On Time – que também tem participações na empresa Cinco Um Zero (em parceria com uma empresa do comentador e ex-jornalista João Miguel Tavares) e na Rádio Baía – tinha um passivo de cerca de 2,9 milhões de euros, identificando-se, porém, na declaração da informação empresarial simplificada (IES), valores de empréstimos bancários junto do Millenium BCP e da Caixa Geral de Depósitos que ultrapassam em muito a fasquia dos 10% do passivo.

A lei da transparência dos media obriga à identificação das entidades que detenham mais de 10% do passivo total, de modo a ser conhecida a eventual existência de dependências financeiras para além da dos próprios accionistas ou sócios. Ou seja, ao contrário do que possa ser transmitido para a opinião pública, não são apenas os sócios ou accionistas (detentores dos capitais próprios) que podem eventualmente influenciar uma linha editorial, mas também os detentores relevantes do passivo, quer sejam instituições financeiras, obrigacionistas ou até o Estado (por via de dívidas fiscais ou de Segurança Social).

Exemplo flagrante disso é a Trust in News, detentora da revista Visão e de mais 16 títulos: Luís Delgado é o único sócio da empresa, mas os capitais sociais só representam 0,12% do activo. O resto está nas ‘mãos’ de bancos, da própria Impresa (de Pinto Balsemão), de fornecedores e até do próprio Estado. A Autoridade Tributária e Aduaneira detém 42% do passivo da Trust in News, ou seja, 11,4 milhões de euros, como revelou o PÁGINA UM em primeira mão em Julho do ano passado.

No caso do Observador on Time, a situação não se mostra tão dramática em comparação com a Trust in News (e também a Global Media), sobretudo porque os accionistas, em grande número, têm realizado sucessivos aumentos de capital nos últimos anos. Só no ano passado foram dois, num valor total de 2,1 milhões de euros, acompanhados principalmente pela Amaral y Hijas Holding, do empresário Luís Amaral, que já se terá tornado, entretanto, o accionista maioritário com 54,57% do capital social e 52,56% dos direitos de voto – de acordo com a informação constante, neste momento, no Portal da Transparência dos Media.

No entanto, conforme consta no mais recente IES, “em 2020 o Observador obteve dois empréstimos genéricos de financiamento à atividade empresarial”, revelando-se, além de garantias financeiras, um empréstimo específico do Millenium BCP de 500.000 euros e outro de 1.000.000 euros proveniente da Caixa Geral de Depósitos (CGD).

Entidade Reguladora para a Comunicação Social ‘gere’ um portal da transparência ‘inundado’ de omissões e declarações falsas relevantes que escondem dívidas e interesses.

Esses dois empréstimos surgem indirectamente reflectidos nos indicadores financeiros do Observador On Time relativos ao ano de 2020 no Portal da Transparência dos Media, uma vez que o passivo sobe para cerca de 3,64 milhões de euros, mais 1,8 milhões de euros do que no ano anterior. Mas apesar de, por via desses empréstimos, a CGD deter cerca de 27% do passivo da Observador On Time e o Millenium BCP cerca de 13%, a empresa omitiu essa informação na base de dados da ERC. O mesmo sucedeu em 2021 e também em 2022, mesmo se os empréstimos foram sendo amortizados.

Analisando o IES de 2022, a empresa detentora do Observador, sem identificar outras instituições além das duas já referidas, indica que, no final desse ano, o valor do empréstimo corrente era de 521.050,29 euros (a pagar num prazo inferior a 365 dias) e não-corrente de 800.000 euros, o que indica que tanto a CGD, um banco público, como o Millenium BCP continuavam a deter mais de 10% do passivo.

Um outro indicador que chama a atenção no mais recente balanço disponível – as contas de 2023 só estarão disponíveis em Julho próximo – é a dívida ao Estado por parte da Observador On Time, que era, em final de 2022, de um pouco mais de 300 mil euros, o que ultrapassa também a fasquia dos 10% do passivo total. Resta saber se esta dívida, que pode ser transitória, se aplicava apenas a uma única entidade estatal.

Saliente-se que desde a sua fundação, em 2014, a empresa detentora do Observador nunca apresentou qualquer ano com lucro e acumulava prejuízos no final de 2022 de quase 8,4 milhões de euros. O descalabro financeiro só não se mostra evidente porque os accionistas têm injectado contínuos reforços sob a forma de aumentos de capital: desde 2018 foram já mais de 5,6 milhões de euros. Sendo certo que as receitas têm aumentado consideravelmente desde 2017, os resultados operacionais são ainda largamente negativos. Em 2020, para vendas e prestações de serviços de 6,6 milhões de euros, os resultados operacionais foram negativos em quase 590 mil euros, ou seja, um prejuízo mensal de quase 50 mil euros. A empresa declarou um número médio de 128 empregados em 2022.

Prejuízos e aumentos de capital (em euros) da Observador On Time desde 2017. Resultados de 2023 ainda não são conhecidos. Fonte: ERC e Ministério da Justiça. Análise: PÁGINA UM.

O PÁGINA UM contactou o Observador On Time, através do endereço que consta na identificação dos beneficiários efectivos – que, aliás, está completamente errada, omitindo mesmo o nome do accionista maioritário, e falseando as pequenas participações dos actuais administradores –, para obter esclarecimentos e informações, mas não obteve resposta.

Instada a comentar mais uma situação de falsas declarações no Portal da Transparência dos Media, desta vez por parte do Observador On Time, a ERC diz que a empresa apenas “inseriu o Balanço e as Demonstração de Resultados, dos quais não constam os detalhes sobre os devedores constantes na IES”. Questionado sobre a sucessão de falsas declarações, o regulador defende que o reporte é da responsabilidade das empresas, e que as “verificações dos elementos comunicados [por parte da ERC são] realizadas por amostragem ou em sequência de exposição / denúncia”.

Apesar de uma evidente passividade na gestão do Portal da Transparência dos Media – o PÁGINA UM, com simples análise ao IES (cuja obtenção custa 5 euros por cada exercício), detectou já erros ou omissões de grande relevância financeira na Global Media, na Trust in News, na Inevitável e Fundamental (Polígrafo), na Parem as Máquinas (do semanário Tal&Qual), e agora no Observador On Time –, a ERC garante que “sindicou cerca de 170 entidades”. Note-se que a Parem as Máquinas havia preenchido recentemente o registo de 2022, após um processo de contra-ordenação levantado pelo regulador, mas indicou dados que escondiam a situação de falência técnica. O caso foi mais uma vez detectado pelo PÁGINA UM, e a empresa só na última semana colocou os dados verídicos. Recorde-se que José Paulo Fafe, em audição no Parlamento, chegou a negar que a Parem as Máquinas, de quem foi sócio maioritário, estava em falência técnica. Mas está mesmo.

António Carrapatoso, através da Orientempo é accionista da Observador On Time, e também seu presidente do Conselho de Administração. Porém, apesar de indicar no Portal da Transparência dos Media, que detém 7,83% das acções e 8,64% dos direitos de voto, no registo do beneficiário efectivo esse dados estão a zero. No passado dia 18 escreveu um ensaio no Observador sobre a situação dos media em Portugal.

Porém, tendo sido pedido que referisse quantas irregularidades detectou e de que tipo, a ERC acrescenta apenas que os casos são “muito díspar[es] e com níveis de gravidade muito distintos”, acrescentando que “algumas situações podem resultar de meros lapsos/ desatenções, outras das entidades não conseguirem facultar informação tida como final em virtude de estarem numa fase de transição/ alteração da sua estrutura, e outras por inação deliberada dos mandatários”.

Faltará aqui, nestes exemplos dados pelo regulador, os casos de ocultação de dívidas ao Estado e a dependência financeira a instituições bancárias ou de financiadores (clientes). O regulador presidido por Helena Sousa acrescenta ainda que “pela diversidade de situações, a ERC não procede a uma quantificação das regularidades e irregularidades que identifica”. Ou seja, nem sequer existe, nem sequer interessa que exista, uma noção concreta das flagrantes falhas de uma base de dados da transparência dos media que, na verdade, está a servir mais para ‘apanhar’ empresas mentirosas do que para revelar, de forma transparente, as finanças de um sector que, dia após dia, perde a sua credibilidade e reputação exactamente por não ser rigoroso na hora de fazer e mostrar as contas.


N.D. O PÁGINA UM tem consciência de que, perante uma complexa miríade de normas e preciosismos absurdos exigidos pelo regulador (como, por exemplo, a necessidade de se inserir a morada do responsável editorial do jornal, e não do proprietário, na ficha técnica, o que obriga a que este registe que ‘mora’ na redacção para não divulgar publicamente o endereço da sua residência, como fui ‘obrigado’ a fazer pela ERC), podem ocorrer pequenas falhas ou lacunas no preenchimento dos registos do Portal da Transparência dos Media. Porém, curiosamente, os casos que o PÁGINA UM tem detectado não são, não podem ser, lapsos, tendo em conta a relevância da informação escondida e a dimensão das empresas. Mesmo sendo uma pequena empresa de media, o Página Um, Lda. – detentora do PÁGINA UM – jamais esconderia qualquer informação das suas demonstrações financeiras, porque isso é a base da sua confiança. Por isso, nunca sequer se imaginou, por exemplo, omitir que o irrelevante passivo de 804,60 euros a 31 de Dezembro de 2022 resultava apenas de IRS (porque não temos dívidas a fornecedores nem empréstimos) , ou seja, 100% do passivo (804,60 euros) nesse dia era ‘detido’ pela Autoridade Tributária e Aduaneira, dívida que seria saldada nos dias seguintes, em Janeiro de 2023. Colocar essa informação pode ser considerada absurda, pelo contexto, mas dura lex, sed lex. E colocámos. Achar que uma empresa de media pode alegremente fazer falsas declarações ou omitir porque sim é, no cenário actual de descredibilização, só comparável com o laxismo do regulador, que acha que com ‘paninhos quentes’ a coisa passa. Não passa.


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