Título
The Deer Park
Autor
NORMAN MAILER
Editora (primeira edição)
G. P. Putnam's Sons (1955)
Título em português
O Parque dos Veados
'Texto de eleição'
“Desert D’Or era denominado Desert Door (1) pelos aventureiros que ergueram os seus casebres junto ao oásis, e se internaram à procura de ouro nas montanhas que dominam o deserto. No entanto estes homens não deixaram rasto, e já não existia nenhum casebre quando se escolheu o sítio para construir a cidade.
“Durante a estação seca, que ali se alongava por meses, o sol queimava a localidade. Todos os crepúsculos, a água aspergida por milhares de dispositivos de rega eliminava da vegetação o pó e a areia; mas, de manhã e à tarde, os raios do Sol absorviam a seiva das plantas, e o deserto rodeava Desert d’Or com os seus cactos gigantes recortados ao longe, ao mesmo tempo que se formavam no horizonte nuvens de poeira da rocha como aves de rapina. O céu ardia sobre as areias pálidas. Chegava a passar-me ocasionalmente pela cabeça que Desert D’Or era um sítio onde as árvores não produziam folhas. Os palmares e as iúcas projectavam para os lados uma ramagem de tufos e leques, de frondes e rebentos, mas nunca de folhagem; e as palmeiras que bordejavam alguns caminhos exibiam, ao longo dos seus troncos mortos, lianas pendentes (2) que lembravam a cauda de uma avestruz.
“Durante a época baixa, a maior parte da vida social desenrolava-se nos estabelecimentos que serviam bebidas alcoólicas, e que formavam um bairro específico, ou, pelo menos, uma espécie de rua principal que substituía a que nunca existiu. Na sua uniformidade, eram uma outra versão da superfície cálida de Desert D’Or. À semelhança de tantos outros lugares do Sul da Califórnia, os bares, as cocktail lounges (3), e os clubes nocturnos, estavam todos decorados evocando uma clareira na floresta, uma gruta submarina, ou o átrio de um cinema moderno. Uma pessoa transpunha a porta de acesso ao recinto do Yatch Club, e maior, e, por isso mesmo, mais distinto hotel da localidade, e avançava por um caminho privativo amplo que cruzava, em sequência sinuosa, um jardim que se estendia por dezenas de metros e fazia prever o aparecimento, ao fundo, de uma grande mansão; mas limitava-se a desembocar num parque de estacionamento coberto, uma piscina em forma de balcão daqueles cafés então conhecidos como estilo livre (4), com cabinas de paredes curvas e cadeiras de vime, além dos vários courts de ténis relvados que continham toda a relva daquela região da Califórnia (4).
Proveniente da Força Aérea, fui até lá para me distrair com os catorze mil dólares que ganhei ao póquer no quarto de um hotel de Tóquio.
Isto aconteceu já há algum tempo.”
Comentário de Clara Pinto Correia
No tempo em que havia tempo
É aqui que esta história sem um princípio arranca, depois do que percorre 378 páginas até acabar sem um fim. Durante todo o trajecto, Mailer prende-nos à narrativa de forma magnética com o seu virtuosismo na arte difícil da grande crónica quotidiana, servida página a página por grandes aforismas e grandes diálogos. O retrato desta fauna de Hollywood recorda-nos, de repente, que já houve um tempo em que era possível fazer um filme sem inventar primeiro os dois minutos do elevator pitch, assim como era possível escrever e vender um grande romance que não começa nem acaba. Era noutra galáxia, num passado longínquo, e ninguém sabe onde tudo isto foi parar.
Notas
(1) Os “manojos”, no original inglês: palavra que o Sul da Califórnia foi buscar ao grande compêndio dos termos mexicanos já em uso aquando da formação das suas povoações, e da fixação dentro delas dos seus habitantes. A descrição quase constante em toda a narrativa dos cactos gigantes do deserto enquanto “iúcas” segue a mesma lógica.
(2) Expressão entretanto já incorporada no Português oral, designando especificamente os locais confortáveis, de música fácil e tocar bastante baixo, onde se servem destilados simples ou misturados com outros ingredientes. Note-se, atendendo à data, a total ausência de julgamento quanto ao facto de os protagonistas se encharcarem quotidianamente em inúmeras bebidas alcoólicas.
(3) Criados na euforia financeira e social do pós-guerra, e hoje designados nos Estados Unidos por “diner”, ou, mais graficamente, “greasy spoon”: são por norma restaurantezinhos baratos que servem doses colossais de comida caseira produzida na chapa com quantidades de gordura que a transformam facilmente num vício. Desenhados à imagem de um autocarro, com bancos fixos e mesas para quatro, costumavam ter balcões de fórmica muito ondulados para sentarem ainda mais clientes. Regra geral, esse desenho persiste.
(4) Note-se a indiferença perante a quase-criminalidade de gastar diariamente algumas toneladas cúbicas de água destinada estritamente a regar a relva. Para a sensibilidade moderna, esta passagem seria, sem dúvida, mais difícil de escrever.