O Público – e falo do Público, porque fez ontem um trabalho sobre esta matéria – e outros órgãos de comunicação social ‘mainstream’ andam muito entusiasmados com a possibilidade de os ‘gigantes digitais’ combaterem a denominada ‘desinformação’ durante os actos eleitorais deste ano.
Contas feitas, ao longo de 2024 haverá mais de 80 países a irem às urnas, incluindo os Estados Unidos, o Reino Unido, a Rússia, a Ucrânia, a Índia e, claro, Portugal. Estão ‘todos’ – não sei bem quem são os ‘todos’, mas encabeçados pelos directores dos media ‘mainstream’ – preocupados com os malefícios da ‘desinformação’ nas campanhas políticas, como se o Mundo só agora tivesse descoberto a existência de mentiras, de manipulações, de promessas faraónicas feitas por certos políticos. Eu, sinceramente, pensava que sempre foi assim e por todos quadrantes. Neste frenesi, Otto von Bismarck deve estar a rir-se na sua sepultura em Friedrichsruh – isto se não for, hélas, uma mentira a frase que lhe atribuem: “nunca se mente tanto como antes de umas eleições, durante as guerras e depois das caçadas”.
Sabemos bem, pela amostra dos últimos anos, como os ‘gigantes digitais’ actuam, e a forma tentacular com que seduzem e envolvem os media ‘mainstream’ (que aceitam a ‘linha’ directora adoçada com financiamentos para supostos ‘fact checkings’), catalogando e tratando a ‘desinformação’ com critérios do poder. A verdade, em tristes épocas, sempre se impôs pelo poder, em vencer em vez de convencer. Antes, e num sistema verdadeiramente democrático, quando a credibilidade da imprensa valia por si, a verdade sobrepunha-se à mentira através do debate e sobretudo do papel intermediador dos jornalistas. E da pluralidade de opinião. Acabava por ser premiada, pelos leitores, a imprensa que ‘dizia’ a verdade; e penalizada a que mentia.
Agora, não! Tudo mudou. Agora, são os ‘gigantes tecnológicos’ que determinam a ‘verdade’, através de algoritmos comandados e manipulados à distância por ‘entes’ absolutamente nada democráticos (inalcançáveis e não-identificáveis), mas seguindo uma ‘narrativa’, determinando-se à priori se algo é verídico ou não, se algo é aceitável ou não, se algo é censurável ou não. Vimos isso na pandemia, onde, por exemplo, eu e muitos – e muitos com Ciência feita de décadas – fomos censurados por dá cá esta palha, sem apelo nem agravo.
Tão fácil que foi então, e agora continua a ser, rotular, catalogar, censurar. Se o Facebook bloqueava, era porque se era negacionista, lunático, chalupa. Ainda hoje, por exemplo, a minha conta do Facebook está condicionada por ter divulgado notícias do PÁGINA UM baseadas em artigos científicos de revistas científicas com peer review. Julgo que o ‘castigo’ terminará em Março, pelo que talvez consiga, depois disto, ultrapassar as agora 20 ou 30 reacções por post. Nunca houve sequer oportunidade de apelação. Os ‘gigantes digitais’ são inalcançáveis.
E vimos isso, depois da pandemia, na invasão da Rússia à Ucrânia, onde também se permitiu a imposição de uma absurda censura aos órgãos de comunicação social russos, como se a Comissão Europeia se achasse detentora de um mandato paternalista considerando-nos inaptos por ineptos em distinguir a verdade da mentira, os factos da ficção.
E vimos isso agora nas represálias de Israel à Faixa de Gaza, onde se ‘declarou’ como dogma que qualquer crítica aos israelitas será um discurso anti-semita e qualquer atitude de compaixão sobre os palestinianos passaria a ser considerada uma apologia ao terrorismo.
E vemos agora em todas as questões fracturantes (e.g., alterações climáticas, migrações, género, etc.), onde quem quer fracturar deseja partir literalmente os seus opositores, promovendo medidas de cancelamento, de ostracismo, de silenciamento, de perseguição – e isto enquanto batem no peito clamando as virtudes da democracia. Mesmo os artistas, agora já nem podem ser subversivos, provocadores, imperfeitos, de contrário perdem o sustento.
Por isso, quando vejo o entusiasmo da imprensa ‘mainstream’, da qual o Publico é um flagrante expoente nacional, congratulando-se orgasticamente pela intervenção censória dos ‘gigantes digitais’, identificando, desde logo a ‘desinformação’ como sinónimo (ou somente proveniente) do Trump, da extrema-direita e da Rússia, assusto-me com o triste caminho que estamos a trilhar.
A simplificação da origem da ‘desinformação’ tem um propósito: não é apenas calar (pela pior forma) opositores (mesmo que sejam pouco recomendáveis, como a extrema-direita ou regimes não-democráticos como a Rússia), mas validar como ‘verdades’ todas as mentiras, todas as manipulações, todas as promessas não cumpridas, todos os actos de corrupção moral e material dos políticos ‘mainstream’.
Fazer esquecer, aliás, que foram eles, os políticos ‘mainstream’, com os seus actos e omissões. ‘benzidos’ por uma imprensa comprometida e vendida, que deixou de ser o ‘watchdog’ dos cidadãos, que ‘empurraram’ uma cada vez maior franja da população portuguesa (e ocidental) para os braços dos partidos populistas, antissistema e até de extrema-direita. Os europeus (e os portugueses incluídos) não se tornaram de repente fascistas: estão é fartos dos políticos que usurparam a expressão ‘partidos democráticos’. E começam também a estar fartos de uma imprensa que acha bem uma ‘Censura do Bem’.
A ‘fúria’ em combater a ‘desinformação’ dos ‘outros’ com o borrão da censura, passando uma esponja pelas próprias mentiras, não é um acto democrático; é o acto próprio de uma ditadura. É um acto que deve ser denunciado pela Imprensa, nunca apoiado. É um ultraje aos princípios do Jornalismo achar que há ‘Censura do Bem’, ainda mais por ‘gigantes digitais’ que janelas opacas.
Convençam-se: permitir ‘regulação’ através de ‘gigantes digitais’ não é regulação: é uma ditadura. Não se substitui o papel de uma Justiça lenta e coxa através de empresas que ‘silenciam’ carregando num botão. Isso é uma ditadura mesmo que supostamente esteja imbuída de santos princípios.
Convençam-se: não há ‘Censura do Bem’. Não há ‘Ditaduras do Bem’. Uma ditadura é uma ditadura – sempre será má. E sobretudo quando apadrinhada, como anda a suceder, pela própria imprensa ‘mainstream’.
Convençam-se: a ‘desinformação’ combate-se sim com (boa) educação, (boa) formação e (boa) informação, para melhorarmos o entendimento das coisas por parte das pessoas, sem doutrinamentos nem dogmatismos; não se combate recorrendo à censura. E ver certa imprensa explicitamente a apoiar qualquer forma de censura faz-me dar voltas ao estômago. Por isso, camaradas jornalistas, preocupem-se, sim, em dar boa informação; apenas isso. E vigiem sim Governos e ‘gigantes digitais’. Já não será pouco. É muito – é, aliás, uma fundamental razão da existência do Jornalismo.
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