Visto de Fora

Qatar à vista, apesar de Fernando Santos

person holding camera lens

por Tiago Franco // Março 28, 2022


Categoria: Opinião

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Diz quem se defende da alcunha de sortudo que tê-la, à sorte entenda-se, dá muito trabalho. No caso de Fernando Santos, nos anos que leva à frente da Selecção Nacional, a fortuna dos deuses se convertida em calcário, granito e argamassa daria para construir mais três pirâmides de Gizé.

Não sendo eu um apreciador do estilo, percebo o óbvio: os únicos troféus internacionais de Portugal chegaram pela mão do nosso Fernando, pelo que teremos de aguentar a estucha até que ele queira, ou, em alternativa, que o descalabro de derrotas seja tal que nos faça esquecer a vitória no Euro 2016 e na Liga das Nações de 2019.

Uma espécie de Mancini, versão Amadora.

three white-and-black soccer balls on field

O problema, contudo, é que o Mancini ganhou o Euro 2020 com um grupo de bons rapazes, e não é propriamente um escândalo não participar no Mundial.

Já Fernando Santos tem ao seu dispor, há anos, a melhor geração de futebolistas nacionais, presentes nas equipas mais fortes do Mundo, e repetidamente vencedores das competições de clubes mais importantes.

Mesmo assim, insiste num modelo de jogo ultra-defensivo, deixando de fora, consecutivamente, boa parte das opções de ataque.

Quando Fernando Santos foi convidado para seleccionador nacional, de certa forma todos percebemos o que ali estava a ser feito. Era um chef que entrava na cozinha de um restaurante com três estrelas Michelin apenas para fazer esparguete à carbonara.

Pergunto: quem sai de casa para comer esparguete com queijo e fiambre, tendo dourada grelhada ou bacalhau escalado no menu?

Foi assim no Benfica, Sporting, Porto, Selecção grega, Panathinaikos e AEK. Quatro defesas, quatro médios em losango. Defender, defender, defender. De empate em empate até à vitória final.

white and blue soccer ball on green grass field

Nada contra se a equipa treinada for a Albânia, a Bulgária ou Islândia. Agora, um país que consegue ter Diogo Jota, Cristiano Ronaldo, João Félix, Bruno Fernandes, Rafa, Renato Sanches, Bernardo Silva, Gonçalo Guedes, Rafael Leão, entre outros, com as suas cores, vai jogar apenas com dois ou três destes em campo?

E colocar oito para “segurar” e “passar para o lado”? Ou vai seguir a lógica de Johan Cruyff quando se defendia dos críticos que o acusavam de sofrer muitos golos? No fundo, “o que importa levar 3 se marcamos 5?”

Não é preciso ser engenheiro, como o Fernando, para fazer esta conta. O futebol não é física quântica, e é pela sua simplicidade que apaixona milhões.

Se te dão uma equipa com Pepes e Williams, jogas como o Portugal do Fernando.

Se te dão Jotas, Bernardos e Ronaldos, jogas como o Bayern de Munique ou o Liverpool. Em modo trituradora.

Em princípio ganha-se mais do que se perde porque, e esta vai de borla, a maioria dos adversários são piores.

Chegados ao ano da graça de 2022, depois de falhar um apuramento direto num grupo onde a única coisa parecida com concorrência vinha da Sérvia, que se apresentava com pouco mais do que três ou quatro jogadores de primeiro plano – e já estou a contar com o ponta de lança que é figura na segunda divisão inglesa –, Fernando Santos fez o que sabe fazer melhor: rezar.

Neste plano julgo que estaremos mesmo perante um escolhido dos deuses. Não sei bem quais, mas alguém olha para o nosso Fernando num Olimpo qualquer.

Com a Itália no caminho, Portugal viu a Macedónia fazer o trabalho de sapa na maior vitória da sua História, mesmo ao cair do pano.

Poucos minutos antes, a Turquia, em pleno Dragão, falhou o penalti que justamente lhes daria o empate.

Ninguém me convence que, se Fernando Santos desembarcasse em Kiev, um míssil em rota para a Praça Maiden acabasse afinal desviado para o Kremlin, rebentando na sala da mesa infinita onde se senta Putin, dando como concluída a guerra.

Tantos especialistas na CNN e nenhum se lembrou desta.

Provavelmente, esta terça-feira, Portugal chegará mesmo a um Mundial que nem deveria existir.

Tudo o que envolveu a atribuição da competição ao Qatar e o trabalho escravo na construção dos estádios, justifica certamente outro texto. Mas para já, no que ao futebol diz respeito, parece que Ronaldo se prepara para ter a merecida despedida com a camisola da Selecção Nacional.

E isto apesar de Fernando Santos. Este rapaz não pára mesmo de bater recordes.

Engenheiro de desenvolvimento na EcarX (Suécia)


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