Correio Trivial

Justiça à portuguesa

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Marinho Pinto afirmava que alguns estudantes com vocação para o Direito se inscreviam, depois de licenciados, no CEJ – Centro de Estudos Judiciários, com a intenção de virem a ser Magistrados, mas saíam de lá “Majestades”.

A frase foi criticada por muitos, outros censuravam-lhe a truculência, mas poucos eram os que não lhe davam alguma razão.

Há que reconhecer que Procuradores e Juízes são detentores de um extraordinário Poder, que conseguem sem terem passado por qualquer tipo de eleição, e apenas julgados, em caso de qualquer erro, pelos seus pares.

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O resultado só podia ser mau e os números demonstram isso à saciedade.

O jornalista J. Plácido Júnior publicou, há uns anos, na revista “Visão”, um artigo onde escrevia:

“As percentagens de absolvição por ‘carência de prova’, em processos-crime findos em julgamento de 1ª instância, em Portugal, oscilam entre 40,4% e 48% do total de arguidos não condenados – estes, na sua maioria, por desistência de queixas em crime semipúblicos ou particulares, segundo os últimos números oficiais disponíveis. Um “desastre” que, em sete anos, atingiu 154.569 cidadãos, universo superior ao da terceira cidade mais populosa do País, Braga, com 138.000 habitantes.”

Houve casos em que o arguido chegou ao Tribunal “depois de dez juízes diferentes terem validado a sua prisão preventiva, até a tese da acusação desmoronar em Julgamento, como um castelo de cartas.”

Vendo por outro prisma:

Em média, em todos os dias desses sete anos, incluindo sábados, domingos e feriados, houve 65 cidadãos que foram acusados, e muitos deles presos preventivamente, para serem, passados anos, absolvidos.

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Estas absolvições chegam a representar 48% do total de arguidos (praticamente metade dos acusados) quando o máximo admitido por peritos europeus é de 12%.

A parceria existente entre alguns elementos do Ministério Público e alguma Comunicação Social – que muitos entendem como uma troca de informações em primeira mão por promoção em jornais e televisões de alguns magistrados – é, também ela, um problema que devia exigir toda a atenção dos Órgãos Superiores da Magistratura.

As fugas de informação são indesmentíveis.

Há inúmeras provas: jornalistas que chegam aos locais das buscas judiciais ao mesmo tempo que os agentes policiais e os magistrados (já houve casos em que chegaram antes), conseguirem documentação, que deveria ser confidencial, antes dos advogados dos arguidos, e terem acesso às gravações, por vezes com imagem e som, dos interrogatórios destes, na fase de instrução, que divulgam nos seus canais.

Depois há toda uma encenação que é preparada, ao pormenor, para tornar os casos mais apetecíveis para a imprensa:

Buscas aparatosas com dezenas de operacionais equipados como se fossem para uma guerra, incluindo com o rosto tapado, detenção de arguidos – que todos sabem “não perigosos” nem interessados em fugir à Justiça – para primeiro interrogatório, mantendo-os presos muito para lá das 48 horas que a Lei indica como o correcto.

O autêntico circo montado para as buscas no Funchal, com dois aviões militares a levarem centena e meia de inspectores da Polícia Judiciária, mais Magistrados, até ao Arquipélago, é só mais um exemplo.

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O mais grave de tudo, contudo, é percebermos que todo este aparato, que dá uma primeira impressão de grande eficiência na investigação e, logo, na Justiça, acaba inúmeras vezes em absolvições, ou num arrastar dos processos durante anos, com enorme prejuízo para os acusados e total descrédito para quem acusa.

Todos nos lembramos de Ministros que tiveram de deixar os seus cargos da pior maneira, com a suspeita de serem criminosos, viverem largos meses, por vezes anos, com os dedos apontados pelos seus vizinhos, para depois serem absolvidos.

Mas com a vida destruída.

E também conhecemos cidadãos constituídos arguidos, com a informação de terem cometido delitos gravíssimos, principalmente na área económica, mas que nunca, jamais, em tempo algum, passarão um dia dentro de uma cadeia.

O que não impede que, anualmente, se multipliquem os discursos do “combate à corrupção”.

Na última década as intervenções na Cerimónia da Abertura do Ano Judicial são repetidas “ipsis verbis”.

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Presidente da República, Presidente do Supremo Tribunal de Justiça, Ministro da Justiça, Procuradora-Geral da República leem, há anos, o mesmíssimo discurso onde prometem um combate feroz à corrupção.

Já os sei de cor.

O balanço é simples, dezenas e dezenas de cidadãos prejudicadíssimos por erros perfeitamente identificados, ou por atrasos inexplicáveis nos seus processos, sem haver um único Magistrado punido por tal.

Pelo contrário, subindo calmamente nas carreiras.

É a Justiça à portuguesa!

Vítor Ilharco é assessor


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