Tinta de Bisturi

PS e as surpresas eleitorais

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E se até a flor perfuma a mão que a esmaga, a estratégia que destrói ou reduz nem sempre vence. Fica o aroma das pétalas contorcidas, fica a potência da vítima caída aos pés do carcereiro. Nem sempre as estratégias contundentes, e que lançam medos, ofuscam. O executor que vai derramando seu poder nos incautos, ou nos atrevidos, se exagera, enaltece-os.

Este é o mistério da política. Uma frase bem usada catapulta uma decisão. Uma vaidade, ou uma resposta confusa, despertam a dúvida que se insinua na eleição.

Pode-se ganhar porque se colocou o oponente num pedestal: que vem ele para aqui fazer? Ele é bom onde está! Pode lançar-se uma farpa dura – esse não é daqui! Pode erguer-se a bandeira independentista para manchar uma boa intenção. Na Madeira está lançada a ideia do invasor que chegou de avião para vingar o PS.

Eles, os colonialistas, chegaram aos molhos para cumprir a Justiça, apoucando os de lá. A Madeira prepara-se, com este jeitinho bem urdido, para uma vitória esmagadora do PSD. A pesporrência de um director da PJ, que todos sabem ser próximo do PS, levar 300 funcionários, e acabar na prisão inglória de apenas três pessoas, que imediatamente a seguir ficam sem ser ouvidas demasiado tempo, ajuda ao estribilho. A canção já se trauteia por lá. Presumo que teremos outro bailinho da Madeira.

A PJ decidiu ser protagonista após a queda do Governo, e agora a PSP foi para o Porto destapar o que todos sabem, falar daquilo que se sabe à boca cheia. Faz-se bem em atacar o enriquecimento ilícito? Claro. Faz-se bem em intervir sobre a violência? Claro. O tempo destas acções sobre a reflexão e o protagonismo eleitoral é que parece estranho.

Portugal vive um tempo de enorme importância, pois é a primeira vez na democracia que ficámos com todos os Governos demitidos e temos tantas eleições sequenciais. Tudo isto porque o PS não honrou com sabedoria e inteligência a sua maioria. Enquistou-se, lavrou as sentenças da vaidade e da arrogância, esqueceu que era necessário corrigir a Lei Eleitoral. Passar a ter um circulo de compensação, como sucede nos Açores, é o mínimo que já se exige. O PS colocou os seus acólitos em todos os púlpitos e esmoreceu os combates que careciam ser feitos. Há inúmeras imaturidades e indecências que conduziram à revolta das polícias, à revolução dos agricultores, à zanga da geração melhor preparada de sempre.

A isto, o PS respondeu com ataques constantes, com ausência de humor, com falta de sensibilidade política e fez crescer a vítima das marradas! Como o marido cornudo que levanta a mão e perde a razão. Todos os canais insultando a voz contra. Todos os cronistas a despejarem insanidades e calunias sem perceber que a vítima estava a perfumar a mão que lhe batia.

Foi assim na Suécia, na Holanda, na Argentina, e a cegueira ideológica não percebia que era mais importante corrigir a imagem do poder. Aquilo que está a conduzir ao mal-estar provém de quem governa, e não da sua oposição. Se há turismo a mais, fuga aos impostos em barda, desperdício financeiro a rodos, pobres e más figuras na governação, a culpa não é da oposição.

Foi deste modo que chegámos ao crescimento para o dobro do Chega e à redução anacrónica da esquerda além do PS. Aqui estão também os resultados evidentes no dia a dia que são afinal o que importa ao cidadão. Não nos toca directamente o banqueiro anarquista e ladrão, mas afecta o quotidiano a rua coberta de pedintes e sem abrigo, o preço das rendas, a enormidade Lagarde de duplicar os encargos com as rendas.

É mais importante para o voto de 10 de Março a mudança no apartamento do lado do que o banco que faliu. Dói mais a insensibilidade com as casas de banho onde irão os filhos, as certezas das minorias vitimizadas e exigentes e acusadoras do que a ineficácia em escolher um lugar para o aeroporto.

A proximidade é o importante. O país zangado detesta que culpem quem nunca governou. Não esqueceu o caso do Impostos Único de Circulação (IUC), não esqueceu a nacionalização da TAP, e depois a sua venda em curso, não esqueceu milhares de prédios devolutos do estado, e uma lei que metia as mãos nos bolsos dos herdeiros, e nas posses de cada um. Individualmente, escandaliza mais o ruído, legitimado pelas Câmaras, de um bar frente à porta, que a morte do banqueiro na África do Sul.  

E assim chegámos à surpresa eleitoral dos Açores – surpresa para os meus amigos do PS. Este é – e será – o novo normal!    

Diogo Cabrita é médico


N.D. Os textos de opinião expressam apenas as posições dos seus autores, e podem até estar, em alguns casos, nos antípodas das análises, pensamentos e avaliações do director do PÁGINA UM.

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