VISTO DE FORA

Das primeiras impressões: 60 debates. Sim: 60

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minuto/s restantes


Parece que os debates para as legislativas de Março estão a ter boas audiências; algo que, num país tipicamente desligado das decisões políticas, é um bom sinal. Há, pelo menos, interesse em ouvir o que os líderes partidários têm para dizer.

Tenho algumas dúvidas que estes formatos sejam muito esclarecedores. Primeiro, porque o formato de “speed dating” não é o melhor para se explanar uma ideia. Parece que cada entrevistado tenta passar as suas ideias enquanto corre os 100 metros barreiras, sobrando pouquíssimo tempo para o confronto de visões. Depois, pelo que vou observando, o circo montado em redor dos debates, com as análises “pós-jogo”, tendem não só a transformar o que lá aconteceu, mas, principalmente, a levar a discussão para zonas que interessam muito pouco para o esclarecimento dos portugueses. É para isso que servem os debates: para o esclarecimento.

Andar três ou quatro dias a discutir a avó da Mariana Mortágua serve apenas para desviar as atenções dos temas reais que, nesse debate em concreto eram, por exemplo, a contribuição do PSD para a especulação imobiliária ou a tentativa de desviar ainda mais fundos públicos para os hospitais privados.

Ainda assim, devo dizer: este formato é obviamente melhor do que nenhum, e no meio do fogo de artifício, se estivermos atentos, conseguimos perceber as diferenças fundamentais entre os protagonistas.

Eu trabalho, todos os dias, sentado em frente a um computador. Não era o sonho, mas deixemos isso para outra altura. Enquanto o faço, tenho normalmente um canal de noticias ligado para ir seguindo o que se passa e juntar algumas notas para aquilo que escrevo. Vi todos os debates até aqui. Todos. Ao fim de uma semana parece-me que, à esquerda, Rui Tavares foi quem mais se destacou, tal como Mariana Mortágua. Ambos me pareceram bem preparados, têm o dom da oratória que ajuda nestas coisas da exposição pública e conseguiram passar algumas das ideias-chave, encostando por vezes os adversários às contradições das suas próprias propostas. Mortágua meteu o pé em ramo verde com a história da avó; Tavares não cometeu erros.

À direita, achei que um número maior de candidatos se destacou. Desde logo Bernardo Ferrão, Mafalda Anjos e Sebastião Bugalho. Mas também Rui Calafate, Inês Serra Lopes e Anselmo Crespo. Estiveram todos muito bem, ao longo da semana, falando aos espectadores sobre debates… que não existiram. Temo que, no início de Março, tenhamos chegado todos à conclusão que, em vez de 30, afinal vimos 60 debates. Aqueles que aconteceram em directo para todo o país e aqueles que o Anselmo & Cia nos quiseram contar.

Rui Rocha foi, até ao momento, o candidato que demonstrou maiores fragilidades. Desde aquela irritante frase feita colada ao início da conversa até à imagem que permite ser colado pelos adversários. Saiu do debate com Pedro Nuno Santos, com a imagem colada à testa da pessoa que foi ali para conseguir financiamento público para o sector privado.

E, em seguida, no debate com Ventura, conseguiu a proeza de ver o demagogo-mor fazer dele um vilão que não queria saber das pensões das velhinhas. Isto vindo de um antigo ministro que apresentou o Orçamento de Estado com a maior transferência de fundos para privados de sempre e, ainda, de um líder partidário que chegou às lides políticas, há seis anos, apresentando-se com o fim do Serviço Nacional de Saúde (SNS), da escola pública e do Estado Social em geral. É obra.

Para piorar, ainda se conseguiu enrolar na área em que a Iniciativa Liberal costuma ser melhor: a de fabricar cartazes bonitos com países europeus onde qualquer coisa que lhes dá jeito funciona. Não havia um assessor que pudesse ir ao Google dar-lhe os escalões fiscais da Holanda, para evitar mais uma argolada? A sorte (quer dizer, não é bem sorte) de Rui Rocha foi a lavagem que os analistas fizeram na hora seguinte nas televisões. Quem os ouvisse ficava com a sensação de que a coisa tinha corrido bem.

Luís Montenegro teve um arranque melhor do que Pedro Nuno Santos. Por uma simples razão: ninguém espera nada dele. Ainda assim, conseguiu manter-se em jogo com Mariana Mortágua até ao momento dos vistos GOLD e da invocação de “o que você quer é uma Venezuela”. Sabe-se que o argumento da direita termina quando, à falta de soluções, invocam Cuba ou Venezuela.

A Montenegro, tal como Rocha, valeu também os analistas de serviço para recomporem as palavras e até apresentarem ideias que ele nem sequer mencionou. Há um esforço genuíno de alguma comunicação social para contribuir para a subida da direita ao poder. Desde sondagens repetidas diariamente que, invariavelmente, falham no dia das votações, a análises completamente contorcidas aos debates. Aliás, a título de curiosidade, está cada vez mais difícil ver alguém do centro-esquerda por lá, sentado numa cadeira de um estúdio de televisão.

Pedro Nuno Santos teve sorte de começar a estrada dos debates pelo Rui Rocha e, como tal, conseguiu safar-se sem sair da personagem que o convenceram a encarnar. O homem moderado que não diz o que pensa mas aquilo que fica bem. Ora, não sendo eu um eleitor do Partido Socialista, a piada da eleição de Pedro Nuno Santos era exactamente a de não ter medo de defender ideias de esquerda. Fosse nas discussões sobre a CP, na defesa da TAP, na comissão de inquérito ou até no anúncio da localização do aeroporto de Lisboa. Farto estou eu, de políticos do centrão que dizem aquilo que acham que queremos ouvir.

Prefiro a honestidade da palavra, mesmo que impulsiva, do que um homem que diz tudo e o seu contrário, sem qualquer respeito pela palavra dada. Montenegro já disse que se demitiria se não vencesse as eleições. Agora disse que ficaria. Já disse que o Chega não seria parceiro, mas está sempre a abrir-lhes a porta. Claro que não são temas explorados porque o espaço público está reservado para a avó da Mariana Mortágua mas, ainda assim, para quem tenha paciência para os ver, os sinais estão todos lá.

Pedro Nuno Santos terá, a meu ver, que se libertar desse boneco onde lhe disseram que devia encaixar. Isto se quiser marcar alguma diferença e usar aquilo que é a sua mais valia. Caso contrário, corre mesmo o risco de deixar a decisão na mão de estarolas como Montenegro, Nuno Melo e Ventura.

Ventura também não entrou muito bem nesta sequência de debates por uma razão essencial: a repetição da estratégia que já todos conhecem. Interromper cada frase do adversário, evitando o raciocínio do oponente, resultou em anos anteriores mas agora, já ninguém tem grande paciência para ouvir. Torna-se irritante para quem está em casa e já não provoca perturbações em quem se senta à frente de Ventura. Admito que ainda encante os eleitores do Chega, especialmente aquela ala mais desfavorecida no raciocínio mas é claramente um modelo esgotado.

Inês Sousa Real, que não é uma oradora particularmente brilhante, passou por cima de todas as cascas de banana, sorrindo, e ainda teve tempo para humilhar André Ventura e o grupo parlamentar do Chega. 12 deputados durante uma legislatura, com produção de 169 propostas, tendo conseguido um total de ZERO aprovações.

Como explicou a líder do PAN a qualquer eleitor do Chega, aquilo que isto significou, na prática, é que o voto no Chega não serve para nada porque, nenhum dos seus pares no hemiciclo os leva a sério. Isto para não dizer simplesmente que as propostas são, no seu essencial, absurdas e servem apenas para simular que se faz algo.

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Em cima de uma estratégia que não pretende debater ou trocar ideias, Ventura continua a cair no erro de atirar factos aos calhas que, cinco minutos depois de terminado o debate, são desmentidos, como por exemplo, aquele número mágico do dinheiro da corrupção (90 milhões).

Quando debate com a esquerda fala no despesismo, quando debate com a direita assume-se como defensor do estado social. Não há maior cata-vento na política portuguesa. Ainda assim, admito, Ventura é eficaz para o seu eleitor típico e até para outros que flutuam entre PSD e CDS. Neste momento, o Chega vive o seu momento Donald Trump (“posso matar alguém na 5a avenida que nada me aconteceria”).

Pode Ventura dizer as maiores barbaridades, mentiras e contradizer-se 50 vezes em cada debate que, não me restam dúvidas, o Chega ganhará votos para as legislativas.

Já que acabo a falar de populistas, e enquanto espero pela segunda semana de debates, deixo aqui uma nota final sobre Javiel Milei, o tal libertário que ia trazer vida nova, progresso, riqueza e liberdade para todos na Argentina. Lembram-se?

O seu partido apresentou recentemente no Parlamento, uma proposta de revogação do direito da livre interrupção da gravidez, criminalizando o acto com penas que podem chegar a três anos. Já tinham feito o mesmo com o direito à manifestação. Há um traço clássico em todos os extremistas de direita que se apresentam ao público falando em liberdade: é que mal chegam ao poder, certo e sabido, a primeira coisa que fazem é tratar de a suprimir.

Aprendam com os outros antes de irem às urnas, é o que vos digo.

“Viva la libertad, carajo”, mas é o ca*****.

Tiago Franco é engenheiro de desenvolvimento na EcarX (Suécia)


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